Saiu, pela Versátil, o DVD de A carruagem de ouro (Le carrosse d'or, 1952), de Jean Renoir, uma homenagem à commedia dell'arte, com a extraordinária Anna Magnani. O filme tem várias versões, mas a original é a em inglês, como a cópia recém-lançada. Mas se não visse, antes, os depoimentos de Martin Scorsese e do próprio Jean Renoir, e fosse ver o filme direto, pensaria em adulteração. Achava que a versão original seria a francesa, com Magnani dublada, mas Renoir, no extra, diz que rodou A carruagem de ouro em inglês e ao som de Vivaldi o tempo todo ao qual, inclusive, dá a co-autoria da obra. Conta que Anna Magnani teve que aprendeu as suas falas em inglês. Filme que serve de exemplo de como a cor - e no caso o technicolor - pode ser utilizada em função da dramaturgia e não como mero elemento de decoração. A iluminação é de Claude Renoir e, em alguns enquadramentos, pode se sentir a influência do pai do realizador, o pintor Auguste Renoir.
Um dos grandes momentos do cinema aquele no qual Anna Magnani, desesperada com a prisão do marido, sai correndo pela rua e toma um tiro. Pode-se dizer que esta cena detona o neo-realismo italiano em Roma, cidade aberta (Roma, città aperta, 1945), de Roberto Rossellini. Magnani se transformou de uma hora para outra em uma estrela de grande prestígio, chegando a ser convidada a trabalhar em filmes hollywoodianos. Mas não teve vida longa. Excêntrica, como conta Renoir no extra de Le carrosse d'or, abusou um pouco da moça branca e, aos 65 anos, em 1973, foi-se embora por meio de um truculento câncer nos pâncreas. Pouco antes de morrer, surpreendida (claro que tudo combinado) por Federico Fellini na porta de sua casa, em Roma, no filme do mesmo nome, bate-lhe a porta na cara (e na do espectador).
Se a profundidade de campo foi posta em execução com bastante dinâmica e funcionalidade a partir de Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), de Orson Welles, Jean Renoir, este diretor de La carrosse d'or, empregou-a primeiro em A regra do jogo (La règle du jeu, 1939). Em tempos idos, a crítica brasileira, em relação ao cinema francês, se dividia entre os adoradores de Jean Renoir e os adoradores de René Clair. Este, cujo nome está mais esquecido do que o do autor de La règle du jeu, foi o primeiro homem de cinema a entrar na vetusta academia de letras francesa. Clair era admiradíssimo em sua época (Sob os tetos de Paris, Le million, À nous la liberté, Por ternura também se mata, O silêncio é de ouro, etc), mas seus filmes não são mais citados, lembrados. Já os de Renoir são sempre referidos, principalmente A regra do jogo, A grande ilusão, este sobre a guerra, com Pierre Fresnay e Erich von Stroheim, além de Jean Gabin, um clássico que marcou pelo seu humanismo e poder de convencimento.
Truffaut gostava imensamente de Jean Renoir. Para alguns, é o maior cineasta francês de todos os tempos. Outros, porém, consideram que o melhor é René Clair. A disputa, no entanto, foi sendo deixada para trás com o aparecimento de outros cineastas importantes, principalmente a partir dos anos 60 (Jean-Luc Godard, Alain Resnais, Truffaut...), além da consagração de Robert Bresson. O duelo Renoir-Clair, que se dava à revelia deles por seus admiradores, estava concentrado mais na década de 40. A revista Cahiers du Cinema, por exemplo, atacava o velho cinema francês acadêmico, a perdoar, entre poucos (Jacques Becker), Jean Renoir. Claude Autant Lara, Julien Duvivier, Jean Dellannoy, entre outros, foram pichados pela nova vaga, mas, passada a euforia, o próprio Truffaut reconhece o exagero da fase.
Aliás, para homenagear A carruagem de ouro, Truffaut colocou o nome de sua produtora como Films du Carrosse numa alusão explícita a este filme de Jean Renoir.
2 comentários:
Considero Jean Renoir um grande realizador. "A grande ilusão", com Jean Gabin (ainda louro e de cachos) é uma obra inquestionável sobre as conseqëências da guerra e seus reflexos no ser humano. Um filme tocante.
La "mamma" Magnani, sua beleza, sua italianice intrínseca, seu colo "maraviglioso" marcou a todos aqueles que têm hoje mais de 50 anos.
A "Carruagem de ouro" é um belíssimo filme (preciso revê-lo) e você disse tudo sobre ele.
Bem colocada a auto-crítica de Truffaut, que reconheceu o radicalismo (natural e compreensível) do Cahiers na crítica não somente a ele (Renoir)quanto a realizadores clássicos do peso de um Autant-Lara ou Dellanoy.
Falou, enfeitou, falou de novo, e não disse nada do filme. Tá de brincadeira, né? Favor escrever outro texto.
Abraços.
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