Será que vai ser necessária a morte de Jerry Lewis para que venha a ser considerado um dos maiores comediógrafos de todos os tempos? Jerry Lewis, para muita gente, é conhecido como um mero comediante das sessões das tardes globais dos anos 80. Poucos aqueles que sabem que foi um realizador revolucionário, desmistificador, quando começou a dirigir filmes no final da década de 50. Seu apogeu, contudo, durou pouco, e seu pique criativo se esgota ao final dos anos 60, quando entra em depressão, ainda que em 80 volte a dirigir com, pelo menos, um exemplar genial cujo título original é Smorgasbord (em português: As loucuras de Jerry Lewis, título que difama)
Sobre este filme, Smorgasbord, escreveu Inácio Araújo na Folha de S.Paulo (26.04.1999): "Não existe comediante mais subestimado na história do cinema do que Jerry Lewis. Por algum motivo, temos vergonha do riso, ou, pelo menos, de desfrutar de um riso que não tenha motivo profundo (ao menos aparente). Entre seus filmes não existe nenhum mais subestimado do que As Loucuras de Jerry Lewis.O título brasileiro, vazio, indica que os distribuidores não sabiam o que fazer com o filme, nem com o título original (Smorgasbord). Na verdade não há mesmo muito a fazer: o nonsense nega-se, por definição, a dar sentido às coisas. Nesse caso, mais vale relaxar e deixar-se levar por essas gags onde desfila um mundo insano".
Sérgio Augusto, discípulo de Antonio Moniz Vianna, o maior crítico de cinema que o Brasil já teve (Walter da Silveira foi um ensaísta, bem entendido), famoso jornalista carioca, exerceu também a crítica cinematográfica nas décadas de 60 e 70, considerado um dos mais perspicazes analistas da arte do filme. No momento em que Jerry Lewis fez 80 anos, ele, o mais competente exegeta do comediante, escreveu, no Estadão (25.03.2006), um excelente artigo, cujos principais textos vou transcrevê-los aqui nesta coluna, tomando, porém, o cuidado de apor, neles, as devidas aspas.
Quando o conheceu pessoalmente, em carne e osso:
"Hollywood, sábado, 2 de novembro de 1963, por volta das 18 horas. A alguns metros de mim, Jerry Lewis em carne, osso, volteios e caretas. Dos jornalistas convidados para a estréia mundial do filme Deu a Louca no Mundo, eu era o mais jovem, quase uma criança, e, certamente, o mais ardoroso fã de Lewis na platéia de seu show de TV, naquela noite dedicado à multiestelar comédia de Stanley Kramer. O que significa que ao show compareceu quase todo o elenco do filme: de Milton Berle e Sid Caesar a Mickey Rooney e Jimmy Durante, passando por Ethel Merman, que nos brindou com um pot-pourri de Cole Porter. Não obstante, o infante aqui só tinha olhos para o mestre-de-cerimônias. Que não me decepcionou, roubando a cena com os pés nas costas - ou quase isso, literalmente. Agitado, sarcástico, inteligente (145 de Q.I., a mesma marca de Benjamin Franklin e Galileu), cheio de cacoetes, inteligente, fumando sem parar. Nenhuma decepção: era esse mesmo o Jerry Lewis que eu imaginara encontrar - o meninão espasmódico, o bagunceiro arrumadinho, o biruta absurdista. Podem ficar com Jim Carrey. Não aceito imitações."
E mais: "Como explicar, sem a psicanálise, as freqüentes posições fetais de seus personagens, o gosto pelas calças curtas e meias soquetes, as carências afetivas, os constantes conflitos familiares, os pesadelos, as fobias, as transferências, a fixação em heróis dos quadrinhos? Seu incontrolável narcisismo seria o único responsável por sua volúpia transformista? Lewis se desdobrava em dois em Mensageiro Trapalhão, O Professor Aloprado e O Fofoqueiro, e em sete em Uma Família Fulera. Ok, Alec Guinness encarou oito papéis em As Oito Vítimas, mas nunca encarnou, de lambujem, a própria mãe, como Lewis fez em O Terror das Mulheres."
Descoberto pelos franceses: "Desprezado pelos críticos americanos, inclusive por aqueles mais afinados com o gosto da crítica francesa, como Andrew Sarris, Lewis transformou-se na segunda maior idiossincrasia francesa aos olhos dos francófobos da direita americana. A primeira continua sendo o escargot, que talvez já tivesse perdido a supremacia se Lewis ainda fosse o que era na década de 60. O governo francês lhe deu a Légion d'Honneur, a Cinemateca Francesa dedicou-lhe uma retrospectiva em 1964 e o Festival de Cannes o convidou para jurado e para receber um prêmio especial em 1979. Saiu na França, em 1970, o primeiro ensaio monográfico a seu respeito: o volume 59 da coleção Cinéma d'Aujourd'hui, da Seghers, escrito por Gérard Recasens."
Ainda mais: "Por estas bandas, as mais simpáticas acolhidas às comédias de Lewis traziam a assinatura de Moniz Vianna, que aprendera a gostar do comediante nas melhores patuscadas (Artistas e Modelos e Ou Vai ou Racha) da dupla Jerry Lewis-Dean Martin dirigidas por Frank Tashlin, e José Lino Grünewald, para quem o Lewis cineasta, discípulo assumido, porém mais ousado, de Tashlin, até porque mais metalingüístico, "fez o cinema absorver o moderno com uma precisão avassaladora" - notadamente a partir de O Terror das Mulheres, atingindo o ápice com a mais inventiva e perturbadora adaptação de O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson: O Professor Aloprado. Claro que não foi da refilmagem de The Nutty Professor, com Eddie Murphy, que tiraram o professor John Frink da série Os Simpsons.
"A dupla Martin-Lewis (sim, por incrível que pareça, era nessa ordem) encheu de alegria a minha infância.
A foto é de O professor aloprado, com Lewis e a bela Stella Stevens.
6 comentários:
O Professor Aloprado é um dos filmes da minha vida! Também considero Jerry Lewis genial, mas nos meios "cinéfilos" mais jovens, pouca gente presta atenção nele (pra dizer o mínimo)...
Jerry Lewis costumava dizer que no cinema só existiam três grandes comediantes; Jerry Lewis, Jerry Lewis e Chaplin .
Cabotinagem à parte, faz sentido.
Ou seria cabotinismo ? Por favor me corrija.
Grande parte da crítica tardou a encontrar a importância de Jerry Lewis na comédia.
A verdade é que ao se libertar da "dupla" com Dean Martin, o comediante iniciou de fato sua trajetória autoral mais expressiva e particular.
Hoje, Lewis é reconhecido, mas seu trabalho desconhecido da maioria dos espectadores. Pena! Um filme como "O terror das mulheres" nunca poderia cair no esquecimento...
"O terror das mulheres" ("The ladie's man", 1961), Jonga, é, simplesmente, uma obra-prima, se não fossem primas - aliás você é meu primo, mas, outra história - filmes como 'O professor aloprado', 'O otário'.
Caro André,
Estava fazendo uma pequena pesquisa no google para levantar um filme desconhecido de Jerry Lewis, citado por Carlos Reichembach em recente entrevita ao Estado, quando me deparei com seu completíssimo blog sobre o gênio. Minha introdução à sua obra fez-se por meio de sessão da tarde e festivais Jerry Lewis. Daí para leitura de críticas de Merten e outros mestres que apontavam para a importância de Tashlin, das críticas ao matriarcado e da própria genialidade em obras como O Professor Aloprado. Assistí-lo em David Letterman ano passado foi das coisas mais emocionantes que vi na TV nos últimos tempos.
Parabéns e obrigado,
Carlos Moura
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