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06 maio 2007

Estamos há 17 "Sem-Athayde"


Poucos os cineastas idealistas como Carlos Alberto Vaz de Athayde, que, falecido há quase dezessete anos, em julho de 1990, vitimado por um fulminante enfarte, deixou imensa lacuna no meio cinematográfico baiano, embora, considerando a falta de memória típica dos soteropolitanos, a maioria não mais se lembre desse autêntico Don Quixote. E Quixote em todos os sentidos, pois sua idéia fixa, sua vontade de fazer cinema, sua abnegação pela causa, faziam com que lutasse contra moinhos de vento. Vamos recordá-lo, portanto.

Fotógrafo, cineasta, escritor, Carlos Alberto Vaz de Athayde fora, antes de tudo, um amante do cinema, um idealista, um sonhador que acreditara nas possibilidades de o baiano poder vir a se expressar através das imagens em movimento. Humanista, de natureza tranqüila, lhano trato, caráter de retidão indiscutível, Athayde, quando comprara, no Rio de Janeiro, em 1965, durante o Festival Internacional de Cinema que ali se realizara, uma câmara Paillard Bollex, decidira colocar esta a serviço do cinema baiano. No seu retorno da temporada carioca, pensara num projeto há muito acalentado: realizar em Salvador um curso de iniciação cinematográfica. Em 1967, no seu primeiro semestre, conversando com o sociólogo Yves de Oliveira, sentira neste o entusiasmo pela idéia e, principal responsável pela Escola de Sociologia e Política, que ficava situada na Ladeira da Barra (logo no princípio), colocou esta à disposição de Athayde como um espaço disponível para a realização do curso desejado. Com sua câmara Bollex de 16mm, Athayde programara suas aulas de "Fotografia no cinema" e, para ajudá-lo em outras disciplinas, convidara Orlando Senna, que se encarregara de "História do Cinema", e Carlos Vasconcelos Domingues, que ficara responsável pela "Sociologia Cinematográfica". Vendo uma nota no jornal, este comentarista, ainda com seus dezessete anos incompletos, resolvera se inscrever e, então, na Escola de Sociologia Política, que depois seria fechada pela ditadura, viera a conhecer o cineasta Carlos Alberto Vaz de Athayde.

O curso serviria de oportunidade para que várias pessoas interessadas em cinema se conhecessem e daí partissem para a formação de um grupo de estudos cinematográficos que, meses depois, estruturado, organizado, tomara o nome de GIC (Grupo de Iniciação Cinematográfica), núcleo que dera origem à evolução de alguns dos cineastas que hoje batalham no cinema da Bahia. Athayde fora um animador, entusiasta do grupo, fazendo extrapolar o curso para uma amizade com os demais integrantes deste, os quais, neófitos, procuravam dar seus primeiros passos na arte da contemplação da obra fílmica. Reunindo-se, a princípio, na Residência do Universitário, R2, na Vitória, o GIC não tardará a tentar uma empreitada mais arrojada: a realização de um filme em 16mm, curta-metragem, com roteiro escolhido democraticamente entre os apresentados pelos membros do grupo. E surgira ”Perambulo”, obra impregnada de realismo social, de cinema enragé, influência do Cinema Novo, de Glauber e do neo-realismo. Quem seria o diretor de fotografia? Athayde, evidentemente, que emprestara sua câmera e seu trabalho, sempre disposto a animar a equipe, a indicar-lhe os caminhos dos sonhos concretizados. Antes, porém, a mesma Paillard Bollex servira a O Carroceiro, de Ney Negrão (de saudosa memória), com Athayde mirabolante, entusiasmado, fazendo as maiores estripulias para dotar o filme de ângulos inusitados. E para isso, com suas propostas de enquadramentos ‘sui generis’, Carlos Alberto Vaz de Athayde, com seu indefectível paletó e gravata, subira até em árvores na tentativa de captar um ângulo melhor para O Carroceiro.

.Outra característica de Athayde era a sua impontualidade. Nunca chegara a um encontro na hora certa. Seu tempo não conseguira se ajustar à temporalidade da rotina diária, vivendo num tempo à parte, particular. Numa filmagem de Perambulo, marcada para as 9 horas da manhã, Athayde, como fotógrafo, fizera a equipe lhe esperar até às 14 horas. Lembra-se este comentarista que todos os componentes da equipe foram à casa de Athayde (que, nesta época, morava na Princesa Isabel, perto o Clube Bahiano de Tênis) e o encontrara ainda em pijama mergulhado (literalmente) num prato de feijão. Poder-se-ia dizer que Athayde fora uma figura folclórica do cinema baiano, mas, inegável e indiscutível, o seu prestígio como um homem abnegado que amara o cinema sobre todas as coisas e nunca se recusara a participar e ajudar aqueles que se iniciavam no ‘métier’ cinematográfico. E fora assim que ajudara José Umberto no longa que este realizara em 1972 chamado O Anjo Negro, participando, ainda, como ator na figura de um padre, papel, aliás, que parecia lhe cair como uma luva, pois fora também como padre que aparecera em Doce Amargo, de André Luiz de Oliveira e José Umberto, curta premiado no Festival do "Jornal do Brasil" e Mesbla.

Carlos Alberto Vaz de Athayde também filmara projetos pessoais, como um filme inacabado sobre os monumentos de Salvador: Ensaio de Perspectiva, cujo título já dá para se ter uma idéia da tentativa de dimensionamento estético na arte de fotografar. Nos últimos anos, vivera sozinho, num apartamento na Ladeira da Barroquinha, de onde vira o poente pela última vez, por trás da imagem do poeta Castro Alves. Sozinho, meio desiludido, o cinema ficara como coisa do passado.

Um comentário:

Jonga Olivieri disse...

In Memoriam, os meus sinceros agradecimentos a tudo que Athayde fez pelo cinema bahiano.