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21 fevereiro 2007

A comédia como graça e vanguarda



Jerry Lewis, um dos maiores comediantes de toda a história do cinema, nasceu no dia 16 de março de 1926, a completar, portanto, daqui a menos de um mês, 81 anos. Já publiquei o texto abaixo quando dos seus oitent'anos, mas o faço novamente, considerando que os selvagens não conhecem Lewis - e os selvagens não lêem o blog. Então a publicação somente faz sentido em função daqueles que possam compartilhar da sua admiração pelo comediante, que pode ser considerado um dos mais inventivos da arte da comédia. Pelo menos, ainda que rasgando o conceito, tem duas obras-primas: O otário (The patsy, 1964) e O professor aloprado (The nutty professor, 1963). Obras-primas, diga-se de passagem, do processo de criação cinematográfico em todos os tempos.
Enquanto nos dias atuais inexiste uma, por assim dizer, poética do gag, mas uma exacerbação das situações num speed escatológico ou na procura nerd do ridículo, sempre sem nenhuma inventividade cinematográfica, as comédias de tempos idos evocavam o riso pela imaginação criadora, quer do ponto de vista do ser, quer do ponto de vista da narrativa fílmica. Assim, faz-se necessário, aqui, relembrar com urgência urgentíssima a genialidade de Jerry Lewis, um dos maiores comediantes do cinema em todos os tempos, e de seu singular O Professor Aloprado (The Nutty Professor, 1963), obra-prima não só da comédia mas do cinema. Inclui-se nessa excelência criadora também O otário. Artista criador, revolucionário mesmo na concepção de uma mise-en-scène originalíssima, Jerry Lewis é um poeta ou, como disse Jean-Luc Godard, “o mais progressista cineasta do cinema americano dos anos 60”. Versão (ou inversão?) de O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson, O Professor Aloprado conta como um pacato e modesto professor de química, feio, dentuço, desengonçado e mal ajambrado, consegue criar uma fórmula capaz de lhe impor a beleza e o charme. Apaixonado por uma de suas alunas (Stella Stevens), ele tenta conquistá-la quando toma a poção mágica e vira o charmoso Buddy Love. A fórmula, no entanto, tem duração limitada e, de repente, a criatura se transforma, aos poucos, no criador, principalmente nos momentos idílicos entre Buddy e Stella, mas ele, sabidamente, desaparece. Buddy Love provoca celeuma na escola, deixando, estupefatos e apaixonados, desde a secretária (a lewsiana Kathleen Freeman), as alunas e até o grave e circunspecto diretor. O clímax se dá no baile de formatura no momento em que Buddy, o convidado de honra, se metamorfoseia no desengonçado professor.
A inventividade de Jerry Lewis no plano da linguagem cinematográfica é imensa. Cenas brilhantes que se encontram em qualquer antologia que se preze da comediografia cinematográfica: (1) o processo de transformação do professor Kelp em Buddy Love com um extraordinário uso da cor poucas vezes observado na história da arte do filme; (2) a câmera subjetiva em lugar de Buddy finda a metamorfose (e ainda quando o espectador não sabe do resultado) e o espanto dos transeuntes que circulam na porta da boate; (3) a seqüência do ginásio traduz com absoluta perfeição a frustração essencial do personagem lewisiano diante da mitificação esportiva norteamericana; (4) a ambigüidade estampada no close up de Stella Stevens, quando Buddy inicia os tiques diccionais de seu criador; (5) o professor a olhar e imaginar Stella na porta da sala em várias mudanças de sua indumentária; (6) depois da noite perdida, e de ressaca, o professor pálido, na aula, ouvindo, desesperado, o ruído exagerado do giz riscando o quadro, a aluna que assoa o nariz, etc, numa conjugação funcional da imagem e do som; (7) toda a seqüência do baile de formatura, e, em especial, a cena da transformação da criatura no criador; entre muitas outras.
Lewis desmistifica o espetáculo, revelando seus códigos com uma coragem inusitada para a linguagem da época. O final é de uma terrível elegância, quando os principais atores, um a um, como se estivessem num palco de teatro, agradecem enquanto seus nomes são creditados na tela. O último é Jerry Lewis que, literalmente, quebra a lente da câmera. Este artista mal compreendido, que somente vem a receber o respeito crítico a partir do número especial que lhe dedica o sisudo Cahiers du Cinema, é o máximo representante da comicidade non sense do cinema americano posterior a 1945. Lewis parodia, com seus filmes dirigidos nos anos 60, e com singular acerto, as frustrações psicológicas do american way of life. Os seus instrumentos de análise (ou, se se quiser, o seu método) estão na utilização imaginativa da técnica do gag.
Gênio da comédia, cantor das orquestras de Jimmy Dorsey e Ted Florita, Jerry Lewis (Joseph Levitch, New Jersey, 1926) forma dupla com Dean Martin em 1946, atua em televisão e rádio, e, em pouquíssimo tempo, torna-se popular coast to coast em toda a América. A dupla mais burlesca do mundo do espetáculo logo é convidada para ingressar no cinema – e isto se faz através da Paramount. Entre 1949 e 1956, Lewis começa uma extraordinária carreira solo sob as ordens de um mestre da comédia: Frank Tashlin. Aliás, a sua separação de Dean Martin revela que o êxito da dupla radica fundamentalmente no talento cômico de Lewis. Artistas e modelos (1955), filme que assinala a sua estréia sob a direção de Tashlin, dá início a uma série de títulos que se constituem em agudas sátiras da sociedade norte americana expostas com um estilo refinado que se aproxima algumas vezes do cartoon e das histórias em quadrinhos. É, porém, quando Jerry Lewis decide montar uma companhia independente (a Jerry Lewis Productions Inc.) que emerge o seu gênio. Desde O Mensageiro Trapalhão (The Bellboy,1960), obra de estréia, o indicativo da originalidade na arte de conceber a mise-en-scène está presente. Neste filme, não há progressão dramática mas uma sucessão de sketchs, assim como em Mocinho encrenqueiro (The errand boy, 1961). O Terror das mulheres (The ladie´s man, 1961) deslancha a sua fase de obras-primas absolutas (se é possível a um artista ter mais de uma obra-prima!). Filme que representa na obra de seu autor um inequívoco manifesto sobre a concepção da mulher e uma irrefutável fulminação do matriarcado, O Terror das mulheres é delirantemente desmistificador (a partir mesmo do cenário, uma grande mansão na qual os segredos do décor são revelados ao público). Vem O professor Aloprado em 1963 e, em seguida, O Otário (The Patsy, 1964), outra obra magistral, onde aperfeiçoa, amadurece e enriquece definitivamente o seu estilo: a crueldade que consiste em fazer rir de si próprio; a magistral utilização do showburn; o gosto do espetáculo e a vontade em revelar ao espectador o décor, o desdobramento de sua personalidade autor-ator, a explosão em personagens múltiplas, etc. Lewis continua a filmar, tem uma crise nos anos 70, mas seus maiores filmes, os geniais, estão na década de 60. Mas o que dizer de O fofoqueiro (The big mother, 1967), filme absolutamente genial? Fica-se por aqui, no entanto, não por questão de espaço, que na internet, é infinito, mas por questões de pressa e contenção. Porque há, ainda, muito o que falar da genialidade lewsiana. Um dos maiores conhecedores da obra de Lewis é o ensaista Sérgio Augusto, que dei uma das mais elucidativas entrevistas dos últimos tempos sobre jornalismo cultural. Augusto acho que nos filmes de Lewis há, por assim dizer, uma espécie de psicanálise da vida americana.
P.S: Revi quase todos os filmes dirigidos por Jerry Lewis e, na minha opinião, a sua obra-primíssima é O Otário (The Patsy, 1964), que pode ser encontrado em excelente cópia em DVD. Impressionante a capacidade de Lewis em experimentar e inovar, subvertendo códigos estabelecidos.Não é à toa que Jean-Luc Godard o considerou um dos mais progressistas cineastas do cinema americano.Infelizmente, para a maioria, que o aprecia, ele é considerado, apenas, um excelente comediante, vinculado, inclusive, às sessões da tarde da Globo dos anos 80. A nova geração, pude pesquisar, não tem capacidade, infelizmente, de entender a genialidade lewsiana. Pena. Ledo e ivo engano. Um ensaio sobre a obra lewsiana de autoria de Chris Fujiwara pode ser lido no seguinte link: http://www.sensesofcinema.com/contents/directors/03/lewis.html

3 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Particularmente gosto muito também de "Cinderfella" (1960), também da série de filmes dirigidos por Frank Tashlin, que passou entre nós como: "Cinderela sem sapatos".
Agora, indubtavelmente "O terror das mulheres" é admirável, uma obra prima do non-sense.
Jerry Lewis deixou marcado o seu nome na cinematografia não somente estadunidense, como mundial, ao lado de nomes como Jacques Tati como dos maiores comediantes de todos os tempos.
E realmente só teve a ganhar com a separação do canastrão (e mafioso)Dean Martin.

Anônimo disse...

Seutaro, adoro jerry luz! Um comediante de primeira. Parabens pela coluna!

Jonga Olivieri disse...

Ainda por cima você colocou uma foto d'O Professor Aloprado, com a belíssima Stella Stevens.
Uam mulher para deixar quqalquer mortal completamente aloprado!