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09 julho 2007

Os mendigos da boa vontade

Artigo publicado hoje no caderno especial do jornal soteropolitano 'A Tarde' dedicado ao III Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual que acontece em Salvador entre os dias 9 e 14 de julho, no Teatro Castro Alves e no Hotel da Bahia.
Os cineastas baianos são mendigos da boa vontade
Para que exista uma cinematografia é necessário que haja uma produção sistemática e continuada, além de características comuns capazes de configurá-la como tal. A rigor, portanto, não se pode falar em cinematografia baiana sob pena de se estar incorrendo em erro conceitual, pois não existem os pré-requisitos que possam tipificá-la, a exemplo de uma produção sistemática e continuada.


Fazem-se filmes na Bahia de vez em quando e ao sabor dos editais governamentais, os únicos que podem proporcionar a realização de longasmetragens, porque o cinema exige altos recursos e somente o Estado tem a capacidade de socorrer os cineastas ditos baianos, que vivem à sua mercê.


Se não existe uma cinematografia baiana por que, então, fala-se tanto em cinema baiano? A generalização do vocábulo audiovisual para toda obra que contenha imagens em movimento é que está a gerar a confusão, a fazer com que alhos sejam confundidos com bugalhos. Teria o mesmo status, por exemplo, aquele que trabalha na bitola 35 mm, e faz longas, daquele que se expressa pelas imagens em movimento registradas no seu celular? A tendência, ainda que possa espantar, é misturar tudo na palavra audiovisual, gerando, com isso, a confusão e a panacéia. A tal ponto que se não pode mais falar de uma linguagem cinematográfica, mas, sim, de uma linguagem audiovisual.


Também se poderia distinguir entre aqueles que trabalham com o digital e aqueles que trabalham com o celulóide. Se a linguagem pela qual expressam suas idéias é igual, a prática é muito diferente. Assim, contrariando a tendência generalista, o fato é que há uma necessidade de se separar o cineasta do celular e da fita magnética daquele que enfrenta o registro nas bitolas de 16 mm ou 35 mm. Estes últimos fazem cinema verdadeiro – pelo menos do ponto de vista do processo de sua realização, abstraindo-se, aqui, juízos valorativos.
Mas, então, como chamar os outros, os dos celulares, os das máquinas digitais apressadas, ou os da fita magnética, videográfica? Narradores audiovisuais? Verdade seja dita: cinema, com C maiúsculo, é que não fazem, apesar da mentalidade corporativa reinante, apesar do sistema defensivo natural que impele os realizadores baianos a jogarem no mesmo saco alho e bugalho.

A iniciativa privada não acredita em cinema baiano e dificilmente, mesmo havendo a lei de incentivo fiscal, patrocinaria qualquer empreitada com vistas à imagem em movimento. Os cineastas baianos, por outro lado, por não serem milionários, são mendigos da boa vontade oficial. Os filmes são feitos quando ocorrem os tais concursos, não havendo, aqui, portanto, uma continuidade de produção capaz de dar emprego a um profissional de cinema (montador, iluminador, técnico de som, etc., etc.).

Assim, não pode haver uma cinematografia.

Na verdade, a única tentativa (e veja-se bem: tentativa) de se fazer um cinema continuado e sistemático no Estado foi quando do efervescente Ciclo Baiano de Cinema, entre 1959 e 1963, quando houve realmente um projeto nesse sentido com a proliferação de empresas produtoras (Iglu, Winston, Sani etc.), e produtores dispostos a bancar obras cinematográficas, sendo o principal deles Rex Schindler, coadjuvado por David Singer, Álvaro Queiroz, Braga Netto, entre outros. Além da produção genuinamente baiana, havia também filmes que se queriam baianos, mas realizados por cineastas sulinos, a exemplo de O Pagador de Promessas, produzido pelo paulista Oswaldo Massaini e dirigido por Anselmo Duarte. Ou Bahia de Todos os Santos, de Trigueir inho Netto. E há, neles, um denominador comum no que se refere à procura temática: todos se encontram centrados na apreensão dos problemas decorrentes da estrutura social injusta que leva à dramatização das ocorrências vividas pelo povo.

A ausência de recursos, notória, não contribuiu para o incremento criativo.

Mas, e se se considerar o ano de 80 como o ponto final da tentativa longa-metragista no espaço geográfico baiano, passaram-se duas décadas sem nenhum filme de longa duração, com uma dieta restrita aos curtas quase todos destituídos do vigor criativo que seria de se esperar daqueles que se lançam na aventura do cinema.

Vinte anos depois, tempo de uma geração, é que aparece, emendado a durex, 3 Histórias da Bahia, saudado e reverenciado pelos baba-ovos de plantão, que o viram como a redenção do chamado cinema baiano (que não existe, e, com isso, quase condicionando a emergência de um verdadeiro teatro do absurdo).

Mas para além dos filmes, o que se precisa constatar é a regressão que se abateu sobre a cultura baiana nos últimos trinta anos. Se a Bahia já foi um centro de excelência nas artes e já chegou a se falar até numa avant-gard e, como a referência explícita do livro de Antonio Risério, é de se perguntar que tragédia se abateu sobre a cultura baiana, considerando que somente se dá a perceber cacos de um pretérito? E, tangenciando a egolatria, Araripe, surpreendentemente, investe em Esses Moços, na simplicidade da gente humilde em obra sincera e destituída de arroubos, mas, no frigir dos ovos, com defeitos estruturais e ausência de dínamo narrativo. Mas o que dizer dos filmes que estão por aparecer? Ainda que produção sulina, mas com motivação baiana, Ó, Paí, Ó, de Monique Gardenberg, assustou pela mediocridade, e quase instalou o pânico na sensibilidade; mas, a rigor, é documento sociológico da miséria na qual está imersa a cultura baiana.

Crê-se que o que está por vir reflete muito a miséria cultural ou, se se quiser, a tragédia que se abateu sobre a cultura baiana. Terão esta tragicidade Cascalho, de Tuna Espinheira, O Jardim das Folhas Sagradas, de Pola Ribeiro, Pau-Brasil , de Fernando Beléns, Revoada , de José Umberto, Esses Moços, de Araripe, Cidade das Mulheres, de Lázaro Faria? Ou será o articulista que está a delirar diante de tanta miséria, de tanta falta de criatividade, de tanta ausência de imaginação? Contemplar a efígie de um suposto cinema baiano é a tarefa para a decifração do trágico.

08 julho 2007

Dando sentido ao que ilumina



Já disse aqui neste blog que Hamilton Oliveira é um dos melhores diretores de fotografia do cinema brasileiro. Para ficar em apenas três exemplos, iluminou, com engenho e arte, Eu me lembro, de Edgard Navarro, Esses moços, de José Araripe, e Pau Brasil, de Fernando Belens, longas baianos. Num site cultural baiano, Nacocó, que já fiz referência neste espaço, há uma excelente entrevista com Hamilton Oliveira, quando revela ser um profissional culto e sempre atento e que procura, obsessivamente, dar sempre sentido ao que ilumina. Para ler a entrevista de Hamilton, acessar o link: http://www.nacoco.com.br/entrevista/hamiltonoliveira.html

Introdução ao Cinema (3)



Vai aqui a terceira dose desta introdução - o cartaz que ilustra o post é o de Teorema concebido no Japão, quando o filme lá foi lançado.

Antes de entrarmos no outro elemento determinante da linguagem cinematográfica, os movimentos de câmera, necessário, para uma melhor compreensão do processo de criação, saber distinguir entre PLANO e TOMADA. Cada filmagem de um plano qualquer é uma tomada. Tem-se uma tomada a partir do momento me que a câmera é acionada até o momento me que ela é desligada - no tradicional corta do diretor. Assim, a tomada é este fragmento de tempo entre o acionamento do registro e o seu término. A tomada pode variar quanto a seu tempo. Já o PLANO se caracteriza pela distância entre a câmera e o objeto filmado. É a unidade básica da obra cinematográfica. Os planos se reúnem em cenas que, por sua vez, se reúnem em seqüências. Assim cenas se constituem de uma série de planos ligados a uma só ação ou situados num mesmo cenário É a forma cinematográfica mais próxima do teatro. Já as seqüências contêm uma série de cenas. Do ponto de vista mais geral, tem-se uma funcionalidade bastante específica de certos planos fundamentais. Cabe ao realizador saber dosa-los com força expressiva, pois é na articulação dos elementos determinantes da linguagem fílmica que se estabelece a artisticidade da obra cinematográfica. Assim, podemos dizer que, no que concerne unicamente aos planos, o geral valoriza a paisagem como espaço físico e sugere uma comunhão psicológica entre os personagens e a natureza. O PLANO MÉDIO inscreve os indivíduos no espaço físico em que vivem e instaura um equilíbrio dramático entre a ação e o cenário. Já o PLANO AMERICANO destaca os personagens em sua proximidade física e a intensidade de sua presença moral. E o CLOSE UP instala a pujança do valor dramático e psicológico determinante. A natureza dos planos é governada pela distância relativa entre o ator e a câmera. assim, quanto maior a distância, maiores parcelas do cenário são mostradas. diminuindo a distância, as formas do ator crescem de tamanho na tela e, neste caso, há a necessidade de uma mudança de posição da câmera tendo me vista a obtenção de planos mais distantes ou mais próximos. Outro método consiste me empregar lentes de distâncias focais diferentes, isto é, as diversas objetivas que fazem parte do equipamento da câmera. Nesse caso, o resultado almejado é conseguido com uma simples troca de objetiva.


Consegue-se a variação do ângulo visual das imagens por meio das sucessivas mudanças de plano. Em geral, a rigor, qualquer mudança de plano corresponde a uma mudança de posição da câmera ou a uma troca de objetiva, obrigando, com isso, a uma interrupção nos trabalhos de filmagem. Ao contrário do que pensa a maioria dos espectadores, o filme é construído a partir de muitos fragmentos e, apesar de dar a impressão de continuidade, tem, no seu processo de criação, uma total descontinuidade. Para cada tomada (take) de alguns minutos e, às vezes, alguns segundos, há, forçosamente, de se interromper as filmagens. Assim, o resultado na tela é uma sucessão de dois planos articulados por uma descontinuidade chamada CORTE. O corte (cut) é o que caracteriza visualmente uma mudança de plano, sendo também a palavra que o diretor usa para interromper a tomada. Não é só pelo corte, no entanto, que se efetua uma mudança de plano. Como a câmera pode executar movimentos, deslocando-se suavemente durante a tomada, ela, a câmera, pode passar sem interrupção de um plano geral a um plano médio e deste ao close, bem como seguir o caminho inverso, aproximando-se ou afastando-se gradualmente da realidade profílmica. Tem-se,então, aqui, uma mudança contínua de planos. O mais simples dos movimentos de câmera é a PANORÂMICA (Pannning), movimento no qual o aparelho, fixado em sua base, gira sobre si mesmo na direção horizontal (nos dois sentidos) ou na direção vertical. A câmera como que olha ao seu redor (panorâmica horizontal) ou à sua frente (panorâmica vertical). Se, por exemplo, um personagem está no alto de uma montanha e divisa a paisagem, a câmera confunde-se com sua vista, executando uma panorâmica horizontal. Se está na base de um edifício, e olha para uma janela elevada, correndo a vista pela altura do prédio, a câmera mostra o que o personagem enxerga por meio de uma panorâmica vertical. A forma mais simples de panorâmica - da direita para a esquerda - ou vice-versa - pode cumprir várias funções qualificantes. Pode, por exemplo, afastar gradualmente a nossa vista de uma cena resolutiva e reconduzi-la a ela, carregada de curiosidade, provavelmente após o seu desfecho.


Em Trágico Amanhecer(Le jour se lève, 1939), de Marcel Carné, na cena de amor entre o protagonista e a mulher dentro da cabana enquanto lá fora chove, mal os dois começam a reclinar-se sobre o leito abraçados, uma panorâmica conduz o espectador, lentamente, para o exterior diante de uma goteira pela qual se escoa um abundante caudal de água de chuva. A imagem, então, dissolve-se, até que, finalmente, reaparece a mesma goteira, desta vez, porém, apenas gotejante. O temporal findou. Uma outra panorâmica reconduz o espectador ao interior, mostrando o par que se prepara, agora, após uma noite de paixão, para abandonar o refúgio. É uma maneira indireta de apresentar as coisas, rica de sugestão, no entanto, e que não deixa de aludir ao destino adverso que paira sobre o acontecimento. Elevando-se sobre os personagens me movimento, a câmera também pode informar ao espectador de algo que o espera mais adiante, colocando-o me posição de vantagem me relação às personagens da trama. É o que acontece em "No Tempo das Diligências" ("Stagecoach", 1939), de John Ford, onde a presença dos índios é revelada ao espectador antes de os ocupantes da diligência dela se aperceberem. A câmera pode, igualmente, ligar fatos pertencentes a diferentes dimensões temporais, prolongando-se numa outra panorâmica que evolui no mesmo sentido mas que se refere a um acontecimento ocorrido no passado e que se liga ao primeiro por meio de uma recordação neutra,, invocada, através de um objeto de dupla referência espaço-temporal. É o procedimento que, em Morangos Silvestres(Smultronstallet, 1958), de Ingmar Bergman, provoca uma constante confusão do presente com o passado sem que a linearidade narrativa e dramática do relato fique comprometida. Ainda temos mais exemplos de panorâmicas e de outros movimentos de câmera - como o travelling. Mas fica para o próximo capítulo.

04 julho 2007

Desfazendo equívocos



Estão me entendendo mal por causa do post de ontem sobre certos críticos e a diferenciação entre o elo semântico e o elo sintático. Não falei mal nem critiquei Paulo Emílio e Walter da Silveira, pelo amor de Deus! Estes são grandes críticos, dois gigantes do pensamento cinematográfico brasileiro, ensaístas admiráveis. O primeiro pensou a sociedade através do cinema e, no fim da vida, tomou-se de amores pela cinematografia nacional e disse uma frase (dizem que a coisa não foi assim como se conta) que ficou famosa na qual diz que prefere qualquer filme brasileiro ao melhor filme estrangeiro, porque no nacional há, sempre, algo nosso, é uma parte do homem brasileiro, refletindo a sua cultura, as suas raízes. Assim, disse que gostava mais de Ainda agarro esta vizinha, de Pedro Carlos Rovai, comédia de sucesso na época, do que de Gritos e sussurros, de Ingmar Bergman, que estava a estabelecer uma verdadeiro bergmania. Já Walter da Silveira, baiano, além de conhecer profundamente o cinema, tinha um estilo, barroco, é verdade, mas admirável. Os dois, Paulo Emílio e Walter faziam reflexões sobre a natureza da arte do filme com singular brilhantismo.


Mas, apesar de cultos, eruditos, tinham um estilo de crítica que não se alicerçava no elo sintático. O pioneiro, nesse sentido, foi José Lino Grunewald, cujas críticas, brilhantes, podem ser conferidas no livro editado pela Companhia das Letras Um filme é um filme, organizado pelo mesmo Ruy Castro que reuniu os escritos do grande Moniz Vianna em Um filme por dia, também pela mesma editora. Grunewald soube ver, na frente de todos, o problema da diferenciação do elo sintático e do elo semântico. Mas demorou um pouco para que os críticos dessem conta que o cinema é uma estrutura audiovisual e foi preciso que se absorvessem, direito, o que propunnha Alain Resnais em O ano passado em Marienbad. Mas ainda volto ao assunto.

03 julho 2007

Da santa ignorância


Interessante observar que os grandes críticos de cinema do passado (vale para Paulo Emílio Salles Gomes, Walter da Silveira, entre tantos!, excetuando-se, talvez, Moniz Vianna e, principalmente, José Lino Grunewald, entre poucos) apenas se reportavam em seus ensaios, em suas críticas, aos grandes cineastas (Eisenstein, Orson Welles, Griffith, Dreyer, etc), aos movimentos e escolas que instauraram novos tempos (neo-realismo italiano, a avant-garde, o realismo poético francês...), relegando certos filmes e certos realizadores ao completo esquecimento. Muitas vezes davam valor ao filme por seu tema nobre, confundindo o elo semântico com o elo sintático. O saber distinguir estes dois elos, tão caro à crítica de Grunewald, como se pode ver no livro que reúne seus melhores momentos organizado por Ruy Castro, foi fundamental para a compreensão do cinema. Ainda hoje, neste tempo de contemporaneidade imbecil, há pessoas que se dizem cultas e consideram bons filmes aqueles que tratam de temas sérios e nobres. A ignorância é imensa. Conheço um cineclube - não posso citar o nome - que, embora organizado, eficiente, bem administrado, cultiva a ignorância em termos cinematográficos, considerando que quase todos os seus membros não sabem fazer a diferença entre o elo sintático e o elo semântico. A programação é estruturada com a exibição de um filme seguido de debate, quando é convidado algum especialista. Por exemplo: quando exibiram Psicose, de Hitch, convidaram um psiquiatra, quando mostraram Testemunha de acusação, de Wilder, o palestrante foi um advogado, e assim por diante. Santa ignorância. Nada a ver com nada. Uma vez, convidado para um debate sobre Laranja mecânica, de Kubrick, quase fui agredido por um psiquiatra porque ele teimava em afirmar que a compreensão do filme estava no problema da esquizofrenia do personagem de Alex enquanto eu queria mostrar que o cinema, sendo uma estrutura audiovisual, devia ser pensado e analisado nestes termos e, no caso em questão, o problema maior, para Kubrick, seria o tolhimento do livre arbítrio do homem.


Mas gostaria de dizer que um dos melhores filmes que já vi em minha vida de cinéfilo foi Se meu apartamento falasse (The apartment, 1960), de Billy Wilder. Não se sabe por que não saiu ainda em DVD. É uma obra mais que prima: primíssima.

02 julho 2007

Desafio à corrupção




Nunca vi Desafio à corrupção (The Hustler, 1961), de Robert Rossen, porque, quando do seu lançamento, em 63, 64 - antigamente os filmes demoravam dois, três anos, para chegar ao Brasil, e ainda mais um bom tempo para entrar no circuito soteropolitano; quando ia ao Rio, por exemplo, ia muito a cinema e, de volta, os filmes vistos demoravam a chegar; adolescente, achava isso uma façanha, ter visto primeiro certos filmes importantes e, naquela época, havia muitos filmes importantes ao contrário dos tempos que correm povoados de mixórdias - não tinha idade. The Hustler era rigorososamente proibido até 18 anos e, contando 13, 14, não pude entrar. Ainda nesta mesma idade, consegui uma carteira falsa de estudante que me dava 18 anos. A classificação por idade era muito severa: 5 anos (livre), 10 anos, 14 anos, 18 anos e, de vez em quando, um filme de 21 anos para efeito mais comercial do que censório.


Estou a embaralhar as coisas, porque queria dizer algumas palavras sobre The Hustler. Mas voltemos à classificação etária dos filmes. Havia, além do porteiro, fardado, gravatinha borboleta, sempre em pé, um comissário de menores para impedir a entrada destes em filmes proibidos. Mas o comissário tinha uma hora que saia. Havia maneiras para se entrar, no caso de menores. Uma delas era a compra do ingresso inteira, pois não se precisava apresentar a carteira de estudante, mas, mesmo assim, tinha o risco do porteiro desconfiar e barrar. Outra maneira era através da falsificação das carteiras de estudantes, que se podia conseguir com amizades no grêmios das escolas. Não era muito fácil, pois precisava ter amigo influente no grêmio. Naquela época, as carteiras eram todas padronizadas com faixas: azul (menores de 14 anos), vermelha (entre 14 e 18), e verde (maiores de 18 anos. Quando tinha menos de 14, consegui uma vermelha, e aos 15, 16, arranjei uma verde.


Mas o fato é que nunca vi na vida Desafio à corrupção, de Rossen, com grande interpretação de Paul Newman, entre outros grandes atores com George C. Scott, Jackie Gleason. Filme adulto sobre a errância e a desilusão, a falta de caráter, e o jogo de sinuca. Martin Scorsese, com o mesmo Paul Newman, quis repetir The Hustler em A cor do dinheiro, que é apenas um pálido reflexo do filme de Rossen, este, sim, considerado uma quase obra-prima do cinema americano. Será que tem em DVD?

01 julho 2007

Introdução ao Cinema (2)



A introdução ao cinema, que comecei quarta passada, penso em estabelecê-la aos domingos, quando serão pingados capítulos como pílulas sem outro propósito que o de esclarecimento didático.


Assim, existem, na linguagem cinematográfica, os elementos determinantes - planos, movimentos de câmera, montagem - e os elementos componentes - fotografia, cenografia, som, música... Vamos dar continuidade ao que foi apresentado na semana anterior, começando por um dos elementos que determina a linguagem cinematográfica: O PLANO. Cada plano representa uma posição particular da câmera em relação aos objetos e pessoas que estão sendo filmados. E, como de um plano a outro a câmera tem que mudar de posição, o plano é considerado a unidade fundamental do filme. Importa ressaltar, porém, que, num sentido mais visual do que técnico, usa-se a palavra enquadramento como sinônima de plano. Mas o enquadramento possui um significado estático,enquanto unidade figurativa do filme, constituída pelo conjunto dos elementos humanos, cenográficos e plásticos, que figuram no quadro fílmico. Já plano tem um significado dinâmico enquanto unidade narrativa. O tamanho do plano -e, conseqüentemente, seu nome e seu lugar na nomenclatura técnica - é determinado pela distância entre a câmera e o objeto filmado e pela duração focal da cena utilizada. Os planos constituem, no dizer de Henri Agel, uma verdadeira orquestração da realidade. Numerosos e, de resto, raramente unívocos, vale lembrar que todos os tipos de planos foram utilizados desde antes do cinema pelas artes plásticas, decorativas e de ourivesaria (paisagens, retratos de corpo inteiro ou de busto, medalhões, camafeus, etc).

O PLANO GERAL de uma paisagem pode perfeitamente enquadrar um personagem entrando em PRIMEIRO PLANO e é mesmo possível dispor atores em diversas distâncias. Vejamos aqui a nomenclatura dos planos:


PG - PLANO GERAL (Long-Shot): vê o ator de longe de corpo inteiro no conjunto do cenário, que pode ser observado nitidamente e que predomina na imagem. O PLANO GERAL pode exprimir a solidão (Robinson Crusoé gritando seu desespero face ao oceano no filme homônimo de Luis Buñuel), a impotência às voltas com a fatalidade (a miserável silhueta do personagem de Ouro e Maldição/Greed, de Erich von Stroheim, acorrentado a um cadáver no meio do vale da morte), a ociosidade (Os Boas-Vidas/I Vitelloni, de Federico Fellini, matando o temo na praia),a nobreza da vida livre e orgulhosa nos grandes espaços (nos westerns), a vista da parte baixa da Cidade do Salvador com sua feira e seu porto (A Grande Feira, de Roberto Pires...)


PM - PLANO MÉDIO (Medium-Shot): Se o plano anterior, o geral, tem função atmosférica, localizando a ação e preparando o espectador para recebe-la, o PLANO MÉDIO tem função descritiva, pois introduz as reações de um ator em correspondência com o ambiente e os atores que o cercam. Nele, nota-se um ou vários protagonistas de pé e, ainda, alguns pormenores do cenário podem ser vistos, mas estão esses pormenores, subordinados aos intérpretes. Mesmo quando aparece sentado, o ator preenche a tela de alto a baixo com o seu corpo.


PA - PLANO AMERICANO (Two-shot): Permite que se veja o ator dos joelhos para cima contra um cenário não obstrutivo, ficando, claramente delineados os gestos e o movimento do personagem. Tem este nome porque era muito usado por David Wark Griffith, americano considerado pai da linguagem cinematográfica, que realizou duas pelo menos duas obras fundamentais: O Nascimento de uma Nação (The Birth of a Nation, 1914) e Intolerância (Intolerance, 1916).


PP - PRIMEIRO PLANO (Close-up): Destina-se a mostrar o rosto de um só ator ocupando a tela inteira. Constitui uma das contribuições mais prestigiosas do cinema no campo de sua especificidade. É no close-up que se manifesta melhor o poder de significação psicológico e dramático do filme. E, pode-se dizer, é esse tipo de plano que constitui a primeira e, no fundo, a mais válida tentativa de cinema interior. Sobre o close up disse André Malraux: "Penso no primeiro plano de uma maca em Terra/Semlia, de Dovchenko (cineasta russo da época de Eisenstein), podendo-se afirmar sem paradoxo que alguém que não tenha visto esse plano jamais viu uma maca". O PRIMEIRO PLANO, além de ser o fator que diferencia o cinema do teatro, cria um microcosmo desligado do espaço e da materialidade. O mundo da fisionomia (rosto ampliado e isolado pelo close como num microscópio) confunde-se com o mundo da alma, segundo o teórico húngaro Bela Balazs. O primeiro plano é a dimensão humana de um rosto isolado sobre a tela e toda referência ao espaço e ao tempo desaparece em vista de sua existência autônoma. A expressão da fisionomia, para este teórico, é completa e compreensível em si mesma e, por conseqüência, não temos de concebê-la como existente no espaço ou no tempo. Nossa consciência do espaço é abolida e nos encontramos em outra dimensão: a dimensão da fisionomia. O ponto de referência de Balazs é o filme A Paixão de Joana D "Arc (La Passion de Jeanne D" Arc, 1928), de Carl Theodor Dreyer, cineasta dinamarquês que realizou este filme na Franca. Se a montagem fraciona a totalidade do tempo, o PRIMEIRO PLANO fraciona a totalidade do espaço. O Primeiro Plano corresponde, excetuando-se os casos em que tem um valor simplesmente descritivo, a uma invasão do campo da consciência, a uma tensão mental considerável, a um modo de pensamento obsessivo. O Primeiro Plano sugere, assim, uma forte tensão mental do personagem. Exemplos: os planos faciais de Laura toda vez que ela mergulha no passado (Desencanto/Brief Encounter, de David Lean) ou os de Joana D"Arc submetida à tortura moral por seus juízos no filme de Dreyer. Ou os planos de Liv Ullmann e Bibi Andersson em Quando Duas Mulheres Pecam (Persona), de Ingmar Bergman.


PD - PLANO DE DETALHE (Big Close-up): aparece somente a boca, os olhos, ou a parte de um objeto muito aumentado. A intenção, aqui, é frisar, mais do que no Primeiro Plano, um traço peculiar do personagem ou um pormenor isolado, como um disco caindo no prato do aparelho de som, o olhar da jovem que abraça o oficial ferido em Adeus às Armas (A Farewell to Arms), de Frank Borzage, o olhar do bêbado em Farrapo Humano (The Lost Week-End), de Billy Wilder, arrancado de seu sono alcoólico pelo toque do telefone. Considerando que um plano é determinado pela distância entre a câmera e o objeto filmado, a escolha de cada plano é condicionada pela clareza necessária à narrativa - o plano, a rigor, é tanto maior ou próximo quando menos coisas há para ver e, também, o tamanho do plano aumenta conforme sua importância dramática ou sua significação ideológica.

Bahia capital do cinema



Entre os dias 9 e 14, no majestoso Teatro Castro Alves, acontece o III Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual. Segundo me revelou Walter Pinto Lima, organizador do evento, já estão confirmadas as presenças de: Walter Carvalho (diretor de fotografia), Cláudio Assis (cineasta), Edgard Navarro (cineasta), Mimmo Calopresti (cineasta), Fernando Trueba (cineasta), Tariq Ali (escritor), Massimo Canevacci (Univeristà La Sapieneza, Roma), Michel Marie (Sorbonne, Paris VII), Daniel Diaz Torres (Escola Internacional de Cinema e TV de San Antonio de Los Baños, Cuba), Afrânio Catani (USP), Olgária Mattos (USP), Ivana Bentes (URFJ), Maria Teresa Ventura (URFJ), Claude Murcia (Sorbonne University. Os inscritos receberão, ao fim do seminário, certificados da Universidade Federal da Bahia. Para maiores informações, acesse o site: http://www.seminariodecinema.com.br/

29 junho 2007

Tela em transe


Jorge Alfredo, o cineasta do premiado Samba Riachão, entrevista, aqui, outro colega, e também baiano, José Araripe Jr, o realizador de Esses moços, que ainda continua em cartaz no circuito.


- Como se faz para furar o cerco dos americanos e colocar um filme de baixo orçamento no circuitão?
Felizmente ainda existem distribuidores e exibidores preocupados com esse segmento. Mas furar esse cerco pode não significar nada. O que faz um filme brasileiro ser notado é o volume de publicidade investido nele. E isso também pode significar nada. Pois outros fatores são pré-requisitos ferozes: leia-se o mix de valores agregados: atores famosos, efeitos, sexo, violência...
E mesmo assim um filme pode naufragar, se o diretor for um desconhecido ou não agradar a crítica. Em meio a tantos lançamentos festejados é praticamente impossível obter espaço na mídia espontânea. De todos os filmes em cartaz no Brasil hoje, Esses Moços é o filme mais atípico. Nossa qualidade está em sermos diferentes e nesse quadro, só o boca a boca pode fazer o filme ter mais audiência.


- Existe espaço para a critica séria e inteligente no jornalismo brasileiro?
Sim, claro, mas cada vez menos. Infelizmente os formadores de opinião do jornalismo diário, podem condenar um filme à morte antes de sua primeira sessão. Você já observou que já na madrugada de sexta, antes da primeira sessão do filme, é possível ler as sentenças que reduzem um filme à cinzas? Essa é a mesma critica que adora dizer amém aos modismos de hollywood, esses fazem tanto mal ao cinema brasileiro quanto o monopólio dos Blockbusters.


- Esses Moços é uma vítima disso e você estava preparado para receber críticas?
Sim. Independente de falarem bem ou mal, que importa é que a crítica seja uma análise da obra, com alguma coerência ou método. Pois mesmo quando apontam lacunas, falhas e insatisfação demonstram sensibilidade e acuidade, e, naturalmente, é possível enxergar alguma inteligência por trás do teclado.

- Você se refere a que tipo de leitura crítica?
A crise de identidade da crítica se manifesta antes de tudo no gênero. Hoje se mistura tudo: artigo, reportagem, resenha, colunismo social, opinião, resenha... As mais preguiçosas ou preconceituosas normalmente não se sustentam, na maioria das vezes são conotadas por fatores extra fruição. O complicado é que esses escribas ganham autoridade num espaço de comunicação de massa e abusam do poder.

- E que mais lhe irritou na postura da crítica em relação a Esses Moços?
Na estréia do filme no festival do Recife, as mais de duas mil pessoas que lá estavam receberam o filme com muito carinho, interagindo e aplaudindo o filme em cena aberta diversas vezes. Mas, as matérias que se referiram a participação no festival, simplesmente omitiram esse fato. Por acasião do lançamento um mês atrás, fomos vítimas da superficialidade dos resenhistas de Folha, Reuters
e Veja. Criticas preguiçosas que induziam o espectador a não ver o filme. E o papel da crítica não é esse.


- Mas, como você fala, me parece que o filme, realmente não agradou à crítica?
Tivemos algumas críticas ruins, outras boas, onde há leituras que conseguem perceber o filme com sensibilidade, e apontam as qualidades da obra sem benevolência, e os defeitos, sem arrogância.
Por outro lado recebemos dezenas de depoimentos espontâneos via e-mail, ou blogs, de cinéfilos, cineastas e espectadores. Algumas dessas leituras se colocadas lado a lado com as opiniões que menosprezam o filme, no faz refletir de como há um divorcio real entre o olhar leviano da mídia ligeira e o olhar do espectador que apenas sente o que um filme denota.

- No panorama atual, onde predomina o realismo e o documentário social e biográfico, há espaço para um cinema de fábula como o seu?
Quem conhece meus filmes anteriores sabe que sou um fabulador. Meu cinema está mais para o primeiro cinema, para o teatro de variedades. É cinema, mas não é obcecado pela recriação da realidade. Nele há espaço pro cinema mudo, pro circo, pro teatro e para a poesia principalmente. E o que parece ingênuo é planejado. Isso incomoda quem está acostumado a tudo redondinho. E a carga de despojamento e lirismo que os personagens carregam ao mesmo tempo, não costuma freqüentar o realismo de cartilha.

- Para esse tipo de filme não faz falta um outro circuito?
É infelizmente falta. As salas de cinema no Brasil estão virando um gueto de elites. E não apenas da elite que pode pagar. Mas de uma elite de jovens, que desde a infnacia já alugaram o espaço de seus imaginários ao modelo de cinema serial, calcado apenas na velocidade, no superlativo e na pirotecnia. São dois tipos de cinema em conflito: o dominante dos super heróis e um outro: o cinema dos homens comuns. Para esses comuns sobram apenas 20% das salas, onde ainda é possível ver um tipo de cinema de qualidade, mas aí a concorrência é grande também, e a tendência é também o estrangeiro dominar o segmento. O cinema é uma indústria rica, e dedicada a quem tem poder aquisitivo. Faltam circuitos que deveriam levar a 80% da população, cinema com preços populares. Mas só a televisão e leis mais rígidas podem defender o produto brasileiro dessa lavagem cerebral, que é avassaladora. Essa dominação absoluta dos lançamentos estrangeiros, está apontando para se repensar não apenas as leis, mas o papel do jornalismo, que tem usar seu poder para ajudar a deter esse monopólio.

- O que você faria diferente na hora de lançar um filme?
Creio que temos um mercado ocupado e com alguns vícios recorrentes, que todos nós temos que enfrentar quando lançamos um filme. Há os lançamentos de nomes consagrados e há os filmes mais populares, na atualidade quase sempre ligados às majors e a Globo Filmes, que conseguem ser lançados com um bom número de cópias e uma boa divulgação, mas, em contrapartida, sofrem na sua grande maioria também, séria discriminação.

- Os festivais ajudam a carreira de um filme?
Os festivais, sejam eles nacionais ou internacionais, dão prestígio a um determinado tipo de filme e a crítica, em geral, se sente à vontade para recomendar esses filmes. Esses Moços é um exemplo de filme que não tem muito "o perfil para ganhar festival", é popular, e a crítica não sabe se comportar diante de um filme assim. Os festivais no exterior se tornam mais importantes ainda. Mas, é algo difícil para um filme fora do eixo, pois depende de ligações que exigem maior poder de fogo das produtoras. É claro que o filme independente brasileiro que consegue isso, imediatamente é recebido em seu país com outros olhares. Coisa de uma colonização arraigada, que sagra o filme pobre Iraniano e argentino, como cult e criativo, mas esnoba o igualmente criativo cinema brasileiro de baixo orçamento.

- Diante de uma ocupação abusiva dos blockbusters, que chega a um percentual inacreditável de 80% com apenas 3 filmes, está havendo uma reação das associações cinematográficas e de parte da crítica. É a Tela em Transe. O que pensa um cineasta que está lançando seu primeiro longa no circuito com um número ínfimo de cópias?
Só um mobilização ampla pode melhorar esse quadro.É fundamental também que se ocupe anualmente a mídia de massa – principalmente a TV, com campanhas institucionais trimestrais patrocinadas pela estatais, onde possa se juntar as belas imagens de nossos filmes para incentivar e estimular e incentivar o grande público a conhecer os muitos brasis, nosso talentos e nossas historias. Alem disso ampliar a cota de tela, taxar cópia a cópia, criar a cota de trailler e garantir espaço para o merschandesing nos foyers das salas.

- Em 2001, o cinema brasileiro levou um número considerável de público às salas de cinema como há muitos anos não vinha acontecendo. O que houve de lá pra cá, que não conseguimos manter esse avanço? Houve uma contra reação?
Principalmente falta de estratégia de comunicação. Os filmes estão sendo lançados sem apoio de pesquisas para definir a linha de criação da comunicação, e seus verdadeiros públicos alvos. Por outro lado está cansando essa formula do filme TV. Só campanhas cooperadas que reúnam os sem propaganda podem ampliar o posicionamento do cinema brasileiro na mente do espectador. O resto é recrudescer contra o abuso desse quase monopólio. Trabalho de formiguinha, onde nossos heróis desdentados devem agir com inteligência para enfrentar os superpoderosos da américa do norte.

28 junho 2007

Os melhores de todos os tempos



A lista que segue, elaborada pelo American Film Institute (AFI) contempla os filmes americanos. Mas não deixa de ser interessante, pois o instituto é sério. Em 1997, o American Film Institute realizou uma ampla votação entre críticos para elaborar a lista dos 100 melhores filmes de todos os tempos. O grande vencedor foi Cidadão Kane, de 1941. Pois uma década depois o AFI voltou a fazer a pesquisa e a liderança permaneceu com o filme dirigido e estrelado por Orson Welles. Tirei do Adoro Cinema que tem o seguinte endereço: http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/cinenews/cinenews.asp Aqui no blog publico apenas os trinta primeiros, mas quem quiser conferir a relação completa pode tê-la no link citado. E para saber detalhes sobre cada filme basta clicar no título que o acesso aos dados é dado imediatamente (inclusive os cartazes originais). Confira logo abaixo a relação completa da nova lista elaborada pela AFI:












12 - Rastros de Ódio


14 - Psicose




18 - A General








26 - A Mulher Faz o Homem



30 - Apocalypse now

27 junho 2007

Introdução ao Cinema (1)



Atendendo a algumas solicitações, tomo a iniciativa de republicar, novamente, em capítulos semanais, a Introdução ao Cinema. Quem já o leu que lhe passe por cima, mas, de qualquer forma, há muitas pessoas que somente tomaram conhecimento do blog muito tempo depois de seu aparecimento. Espero aqui dar o a-b-c do cinema e seu caráter, como sempre enfatizei, é eminentemente introdutório sem veleidades teóricas, excetuando-se nos últimos capítulos, quando trato do cinema enquanto narrativa e fábula.
A partir de hoje, vou tentar apresentar aos leitores os elementos básicos da linguagem cinematográfica com um objetivo precípuo: introduzir o espectador nos meandros desta linguagem, considerando que a maioria das pessoas que vai ao cinema apenas se contenta com a história, desconhecendo por completo que o cinema tem, também, uma narrativa, e esta se expressa pela capacidade do realizador em articular os elementos lingüísticos próprios da arte do filme. Trata-se, na verdade, de uma introdução ao cinema com um cunho didático e com um propósito de esclarecimento. A introdução será feita em partes que serão desenvolvidas através de várias semanas. Para se atingir a especificidade da linguagem cinematográfica, três são os elementos básicos, fundamentais, com os quais o realizador precisa saber articulá-los se quiser obter, no filme, força expressiva. São os elementos determinantes da especificidade da linguagem fílmica: a planificação, os movimentos de câmera e a angulação, havendo um quarto elemento, a montagem, que também determina a especificidade, ainda que, hoje, não possua mais a primazia do passado, quando era considerada a expressão máxima da arte do filme - a introdução das tomadas demoradas (Michelangelo Antonioni, o cinema iraniano atual, Theo Angelopoulos...) a partir dos anos 50 e o advento da profundidade de campo (Orson Welles, William Wyler, etc) tiram da montagem a sua supremacia no processo de criação cinematográfica. Antes dos anos 40, porém, quando do seu auge, é necessário salientar que nem todos os filmes dessa época se submetiam à estética da montagem. Juntamente com a vanguarda francesa, o cinema soviético é, talvez, o único a levar a montagem a seu paroxismo, principalmente com os filmes de Serguei Eisenstein - O Encouraçado Potemkin, 1925, Outubro, 1927, etc. Os elementos componentes da linguagem cinematográfica , apesar de imprescindíveis, não lhe determinam, contudo, a sua especificidade. O roteiro, texto escrito é, ainda, uma peça literária, uma pré-visualização do filme futuro. A fotografia ajuda a compor e a melhor definir o estilo, algumas vezes com função dramática especial - Vittorio Storaro, iluminador de Bernardo Bertolucci (O Último Imperador, O Céu Que Nos Protege...) assume uma função de quase co-autoria , mas, na maioria dos casos, o diretor de fotografia segue os ditames do realizador. A cenografia, ainda que, em raros filmes, surja como elemento deflagrador da evolução temática - Vincente Minnelli em Deus Sabe Quanto Amei/Some Came Running, 1957, usa a cenografia como determinante da explosão dramática, é elemento componente, assim como a parte sonora, os ruídos, os diálogos, a música - casos existem, como em Os Guarda-Chuvas do Amor/Les parapluies de Cherbourg, 1965, e Duas Garotas Românticas/Les Demoisselles de Rochefort, 1966, ambos de Jacques Demy, nos quais a música tem tanta importância quanto a mise-en-scène, chegando mesmo a se falar de uma mise-en-musique para estes filmes. Se a literatura se exprime por meio de palavras, vale dizer, signos arbitrários, e o teatro, além do texto, tem a presença física dos atores, a cenografia e os efeitos de iluminação, o cinema também dispõe dos recursos do teatro e da literatura e ainda de um recurso próprio, importantíssimo, que é a variação do ponto do espaço de onde são fotografadas as imagens exibidas na tela. Assim, toda cena de um filme é formada por muitos instantâneos vistos de diferentes perspectivas e denominados de planos. Chama-se variação do ângulo visual essa particularidade do cinema. Quando alguém vai ao teatro, a cena é vista do mesmo ângulo, o ângulo visual do lugar em que se está sentado. A variação do ângulo visual é, portanto, a base da linguagem e determina a sua especificidade.
O exemplo do espectador do teatro é ilustrativo: este, se quiser ter uma perspectiva diferente do palco, tem que mudar de lugar. No cinema, não, o espectador, ficando no mesmo assento, vê a cena de muitos modos diferentes, porque a câmera cinematográfica se encarrega de mudar de lugar - de ângulo - para ele. O que significa dizer: o espectador vê o filme por intermédio da câmera, vendo sempre aquilo que ela viu na rodagem do filme. Tudo o que se vê na tela - no enquadramento - é o que se chama de realidade profílmica: aquilo que se encontra no campo visual abarcado pela objetiva da câmera. Um cineasta, quando pretende fazer determinada tomada, escolhe um fragmento da realidade, recortando-o através do enquadramento, fixando uma parcela maior ou menor do campo visual. A parcela contida nos limites desse campo visual é o que se denomina quadro fílmico. No filme, o quadro fílmico é a área do fotograma. Na operação de filmagem, o campo da objetiva e, na projeção, a superfície da tela. Assim, conforme a câmera fique mais próxima ou mais distante - ou mais inclinada ou mais à direita - tem-se, no seu visor e, depois, na tela, diferentes aspectos ou enquadramentos da realidade profílmica. Nunca se vê, portanto, uma imagem do mesmo ângulo visual por mais de alguns segundos, pois a câmera sempre muda de lugar., selecionando e enquadrando diferentes parcelas da realidade profílmica. A mais simples das cenas é vista como uma articulação de diversos instantâneos, filmados de diversos ângulos e mostrando aspectos da realidade profílmica, instantâneos que são, precisamente, os planos, os quais possibilitam a extraordinária variedade de pontos de vista oferecida pelo cinema. A conquista da linguagem cinematográfica foi sendo feita aos poucos, ela não nasce com a invenção do cinema em 1895 pelos Irmãos Lumière. Se a projeção de filmes neste ano, em Paris, inaugura o registro das imagens em movimento, o que se descobre, no entanto, é uma técnica foto-reprodutora da realidade, mas a linguagem ainda não existe, desenvolvendo-se aos poucos até que o americano David Wark Griffith sistematiza, em 1914/15, os diversos elementos determinantes da especificidade fílmica em O Nascimento de uma Nação (The Birth of a Nation, 1914) e, também, com maior forca em Intolerância (Intolerance, 1916).
Para não cansar, outra pílula será dada na próxima quarta. Não se trata de Lexotan e o objetivo é didático, procurando, aquele que escreveu o texto, eu, ser claro e objetivo. Se conseguiu, está satisfeito. Não seria necessário dizer que a foto que ilustra o post é de Charles Chaplin.

24 junho 2007

De um cinema que morreu



É impressionante a quantidade de filmes importantes que estão sendo lançados em DVD, vindo a proporcionar, com isso, a oportunidade de se fazer uma verdadeira revisão dos grandes realizadores. A excelente definição da imagem já possibilita se apreciar o trabalho do iluminador, tornando a visão de um filme em disco bastante convincente e, mais importante, substituindo até a sua perda na tela grande. Com os ingressos na estratosfera, a dificuldade de locomoção, os pontos distantes, os ruídos dissonantes da platéia da sala exibidora, que impedem a plena contemplação, a fruição completa, de um filme, entre outros fatores negativos, o DVD está, a cada dia que passa, se firmando como uma nova opção para os amantes do bom cinema. Quem nasceu há mais de 40 anos, vê, no disquinho, uma revolução, pois, na sua época, nunca pensaria poder ter, home, os filmes de sua preferência, pois as imagens em movimento, em tempos não muito remotos, ficavam restritas ao escurinho do cinema e para se ter acesso a elas era preciso que se adentrasse pela sala de uma casa de espetáculos. O cinéfilo mais atento tem, agora, à sua disposição, filmografias completas de grandes autores em cópias remasterizadas e perfeitas, além do mais acompanhadas de extras que ajudam na compreensão do processo de criação artística de alguns cineastas. Quem poderia imaginar, há pouco tempo, ver, em casa, no aconchego do lar, toda a obra de um Federico Fellini, por exemplo? Ou a produção de Chaplin em cópias estalando de novas? Ficávamos, antigamente, ao sabor dos lançamentos e ao sabor das circunstâncias - se, no lançamento de determinado filme, o interessado cinéfilo houvesse de viajar, ou contraísse uma gripe forte, poderia perdê-lo para sempre. E, além do mais, o ir ao cinema, hoje, não é mais igual ao ir ao cinema de épocas pretéritas. A platéia de adolescentes - ou aborrecentes - dá a tônica e não há mais respeito pelo que se está a assistir, predominando a zuada que perturba a contemplação, com os insuportáveis apitos dos telefones celulares (para ser verdadeiro, tive vontade de ma
tar uma pessoa que estava numa sala escura a atender o celular como se fosse uma débil mental), as conversinhas ao pé do ouvido, e a comilança generalizada. Não queremos dizer, no entanto, que o DVD vá substituir o cinema, mas, não podemos fugir da realidade, o disco digital está diminuindo em muito a freqüência às salas exibidoras, deixando estas para os gritos dos vândalos que, nos fins de semana, tomam conta das casas de espetáculos como uma decorrência natural do shoppear. E mesmo que o cinéfilo tenha, em sua residência, um verdadeiro home theater, a imagem na tela grande sempre é insubstituível no impacto que vem a causar, entre outras determinantes, pela própria condição de assistente, membro de uma platéia, o que determina uma comunhão no ato de ver o filme. Mas o vandalismo contemporâneo, por outro lado, está vindo a desestimular e a desfazer esta congregação platéia-filme, deixando ao cinéfilo a solidão, a aporrinhação e a consumição. É verdade que já desde meados do decurso dos anos 80, o videocassete já estava a proporcionar a visão de filmes nos lares. Mas, assim que apareceu, a qualidade das fitas magnéticas deixava muito a desejar e não ameaçava de modo nenhum a ida do cinéfilo ao cinema. No advento do vídeo no Brasil, as fitas eram deficientes, as cores dançavam em cima das pessoas e dos objetos, verdadeiros borrões, que impediam a contemplação fílmica, considerando que um filme não se restringe apenas à sua história, mas é um conjunto harmônico que reúne a manipulação dos elementos da linguagem cinematográfica, fotografia, etc. E nunca em fita magnética vimos tantos filmes distribuídos com o rigor dos que estão sendo lançados em pacotes em DVD - pacote de Pasolini, de Fellini, de Rossellini, de Antonioni, de Hitchcock, e por aí vai.
Lembro-me que, nos anos 60, estando no Rio de Janeiro, naquela época uma verdadeira Cidade Maravilhosa, li, por acaso, no roteiro do Caderno B do Jornal do Brasil, que Ladrões de bicicleta, de Vittorio De Sica, clássico do neo-realismo italiano, estava programado em sessão única na Cinemateca do Museu de Arte Moderna, às 16 horas. Mal chegado ainda à cidade, fui ver esta obra-prima, que nunca tinha visto, mas lido muito sobre ela, e, finda a sessão, uma chuva torrencial, tempestade mesmo, se abateu sobre o Rio, deixando tudo engarrafado. Sem poder tomar táxi, que não aparecia devido à chuva, voltei andando debaixo do toró do Flamengo até Laranjeiras, onde estava hospedado. Dia seguinte, febre alta, e ameaça de brutal pneumonia. Mas estava satisfeito. Tinha visto Ladrões de bicicleta. O que conto acima seria impossível de acontecer nos dias atuais. Tenho, por exemplo, o filme em vídeo, que fica quase aposentado numa prateleira. O fato narrado é de um tempo em que as imagens em movimento se restringiam às salas de cinema. Para não falar nas possibilidades contemplativas das televisões por assinatura e, agora, até a realidade concreta de se baixar tudo que se quiser pela internet.

19 junho 2007

Filme baiano na Itália



Samba Riachão, de Jorge Alfredo, filme baianíssimo, faz parte do I Festival do Cinema Brasileiro na Itália, como se pode ver no cartaz deste post (caso esteja pequeno dê um clique nele que se amplia em outra janela). Entre outros, além do já citado, O prisioneiro da grade de ferro, excelente documentário de Jorge Sacramento, e Árido Movie, de Lírio Ferreira, um dos mais destacados representantes do vigoroso cinema pernambucano ao lado de Cláudio Assis (O baixio das bestas, que está programado para passar no III Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual, que vai ser realizado, aqui mesmo, neste terra, no Teatro Castro Alves, entre os dias 9 e 14 de julho - depois darei maiores informações, mas, desde já, quem as quiser logo, vá direto ao site do seminário: http://www.seminariodecinema.ufba.br/

O documentário de Jorge Alfredo é sobre a figura imensa do compositor Riachão ("Cada macaco em seu galho", entre tantas!) e, se não há engano na memória, recebeu, ex-aequeo com Lavoura arcaica, o prêmio de melhor filme do Festival de Brasília. Não sei se tem em DVD. Tem Jorge Alfredo?

18 junho 2007

Dr. Sobral Pinto – um documentário-depoimento



Tuna Espinheira, cineasta baiano, que realizou recentemente Cascalho, longa baseado no livro homônimo de Herberto Salles, enviou-me um texto sobre o seu premiado documentário sobre Dr. Sobral Pinto, avisando-me que o filme passa dia 4 de julho, na Sala Walter da Silveira, às 20 horas, dentro do projeto vitorioso das Quartas Baianas. O documentário de Tuna é uma raridade e um depoimento precioso acerca do inesquecível advogado. Abaixo o seu texto:
"Lembro-me ainda na verde infância, de ouvir citado o nome de Sobral Pinto, vezes sem conta, quando meu pai relatava suas façanhas desassombradas, principalmente nas defesas antológicas e exemplares de Luis Carlos Prestes e Harry Berger.
Na metade dos anos setenta, morando no Rio, surgiu-me, com a maior naturalidade, a idéia de documentar, em imagem em movimento, o mito pretérito. Com a parceria e cumplicidade de Nelson Pereira dos Santos, foi armada uma produção. Ato contínuo, convocamos o ensaísta-crítico, Alceu Amoroso Lima, os advogados, Heleno Fragoso, Raimundo Faoro e o historiador Hélio Silva, para, através dos seus depoimentos, adquirir a ajuda necessária para traçar o perfil do nosso personagem.
O filme ia de vento em popa, a meio caminho, de repente,empacou. Faltava o motivo motor. O personagem central, o verdadeiro leit-motiv, astuciava pretextos para fugir à câmera. Momentos de suspense e desespero. Mais tarde ficaríamos sabendo que falou mais alto a sedimentada formação de homem sóbrio, simples, do Dr. Sobral. Para ele, parecia uma espécie de exagero, um exercício das vaidades, ser retratado no cinema. Passado o susto, de volta à terra firme, até o final dos trabalhos, a convivência foi rica, prazerosa, enriquecedora. Revelara-se um colaborador surpreendente, afável, solicito.
Dr. Sobral era um conservador ferrenho, vestia-se de preto, calça, paletó, chapéu idem, com sol ou chuva, sempre um guarda –chuva à mão. Católico praticante, torcia o nariz para Teologia da Libertação. O movimento feminista era um modismo que desvirtuava a função natural das mulheres. Por aí afora...
As pinceladas acima qualificariam o nosso personagem como um chato de galocha, apenasmente antiquado. Mas, naquele mesmo corpo raquítico, sempre habitou um outro Sobral, o advogado de atitudes legendárias durante os famigerados anos da ditadura do Estado Novo, quando defendeu Luis Carlos Prestes e Harry Berger, para este último num momento em que as leis estavam cerceadas ao seu alcance, não hesitou em reclamar, para o seu cliente, massacrado pelas mais hediondas torturas, os benefícios do artigo 14 da Lei de Proteção dos Animais. Décadas mais tarde, durante a igualmente famigerada e infame ditadura iniciada em primeiro de abril de 64, Dr. Sobral seria novamente o destemido defensor dos presos políticos, sem jamais cobrar nem aceitar qualquer pagamento por suas defesas.

A figura do Dr. Sobral haveria de incomodar também em sua versão para o cinema. Eis que, a TV Educativa do Rio de Janeiro, seguindo a intolerância vigente, naqueles anos de chumbo, por decisão do seu Diretor, Gilson Amado, achou por bem proibir a veiculação do filme no programa “Coisas Nossas”, de responsabilidade da Embrafilme, com a infeliz alegação de que o documentário trazia mensagens comunistas, isto porque discorria sobre o caso Prestes. Os jornais da época polemizaram a questão. O Cineasta e critico David Neves publicou, na ocasião, um contundente artigo contra o obscurantismo de Gilson Amado. Naqueles tempos, o dito ficava pelo dito. O filme permaneceu censurado. Noticia alvissareira, só mais tarde, em 1979, quando o nosso trabalho ganhou o Grande Prêmio no VI Festival Brasileiro de Custa-metragem – Jornal do Brasil/Shell."

17 junho 2007

Justiça se faça a Anselmo Duarte



Anselmo Duarte, realizador de O pagador de promessas, único filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro no Festival de Cannes, em 1962, por não pertencer ao grupo do Cinema Novo, e, também, pela sua ficha profissional na Vera Cruz, foi um grande injustiçado e vítima de ataques que somente poderiam ser justificados pela inveja. Esta é terrível e destruidora nos meios artísticos – e também em outros setores por fazer parte da condição humana – e, tal qual um instrumento perfurador, atinge sobremaneira o invejado. No cinema, em particular, existem os grupos, que, aparentemente diplomáticos, são fechados e rancorosos. Quem não faz parte de um deles, e não reza pela mesma cartilha, vive o descaso, a marginalidade, caso não tenha forças para se amparar numa guarda que o proteja. A injustiça que alcançou Anselmo Duarte chegou a ser perversa, pois o desanimou a continuar uma carreira que tinha tudo para se tornar um sucesso – mas, malgré tout, continuou a fazer filmes. Muitos dos cineastas, no entanto, que hoje pontificam nas sinecuras governamentais, cujos nomes não vale a pena da citação, nunca lhe perdoaram por ter feito O pagador de promessas.

Os cineastas se digladiam por questões diversas, filiando-se, uns, a correntes ideológicas, outros a posturas estéticas, entre outras razões. Anselmo Duarte, por sempre ter uma postura individual, avesso a grupinhos, sofreu na pele a sua independência. Ator de sucesso nos anos 50, quando galã, das chanchadas da Atlântida, fechava o trânsito, com sua passagem, em Copacabana, tendo, inclusive, sua camisa toda rasgada por fãs eletrizados. Desde que se iniciou no cinema, seu projeto era o da realização. Ficou intérprete por causa de seu porte e da sobrevivência no meio cinematográfico, mas logo que arranjou uma oportunidade realizou um dos mais bem sucedidos filmes brasileiros de todos os tempos em pleno apogeu da chanchada: Absolutamente certo, comédia de costumes narrada com engenho e arte, com o próprio Anselmo no papel principal, acompanhado de Dercy Gonçalves, Odete Lara, entre outros. O dínamo narrativo de Absolutamente certo
é surpreendente, Duarte soube sentir os dramas da classe média paulistana e seu filme, sobre ser uma comédia bastante agradável de ver, é, também, um retrato dessa classe numa São Paulo cuja vivência em certos bairros ainda era muito provinciana (e o registro traz saudade daquela paz, daquela tranquilidade).

Os rabugentos de plantão criticaram
Absolutamente Certo, que foi um êxito fabuloso de público, chegando a ser lançado em nada menos de 20 salas em SP. Disseram que o filme era uma chanchada disfarçada. Mas o tempo, implacável, juiz supremo, é, realmente, o melhor crítico, pois Absolutamente certo, visto nos dias de hoje, se revela um filme dinâmico e nada envelhecido, além da saborosa visão de uma época, de uma São Paulo romântica e tranqüila. Aliás, já em 1963, Glauber Rocha, no seu polêmico Revisão crítica do cinema brasileiro
, elogia o filme de Anselmo Duarte, considerando-o uma obra à parte na avalanche chanchadística do período.

Veredas da salvação, obra pretensiosa, que realizou após o sucesso mundial de O pagador de promessas
, este comentarista viu há décadas e tem dele, apenas, imagens fugidias. Mas foi atacadíssimo pela crítica invejosa e rancorosa e, ao que parece, ainda que certa pretensão, é uma película com um rigor artesanal acima da média e, isso deve ser dito, muita elogiada no exterior.

Não se quer fazer aqui a trajetória de Anselmo como diretor, mas destacar a sua lamentável marginalização. Duarte, sem medo de errar, está incluso entre os dez maiores diretores do cinema brasileiro de todos os tempos. Recebeu em 2002 um prêmio especial numa festa do cinema brasileiro, entregue, por ironia do destino, por um cinemanovista que o criticava: Walter Lima Junior. Hoje, envelhecido, mas forte, recolheu-se à sua cidade natal, Salto, no interior paulista.