The Wolf of Wall Street
Comentário crítico do Professor Jorge Moreira sobre o último filme de Scorsese.
Atualmente,
me parece que existem poucas dúvidas que o cineasta Martin Scorcese é um dos
grandes conhecedores do universo cinematográfico estadounidense, isto é, de um conjunto de elementos, instrumentos, e técnicas que são fundamentais para a produção
e realização fílmica nos EUA. Desde esta perspectiva, o filme The Wolf of Wall Street, é mais uma prova da grande capacidade e habilidade de Scorcese para dirigir filmes de
sucesso dentro da grandiosa escala ampliada de produção da industria cultural e
do entretenimento do capitalismo estadunidense.
Um dos
âmbitos onde se pode observar essas qualidades
está na elaboração dos elementos da forma fílmica do filme The Wolf of Wall Street. Como ilustração
desta capacidade podemos mostrar dois elementos da forma fílmica que são
sabiamente explorados por Scorcese neste filme: 1) o uso destacado do comentário
voice-over do protagonista Jordan
Belford (algumas vezes Jordan até aborda
a própria câmera de cinema narrando diretamente suas façanhas na
construção de uma companhia de investimento corrupta e voraz) funciona
eloquentemente para destacar o abuso de poder (sem limites) e a arrogância
(extrema) do capitalista Belford que o personagem representa; 2) o ritmo
frenético do filme trata de duplicar a estonteante velocidade da circulação
do dinheiro e do capital via especulações e apropriações indevidas, dentro do
mercado de capitais e do sector financeiro dos EUA.
A
história do protagonista Belford (adaptada do livro autobiográfico de Jordan
Belford) evoca a forma da novela picaresca espanhola, um género literário
da maior importância na história da literatura ocidental, pois tem funcionado
para expressar, entre muitas outras coisas, a luta de indivíduos das classes
subalternas para medrar nas sociedades
divididas hierarquicamente em diferentes classes sociais.
O filme contem um conjunto de características
que pode-se associar ao género comédia
grotesca, do qual procura obter a
risada superficial e fácil de espectador
pouco exigente. Mas se analisarmos o filme de Scorcese desde a
perspectiva de uma ideologia contra
hegemónica, muito dessa alegria de primeira impressão se desmancharia
porque, entre outras coisas, também é
possível observar que o filme de Scorcese celebra, gratuitamente, a
honestidade duvidosa e muito questionada
pela sociedade, do U.S. Federal Bureau
of Investigation (FBI).
Fundada e
dirigida pelo poderoso Edgard Hoover (considerado hoje como um dos mais
corruptos ex-funcionários dos EUA), a representação do FBI como o espaço do
exercício da eficiência, da honradez, da honestidade e da justiça é
simplesmente ridícula. Para os que estão
bem informados sobre a história das instituições ligadas à Secretaria de Justiça
dos EUA, nada poderia provocar (contra a
apologia de Scorcese) mais risadas. Sem ir muito longe, poderíamos perguntar a
Scorcese, quais são (foram) os
resultados das investigações do FBI
sobre os escandalosos assassinatos de John F. Kennedy, do seu irmão
Robert Kennedy, de Martin Luther King Jr., de Malcom X, por exemplo.
Mas o objetivo de Scorcese de criar um estilo e
tonalidade de comédia grotesca no filme é parcialmente frustrado, na minha
opinião, pelas cenas de violência explicita cometidas por Jordan Bedford e
associados contra os subalternos: 1) contra o empregado homossexual que é
acusado de roubar 20.000 dólares da casa do patrão; 2) contra a segunda esposa
de Belford, quando este trata de raptar a filha para tirar vantagens do jogo destrutivo de poder entre ele e a
esposa no negócio (business) do divórcio
entre eles. No geral, o filme
mostra, direta ou indiretamente, a crueldade e a violência psicológica dos
dominadores contra todos os subalternos.
Mesmo que
Scorcese trate de amortizar a violência do protagonista contra a mulher e o homossexual (coisa difícil para um
diretor viciado em ganhar muito dinheiro com a frequente exibição da violência
dos seus filmes), o espectador ainda poderá deduzir que o uso da violência
explicita pelo protagonista contra estes dois tipos de subalternos, não pode
ter sido um fato ocasional ou casual. Muito pelo contrário, o espectador poderá
deduzir que a violência implícita e explícita do personagem é uma das vias
“normais” para a acumulação e concentração do capital pelo capitalista estadounidense,
ou seja, é uma das vias preferidas para
centralizar a riqueza humana nas
mãos dessa minoria exploradora e absolutamente inescrupulosa.
Se
comparo o filme The Wolf of Wall Street
com o documentário Inside Job,
poderia afirmar que depois de assistir Inside
Job e constatar (mesmo reconhecendo limitações ideológicas deste documentário)
o papel obsceno e destrutivo das
autoridades do governo e dos representantes do capital financeiro nos
EUA, eu não teria a menor necessidade de
assistir The Wolf of Wall Street, pois o filme de Martin Scorcese não
acrescenta ou ensina nada de significativo sobre o tema da apropriação indevida
do dinheiro dos investidores pelos lobos de Wall Street.
Assim, o
filme The Wolf of Wall Street poderia
ser identificado como mais uma narrativa de Scorcese para monumentalizar um
bando de indivíduos sociopatas, psicopatas, mafiosos e criminosos que tem
assegurado a riqueza, o sucesso e a glória
pela utilização da voracidade e violência animalesca do dominador, do egoísmo
sem limite do explorador e do individualismo feroz do opressor. Mas o filme de
Scorcese também poderia ser identificado
como mais uma impotente narrativa
incapacitada para denunciar o sistema capitalista, como o maior responsável
pela produção destes monstros funcionais na reprodução da nossa atual
sociedade. E uma das evidèncias dessa impotência do filme é a sua incapacidade
de apresentar sequências de cenas (nem
sequer uma sequència em todo o filme) mostrando o resultado destrutivo das
ações de tipos como Jordan sobre as vítimas deste sistema baseado nesta
gigantesca apropriação fraudulenta. Assim, o filme, fica reduzido a exibir
exclusivamente um dos polos da luta social, escondendo, anti-dialeticamente, a situação
do polo oprimido da luta de classes dentro do capitalismo.
O
poder político de indivíduos como Jordan Belford e o poder de sua psicologia
individualista sobre a sociedade somente poderiam ser denunciados se o filme também
mostrasse o ponto de vista das vítimas dessas operações ilegais que são
premiadas pelo capitalismo. Assim, o filme de Scorcese é incapaz não somente de mostrar o ponto de vista das vítimas que foram prejudicadas diretamente
pela ações de Jordan Belford e seus associados como também é incapaz de mostrar
o gigantesco prejuízo que eles causam direta e indiretamente a milhões e
milhões de trabalhadores desempregados, explorados e oprimidos pelo sistema
capitalista nos EUA.
Em sínteses,
me parece necesseario afirmar que acabo cansado e aborrecido de assistir a esse
tipo de filmes. Eles apresentam e narram o sucesso de indivíduos inescrupulosos
(verdadeiras excrescências sociais) mas não se preocupam em denunciar o tipo de
sistema económico-social que produzem e promovem estes tipos de excrescências a
mais alta posição hierárquica dentro da sociedade capitalista. Em poucas
palavras, o filme The Wolf of Wall Street
apresenta a psicologia individual como base explicativa para a absurda atuação
desses indivíduos na sociedade, mas é incapaz de apresentar os fatores sociais,
econômicos e políticos que explicariam porque estes personagens são produtos bem sucedidos do sistema
capitalista.
Assim a
ausência, no filme de Scorcese, de cenas mostrando o funcionamento de um
sistema social fundado na propriedade privada dos meios de produção e de vida (cujo
objetivo e móvel fundamental é produzir lucros, juros, dinheiro e riqueza para
esta classe de proprietários) impede que o espectador compreenda que é devido a
lógica do sistema capitalista que determina e demanda a existência e
funcionamento bem sucedido desta classe de indivíduos nos EUA. Somente através
da falta de denuncia do sistema socioeconómico capitalista (fundado na divisão
de classes sociais e na exploração, opressão e exclusão da maioria dos seres
humanos da riqueza social), tipos inumanos como Jordan Belford (o protagonista
de filme) podem também ser bem sucedidos e glorificados num filme como The Wolf of Wall Street.
2 comentários:
Muito boa e politizada esta crítica do professor Jorge.
Professor Jorge,
O Martin não pode explicitar a alma do ganhador de dinheiro, porque ele também é um. Em sendo assim, eu não vi o filme e não gostei. Este mundo é um imenso elefante que tem dificuldades de levantar e de andar. É preciso cutuca-lo para que ele finalmente ande e alguma coisa aconteça. Você cutucou. Israel
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