Apesar
de já ter me referido, aqui, diversas vezes, não custa nada repetir que a
estética do videoclip incorporada à narrativa cinematográfica contemporânea,
principalmente aos produtos oriundos da indústria cultural de Hollywood,
destrói o prazer de ver um filme pela impossibilidade de contemplá-lo
devidamente. Para acompanhar a "velocidade" das mentes internéticas,
a indústria descobriu que a melhor fórmula de envolver o espectador que não
pensa e é apático é aquela baseada nos cortes incessantes e nas tomadas bem
rápidas.
Até
mesmo filmes razoáveis e bons estão estruturados nesta estética, que já foi denominada de estética da
tesourinha. Poucos os realizadores que possuem o conceito de
duração das tomadas com a exatidão e o ritmo desejados pelo grande cinema. Para
ficar num exemplo: Stanley Kubrick possuía um sentido exato da durée do plano. O conceito bem aplicado faz com que o espectador se
envolva no espetáculo, a se tornar, dele, cúmplice. O que não é possível no
cinema "montanha-russa" dos tempos atuais.
O
público adolescente e aborrecente, que é o alvo da indústria, não
pensa, não contempla, e faz da ida ao cinema uma das fases do shoppear. O filme é o que menos conta para a platéia de
adolescentes que lotam as salas dos complexos aos sábados. Os espectadores
atendem aos celulares e conversam o tempo todo, riem fora de hora, põem os pés
(as patas) nas cadeiras dianteiras, quando não infernizam quem está na frente
com "toques" infernais, e há, atualmente, uma tendência a se falar
constantemente não somente ao telefone (que virou uma praga) como também com o
amigo(a) ao lado. Sem falar, é claro, na comilança desenfreada (bacias e não
mais saquinhos de pipocas, cheerburgueres, guloseimas gerais).
A
conclusão a que se pode chegar é que o filme "montanha-russa" é
reflexo da mentalidade da platéia, pois a indústria somente se interessa pelo
lucro e, portanto, oferece apenas o que público solicita. E as pessoas que vão
hoje ao cinema não se interessam em espetáculos engenhosos e inteligentes.
Basta que possuam ação, tensão, efeitos especiais mirabolantes. A ausência do
humanismo nos filmes contemporâneos é flagrante. Os personagens não possuem
aquele tão necessário poder de verdade, de convencimento, mas são apenas e
somente marionetes condutoras da ação proposta, títeres robóticos de um cinema
sem alma.
Por
outro lado, nesta crise da cultura contemporânea, há a tendência de se diluir
autores importantes e viscerais, a exemplo do genial Nelson Rodrigues. Como bem
observou a ensaísta de cinema Andrea Ormond em seu blog Estranho
encontro, ao fazer uma análise das adaptações cinematográficas do grande
dramaturgo, a tendência de diluir é uma constante nestes tempos contemporâneos
numa espécie assim de imitação da arte.
A
onda politicamente correta que assola e destrói a liberdade e a criatividade é
outro fator que ajuda muito a crise cultural. Havia uma atitude visceral que
agora se edulcora. Não existem mais autores de visceralidade sedutora como Pier
Paolo Pasolini (principalmente no escatológico "Saló", seu canto de
cisne), Marco Ferreri ("A comilança"), entre muitos outros que
vingaram no pretérito. Uma tendência dessa diluição crítica pode ser encontrada
como exemplo em "Beleza americana", de Sam Mendes, uma visão
aparentemente crítica, porém dentro de uma vontade de edulcorar que sufoca o
que se pretende ser visceral.
Apesar
da salgalhada desse artigo, há elos comunicantes entre os assuntos abordados,
que refletem bem o fundo do poço a que se chegou no que teimam em chamar
pretensiosamente de contemporaneidade: o comportamento selvagem da platéia das
salas exibidoras, a apatia diante da arte, a ausência de humanismo nos filmes e
na vida, a diluição de temáticas fortes e de autores viscerais em função de uma
apreciação dentro de moldes à la "delicatessen", a transformação do
"transitar na urbis" em shoppings centers com seus imensos fasts
foods.
E
as assim chamadas “salas de arte” não se encontram livres da agitação. Aqueles
que as freqüentam fazem-no mais por festividade, para aparecer, do que,
propriamente, pelo amor ao cinema. A diluição, a falta de base referencial, a
completa ausência da cultura literária, e a proliferação dos “monossílabos” nos
sites da internet, bem que são sintomáticos de ma crise cultural sem
precedentes. O paradoxal em tudo isso se encontra na possibilidade
extraordinária de se obter informações como nunca se viu antes no “quartel de
Abrantes”.
O
que reina é o império do audiovisual. A facilitação da expressão através das
imagens em movimento se, por um lado, democratizou o acesso às câmeras
digitais, por outro, determinou uma enxurrada de inexpressividades, como se
pode observar nas dezenas de eventos que acolhem os pequenos filmes realizados
pelo digital. Antes, o acesso à expressão cinematográfica era muito difícil.
Havia a bitola 16mm, mas os custos, altos, não permitiam que qualquer um
pudesse manipular a câmera, que exigia um mínimo de conhecimento técnico.
Filma-se
hoje como antigamente se fazia poesias. Se, antes, as pessoas, que queriam se
expressar, faziam-no pelos versos, e, quando publicados em suplementos
literários ou revistas, sentiam-se revigorados, atualmente é o filme o móvel
expressivo da nova geração. Bom que assim seja, mas o tempo, sempre implacável,
se encarregará de reter o que presta e devolver, à lixeira do esquecimento, as
tolices feitas.
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