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15 janeiro 2014

"Cinzas e diamantes", de Andrezej Wajda

Há os chamados filmes-influências, ou seja, aqueles filmes que contribuíram para a formação cinematográfica de uma determinada pessoa num determinado estágio de sua vida, geralmente identificado entre a adolescência e a juventude. Um desses filmes para a minha trajetória de amante cinematográfico foi, sem dúvida, Cinzas e diamantes (Popiol i diament, 1958), do realizador polonês Andrezej Wajda, que, por sinal, completa, no ano em curso, seus 50 anos.

Se, atualmente, o cinema polonês está em baixa, nos anos 50 e 60 era uma referência para todos que se diziam cinéfilos, e cinéfilos enragés, como era moda, na época, nos meios mais intelectualizados, artísticos e universitários. Lembro-me de um livro de capa roxa sobre esta cinematografia que era ostentado pelos ditos cinéfilos, e que o adquiri, tempos depois, em sebo, mas, emprestado, perdeu-se para sempre (nunca se deve emprestar livros, salvo se o móvel do elemento volitivo seja o de perdê-los).

O cinema polonês tomou impulso e se projetou internacionalmente logo após a desestalinização, o que permitiu aos artistas poloneses uma mais livre respiração de seus sentidos e um vôo na imaginação já que livres da camisa-de-força da Era Stálin. Realizadores vão se destacar no cenário: Wajda, o principal, Jerzy Kawalerowicz no intrigante Madre Joana dos Anjos (1961) – a possessão de freiras num convento como ritus e como metáfora; Andrezej Munk, que, morto prematuramente em acidente, deixou uma obra-prima inacabada, A passageira (1964); Wojcleck  Has, autor do insólito O manuscrito de Saragoça (1965), entre outros. Houve também, na Tchecolosváquia, um boom semelhante. Quem, com mais de 30 anos, não se lembra de Um dia, um gato, de Vojtech Jasny ou Trens estritamente vigiados, de Jiri Menzel, ou, ainda, Os amores de uma loura e O baile dos bombeiros, ambos de Milos Forman (sim, o cineasta de Um estranho no ninho se revelou na sua Praga)?

Sobre ser grandes criadores os realizadores citados, foi Andrezej Wajda, no entanto, quem projetou o nome da cinematografia polonesa no cenário mundial com sua famosa trilogia: Geração (1954), Kanal (1957), e Cinzas e diamantes (1958), aos quais se seguiriam Lotna (1959), Paisagem após a batalha (1971), até o generoso díptico O homem de mármore (1976) e O homem de ferro (1981), entre outras obras de reconhecido valor cinematográfico, a exemplo de Sem anestesia (1978) e Danton, o processo de uma revolução (1983), Um amor na Alemanha, entre, evidentemente, diversos filmes variados. Ferrenho crítico do stalinismo, nunca admitiu as coordenadas do realismo socialista e realizou uma análise contundente de sua Polônia nos anos 70 no díptico citado.

Os melhores cineastas poloneses se formaram na Escola de Lodz, centro de excelência que fez surgir grandes realizadores, entre os quais Roman Polanski, que aprendeu a fazer filmes ainda na Polônia, que lhe forneceu os instrumentais necessários para o polimento de seu imenso talento (os curtas Três homens e um armário e O gordo e o magro, além do primeiro longa, A faca na água, são exemplares nesse sentido).

Em Geração, Andrezej Wajda, através de um jovem que, por estar apaixonado por uma mulher, se torna, a pedido dela, membro ativo da Resistência, o cineasta alia uma bela história romântica a um severo olhar sobre as contradições da Resistência polonesa. Neste filme, pode-se ver, em uma ponta, o ainda imberbe Polanski.

Geração, começo de uma trilogia, ainda que um bom filme, precisaria, para a constituição do painel, de Kanal e de Cinzas e diamantes, esta última a obra-prima de Wajda. Em Kanal, cuja ação se localiza também durante a guerra, o que se vê é uma descida ao inferno por meio da luta efetuada nos subterrâneos da cidade, com os personagens perdidos nos esgotos, nos canais nos quais são despejados os dejetos dos habitantes.

Em Cinzas e diamantes (que possui cópia em DVD distribuída pela pernambucana Aurora), a ação se transcorre no ambiente de greves e amarga perplexidade da Polônia no final da Segunda Guerra Mundial. No meio de tudo isso, um jovem, Macieck (interpretado por Zbybniew Cybulski, um grande ator que veio a ser considerado o James Dean polonês, mas que morreu no auge da glória), tem seu desejo de viver e amar destruído pela ordem de matar um grande chefe comunista. Incapaz de compreender os conflitos, tenta, em vão, subtrair-se à tarefa, mas não consegue e acaba por cumprir a missão recebida. No fim, Macieck abre os braços para amparar o homem que acaba de matar, e ambos se abraçam num gesto que parece simbolizar sua humanidade comum. Executado o contrato, enquanto os políticos locais se embebedam, Macieck foge dessa orgia, mas é morto por uma patrulha, e, antes de morrer, se envolve num lençol branco que se tinge de vermelho, para cair, em seguida, num monte de lixo.

A dança, durante a orgia, é premonitória e dá um sentido de forte desesperança, que faz lembrar, guardadas as diferenças, a dança derradeira de La dolce vita, de Federico Fellini. O final de Popiol i diamante deixou todos aqueles que o viram na década de 60, como disse um crítico na ocasião, com um gosto de cinza na boca.

O ensaísta francês Claude Beylie considera Andrezej Wajda um apologista dos dissidentes, dos rebeldes sem causa, dos vencidos da História, porque ele tem a arte de exprimir em imagens cativantes a imaturidade e agonia deles. Sobre Cinzas e diamantes disse ser um filme característico das contradições fecundas que impulsionam sua arte. De um lado, a consciência da necessidade de um engajamento, e, do outro, a desconfiança para com as palavras de ordem, de onde quer que venham. Seu herói (magistralmente interpretado por Zbybniew Cybulski) encarna, de maneira exemplar, esse duplo postulado.


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