Há os chamados filmes-influências, ou seja, aqueles filmes que contribuíram para a
formação cinematográfica de uma determinada pessoa num determinado estágio de
sua vida, geralmente identificado entre a adolescência e a juventude. Um desses
filmes para a minha trajetória de amante cinematográfico foi, sem dúvida, Cinzas e diamantes (Popiol i diament,
1958), do realizador polonês Andrezej Wajda, que, por sinal, completa, no ano
em curso, seus 50 anos.
Se, atualmente, o cinema polonês está em
baixa, nos anos 50 e 60 era uma referência para todos que se diziam cinéfilos,
e cinéfilos enragés, como era moda,
na época, nos meios mais intelectualizados, artísticos e universitários.
Lembro-me de um livro de capa roxa sobre esta cinematografia que era ostentado
pelos ditos cinéfilos, e que o adquiri, tempos depois, em sebo, mas,
emprestado, perdeu-se para sempre (nunca se deve emprestar livros, salvo se o
móvel do elemento volitivo seja o de perdê-los).
O cinema polonês tomou impulso e se
projetou internacionalmente logo após a desestalinização, o que permitiu aos
artistas poloneses uma mais livre respiração de seus sentidos e um vôo na
imaginação já que livres da camisa-de-força da Era Stálin. Realizadores vão se
destacar no cenário: Wajda, o principal, Jerzy Kawalerowicz no intrigante Madre Joana dos Anjos (1961) – a
possessão de freiras num convento como ritus
e como metáfora; Andrezej Munk, que, morto prematuramente em acidente, deixou
uma obra-prima inacabada, A passageira
(1964); Wojcleck Has, autor do insólito O manuscrito de Saragoça (1965),
entre outros. Houve também, na Tchecolosváquia, um boom semelhante. Quem, com mais de 30 anos, não se lembra de Um dia, um gato, de Vojtech Jasny ou Trens estritamente vigiados, de Jiri
Menzel, ou, ainda, Os amores de uma loura
e O baile dos bombeiros, ambos de
Milos Forman (sim, o cineasta de Um
estranho no ninho se revelou na sua Praga)?
Sobre ser grandes criadores os
realizadores citados, foi Andrezej Wajda, no entanto, quem projetou o nome da
cinematografia polonesa no cenário mundial com sua famosa trilogia: Geração (1954), Kanal (1957), e Cinzas e
diamantes (1958), aos quais se seguiriam Lotna (1959), Paisagem após a
batalha (1971), até o generoso díptico O
homem de mármore (1976) e O homem de
ferro (1981), entre outras obras de reconhecido valor cinematográfico, a
exemplo de Sem anestesia (1978) e Danton, o processo de uma revolução
(1983), Um amor na Alemanha, entre,
evidentemente, diversos filmes variados. Ferrenho crítico do stalinismo, nunca
admitiu as coordenadas do realismo socialista e realizou uma análise
contundente de sua Polônia nos anos 70 no díptico citado.
Os melhores cineastas poloneses se
formaram na Escola de Lodz, centro de excelência que fez surgir grandes
realizadores, entre os quais Roman Polanski, que aprendeu a fazer filmes ainda
na Polônia, que lhe forneceu os instrumentais necessários para o polimento de
seu imenso talento (os curtas Três homens
e um armário e O gordo e o magro,
além do primeiro longa, A faca na água,
são exemplares nesse sentido).
Em Geração,
Andrezej Wajda, através de um jovem que, por estar apaixonado por uma mulher,
se torna, a pedido dela, membro ativo da Resistência, o cineasta alia uma bela
história romântica a um severo olhar sobre as contradições da Resistência
polonesa. Neste filme, pode-se ver, em uma ponta, o ainda imberbe Polanski.
Geração, começo de uma trilogia, ainda que um bom
filme, precisaria, para a constituição do painel, de Kanal e de Cinzas e diamantes,
esta última a obra-prima de Wajda. Em Kanal,
cuja ação se localiza também durante a guerra, o que se vê é uma descida ao
inferno por meio da luta efetuada nos subterrâneos da cidade, com os
personagens perdidos nos esgotos, nos canais nos quais são despejados os
dejetos dos habitantes.
Em Cinzas
e diamantes (que possui cópia em DVD distribuída pela pernambucana Aurora),
a ação se transcorre no ambiente de greves e amarga perplexidade da Polônia no
final da Segunda Guerra Mundial. No meio de tudo isso, um jovem, Macieck
(interpretado por Zbybniew Cybulski, um grande ator que veio a ser considerado
o James Dean polonês, mas que morreu no auge da glória), tem seu desejo de
viver e amar destruído pela ordem de matar um grande chefe comunista. Incapaz
de compreender os conflitos, tenta, em vão, subtrair-se à tarefa, mas não
consegue e acaba por cumprir a missão recebida. No fim, Macieck abre os braços
para amparar o homem que acaba de matar, e ambos se abraçam num gesto que
parece simbolizar sua humanidade comum. Executado o contrato, enquanto os
políticos locais se embebedam, Macieck foge dessa orgia, mas é morto por uma
patrulha, e, antes de morrer, se envolve num lençol branco que se tinge de
vermelho, para cair, em seguida, num monte de lixo.
A dança, durante a orgia, é premonitória e
dá um sentido de forte desesperança, que faz lembrar, guardadas as diferenças,
a dança derradeira de La dolce vita,
de Federico Fellini. O final de Popiol i
diamante deixou todos aqueles que o viram na década de 60, como disse um
crítico na ocasião, com um gosto de cinza na boca.
O ensaísta francês Claude Beylie considera
Andrezej Wajda um apologista dos dissidentes, dos rebeldes sem causa, dos
vencidos da História, porque ele tem a arte de exprimir em imagens cativantes a
imaturidade e agonia deles. Sobre Cinzas
e diamantes disse ser um filme característico das contradições fecundas que
impulsionam sua arte. De um lado, a consciência da necessidade de um
engajamento, e, do outro, a desconfiança para com as palavras de ordem, de onde
quer que venham. Seu herói (magistralmente interpretado por Zbybniew Cybulski)
encarna, de maneira exemplar, esse duplo postulado.
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