Quem, se cinéfilo for, não se lembra dos desenhos animados das aberturas da
série A pantera cor-de-rosa (The pink panther), com a partitura do maestro Henry
Mancini? Último grande comediógrafo do
cinema americano, com o desaparecimento de Edwards, a comédia requintada,
elegante, ou com as loucuras do Inspetor Clouseau, deixa de existir. A bem da
verdade, no entanto, há mais de 15 anos que Blake Edwards pendurou as chuteiras.
Em 2004, ganhou um Oscar honorário pelo conjunto de sua obra, e, ao receber, foi
ao palco conduzido por uma cadeira de rodas automática que andava em alta
velocidade - como fosse mais uma gag delirante de seus filmes. Era casado desde
novembro de 1969, há mais de trinta anos, portanto, com a excepcional atriz e
cantora Julie Andrews, que dispensa apresentação.
A pantera cor-de-rosa
tinha em Peter Sellers a sua mola propulsora a tal ponto que se poderia dizer
que ele era quase co-autor dos filmes. Sellers era inexcedível na pele do
desastrado Inspetor Clouseau. Insubstituível. Mas a indústria cultural
hollywoodiana ainda teve a coragem de fazer uma ou duas refilmagens de A pantera
cor-de-rosa, com Steve Martin (sim, é um bom comediante, mas não se pode
substituir Sellers no personagem). Pior ainda fez o próprio Blake Edwards que,
em seu último filme (melhor não o tivesse feito), nos anos 90, contratou o
italiano Roberto (A vida é bela) Benigni para O filho da pantera cor-de-rosa,
uma lástima em todos os sentidos.
Blake Edwards tem uma carreira
versátil, embora seja mais conhecido como comediógrafo. Mas, em sua extensa
filmografia, tem, além de comédias, thrillers (Peter Gunn, Escravas do
medo/Experiment in terror), aventuras burlescas em ritmo de cartoon (A corrida
do século/The great race), melodramas (As sementes do Tamarindo/The tamarindo
seed), dramas pungentes (Vício maldito/Days of the wine and roses), western (Os
dois indomáveis/Wild rovers, com William Holden e Ryan O'Neil), entre
outros.
Nasceu em Tulsa (Oklahoma), descendente de pessoas ligadas ao
teatro, foi colaborador de Richard Quine, príncipe da sofisticação e do
requinte, com o qual aprendeu a arte de introduzir a finesse nos seus filmes. O
ano de nascimento: 1922, mas somente começou a dirigir em 1955, já com 33 anos
(Bring your smile along 0 que, parece, é inédito no Brasil).
A extensão
de sua ficha filmográfica não permite que se coloque, aqui, todos os títulos.
Vejamos os mais interessantes e alguns inesquecíveis. Como Bonequinha de luxo
(Breakfast at Tiffany's, 1961), uma adaptação do livro de Truman Capote sobre
uma garota de programa novaiorquina que está prestes a se casar com um
milionário, mas que se apaixona por seu vizinho (George Peppard). Mas ele é um
escritor pobre e ela, fugindo a seus planos de enriquecer, apaixona-se e tem que
optar entre a riqueza e o amor. Ela é interpretada por Audrey Hepburn que, como
de hábito, dá um show de elegância e charme. Blake Edwards trata com muita
suavidade um tema amargo, pois, na verdade, a mulher é uma prostituta. Vi
Bonequinha de luxo no cine Excelsior, que ficava na Praça da Sé, quando as salas
exibidoras de primeira linha se concentram no centro histórico. Na saída,
lembro-me bem, caiu um temporal violento. Mas, isto, outra
história.
Considero o melhor filme de Blake Edwards Victor ou Victória?,
comédia musical de grande inteligência, dotada de um incrível senso de humor
para tratar da ambiguidade sexual (que faz lembrar, em outro tom, Quanto mais
quente melhor, de Billy Wilder). Julie Andrews é uma cantora desempregada que
conhece um cantor homossexual (o último papel do grande galã Robert Preston) e
ficam amigos. Os dois planejam então montar uma farsa na qual ele irá apresentar
Julie como um transformista, um conde húngaro. Mas as coisas se complicam quando
um gangster (interpretado por James Gardner) se apaixona por ela. Belíssimo
filme.
Um convidado bem trapalhão (The party, 1968) é uma comédia já
inscrita definitivamente na galeria das grandes obras do gênero. Sellers faz um
ator indiano desastrado que destrói uma filmagem e, de repente, é convidado, por
engano, para uma festa na mansão de um poderoso produtor hollywoodiano. O filme
se passa quase todo dentro da festa, e Sellers consegue provocar uma desordem
que acaba numa total bagunça, destruindo, com isso, o party.
O que escrevi aqui não chega a dar uma ideia da extensão da filmografia de Blake Edwards, que, sem dúvida, foi um dos grandes comediógrafos do cinema americano.
Um comentário:
Comédias como “Um convidado bem trapalhão”, “A Pantera Cor de Rosa” (se bem que, na minha modesta opinião, a série perdeu-se em sua continuidade), “Vitor/Vitória” e tantas outras – como você diz, são incontáveis – representam a fase de ouro do cinema, especialmente do cinema hollywoodiano, que hoje é um extrato de merda.
Muito bom lembrar este realizador inesquecível...
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