Annie Girardot e Alain Delon em Rocco e seus irmãos, de Luchino Visconti |
Vivia-se, nos anos de 1960, o auge do
cinema italiano, com gênios indiscutíveis que conseguiam abafar outros
criadores notáveis. A partir dos anos 80, no entanto, a cinematografia italiana
entrou num processo de franca decadência e, atualmente, excetuando-se três ou
quatro diretores (Tornatore, Bellochio - cujo Vencer/Vincere é quase uma obra-prima, Moretti...), pode-se dizer
que o cinema italiano morreu dominado pela indústria cultural hollywoodiana.
No Brasil, por exemplo, não existe mais
espaço para outras cinematografias que não a oriunda de Hollywood,
principalmente porque o mercado exibidor é controlado pelas multinacionais. O
que não acontecia décadas atrás, quando o mercado lançava películas francesas,
italianas, japonesas, espanholas etc. Havia distribuidoras importantes que se
dedicavam à importação de filmes europeus, a exemplo da famosa Art Films, que
proporcionou aos cinéfilos brasileiros a oportunidade de ver grandes obras da
cinematografia italiana. A Toho, entre outras, distribuía fitas nipônicas. A
Condor, por exemplo, também se especializava em distribuir filmes vindos da
Europa. Tudo isso hoje acabou. Um blocksbuster,
nos dias atuais, quando lançado, toma conta de todo o circuito com mais de 500
cópias.
Para os filmes franceses, a França Filmes
do Brasil e a Companhia Cinematográfica Franco-Brasileira. Quase todos os
filmes da Nouvelle Vague, por
exemplo, tiveram as suas estreias patrocinadas pelo canal distributivo da
França Filmes, que foi substituída pela Franco-Brasileira, e, alguns anos
depois, pela Gaumont.
Mas o cinema italiano não se restringia
apenas a Roberto Rossellini, Michelangelo Antonioni, Luchino Visconti, Federico
Fellini ou, mesmo Pier Paolo Pasolini. Havia uma cultura cinematográfica, por
assim dizer, na qual estavam em atividade excelentes realizadores como Mario
Monicelli (O incrível exército de Brancaleone, A grande guerra, Pobre e
milionários, Os companheiros...), Dino Risi (Aquele que sabe viver/Il sorpasso,
Vejo tudo nú, Férias à italiana...), Florestano Vancini (Enquanto durou o nosso
amor, O delito Matteoti...), Mauro Bolognini (O belo Antonio), Damiano
Damiani (O sicário, O batom, O dia da coruja...), Valerio Zurlini (Verão violento, A moça com a valise, Dois
destinos, A primeira noite de tranquilidade, O deserto dos tártaros...),
Bernardo Bertolucci (Prima della rivoluzione, O último tango em Paris, O
conformista...), Marco Ferreri (A comilança...), Sergio Leone (Era uma vez no Oeste, Quando explode a
vingança, Era uma vez na América...), Gillo Pontecorvo (A batalha de Argel,
Queimada...), Ettore Scola (Ciume à italiana, Casanova e a revolução...), os
importantíssimos irmãos Paolo e Vottorio Taviani (Pai patrão, Aconteceu na
Primavera, A noite de São Lourenço...), Mario Bava (A maldição do demônio,
Hércules no centro da terra...), Carlo Luzzani, Dario Argento (Terror na ópera,
Giallo...), Steno (das comédias com Totó), Luciano Salce (Casei contigo por
divertimento...), Francesco Rosi (O bandido Giuliano, O caso Mattei...),
Vittorio Cottafavi (A revolta dos gladiadores...), Renato Castellani (Romeu e
Julieta...), Elio Petri (Investigação
sobre um cidadão acima de qualquer suspeita, A classe operária vai ao paraíso,
Os dias são numerados...), Alberto Lattuada (Em nome da lei, Venha tomar um café
conosco...), Pietro Germi (Divórcio à italiana, O ferroviário, Aquele caso
maldito...), Francesco Masseli (tem um filme que vi com Paulette Godard cujo
nome esqueci), Vittorio De Sica (Ladrões de Bicicletas, A viagem proibida, O juízo
universal, Os girassóis da Rússia...). Acho melhor parar por aqui, pois há
ainda outros nomes dessa brilhante constelação de cineastas.
O que aconteceu ao cinema italiano?
Deslumbrou o mundo a partir dos meados dos anos 40 com a explosão do
neorrealismo, configurando um novo modo de expressão cinematográfica que
traumatizou toda uma geração. Os postulados neorrealistas influenciaram
movimentos ou escolas que lhe foram posteriores, a exemplo do Cinema Novo, Free
Cinema Inglês, e, mesmo, a Nouvelle Vague. A falência do cinema italiano é
impressionante. Não se pode compará-lo ao americano, que não cabe comparação,
mas separação, e excetuando-se o cinema feito nos bons tempos de Hollywood, a
cinematografia italiana já foi, e de longe, a mais expressiva de toda a
história do cinema. Onde se pode encontrar um cinema único, original, como o de
Fellini? E a estética perfeccionista dos filmes-óperas viscontianos, o cinema
de poesia pasoliniano, a anti-narrativa de Antonioni?
A Itália já teve um dos estúdios
cinematográficos mais importantes do mundo: o Cinecittà, complexo de teatro e
estúdios situados na periferia oriental de Roma (a 9 km de distância). Federico
Fellini, em alguns de seus filmes, refere-se ao Cibecittà. Até os americanos,
para aproveitar a mão de obra mais barata, filmou algumas de suas grandes produções
no Cinecittà: Quo Vadis? de Mervyn LeRoy (1949) e o majestoso Ben Hur, de
William Wyler, foram rodados nesse grande estúdio, além de uma mega como
Cleópatra, de Joseph L. Mankiewicz
Recomendo
que se faça uma visita a seu site: www.cinecitta.com
O cinema italiano de sua boa época
exportou astros e estrelas, que foram filmar em Hollywood, a exemplo da diva
Sophia Loren, Gina Lollobrigda, Elsa Martinelli, Claudia Cardinale e atores de
primeiríssimo nível como Vittorio Gassman e Marcello Mastroianni. Mastroianni é
um ator essencialmente cinematográfico, que sabe, como poucos, dialogar com a
lente, com a câmera, enquanto Gassman, apesar de excepcional intérprete,
carrega o ranço teatral. Há outros atores e atrizes que não podem deixar de
serem registrados: as belas Rossana Schiaffino, Eleonora Rossi Drago, Catherine
Spaak, Gian Maria Volonté, Enrico Maria Salerno, Saro Urzi, Ugo Tognazzi, Nino
Manfredi, Totó, Renato Salvatori etc.
O capitalismo selvagem, que impõe um
consumo desenfreado de forma imperativa através dos meios de comunicação de
massa, após a queda do Muro de Berlim, é, talvez, o responsável pela perda cada
vez mais crescente do humanismo de um modo geral e particularmente no cinema. E
o cinema italiano se caracterizava justamente por este humanismo,
principalmente no esplendor de seu neorrealismo. Não cabem mais, para mentes
descrentes de um porvir mais humano, e condicionadas ao consumo, ao egoísmo, ao
prazer imediatista, filmes que possam oferecer uma reflexão sobre o momento
histórico, o homem e sua circunstância. Os filmes viraram montanhas russas, o
homem desapareceu de sua paisagem, restando apenas títeres e marionetes que
comandam a ação, o fio condutor da trama.
2 comentários:
E hoje se fala em "diversidade" sem saber exatamente o que significa.
É isso mestre !
Lembro-me do Cine ART na Rua D'Ajuda que só exibia películas do cinema italiano e francês.
Emilio Suzart
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