Há realizadores que possuem timing surpreendente e, entre eles, William Friedklin (Operação França, O exorcista, Viver e morrer em Los Angeles...), John Schlesinger (Maratona da morte, Morando com o perigo...), John Frankenheimer (o dos bons tempos, como em Sob o domínio do mal, Sete dias de maio, O segundo rosto/Seconds...) etc. A maioria, no entanto, não o possui, e o possível timing que se apresenta é um trabalho exaustivo da montagem cujo fito é ritmar o filme. Mas é um timing forçado que, paradoxalmente, deixa de ser timing. O realizador, que tem timing, faz com que seus filmes passem a impressão de que um fio elétrico de alta tensão está inserido na estrutura narrativa. Mesmo em momentos de calmaria, há sempre uma expectativa de que algo possa acontecer. Para não falar em Hitchcock, cujo timing é fortíssimo. Intriga internacional (North by Northwest, 1959), que estava a rever em DVD, é um dos filmes mais perfeitos do século XX em matéria de construção formal, de timing. Neste particular, o cinema brasileiro precisa aprender a ter timing, pois poucos os diretores capazes de dotar os seus filmes de ritmo preciso. Friedklin, por exemplo, e para ficar só nele, faz filmes de alta tensão, que envolvem o espectador, deixando-o preso na poltrona. Geralmente, sói acontecer que uma pessoa, sem saber precisar a razão, acha um filme chato (e estou falando aqui de um filme médio, um thriller, por exemplo, que não se concebe sem timing)
Mas, falando sobre a pessoa que acha determinado
filme chato sem saber a razão, o fato é que o considera aporrinhante porque o
filme não possui o timing suficiente para atraí-la. Estupefato fiquei quando da
exibição de Maratona da morte (este é
de Schlesinger, não confundir), filme visto de esguelha por uma crítica
novidadeira, mas cujo timing, perfeito, agarra o espectador. Friedklin, entre
outros, evidentemente, é o responsável pelo timing
do primeiro O exorcista (1974). A cena mais assustadora, por exemplo, pelo timing do
cineasta, é quando, por incrível que possa parecer, Linda Blair se submete a
exames, com as chapas da radiografia batendo forte, as injeções no pescoço. O
realizador faz da sessão de exames uma cena de puro terror pelo uso da montagem
bem articulada e do som, principalmente este.
Tropa de
elite 2, de José Padilha, com todas as críticas que podem ser feitas (e o
filme é bom!), não se pode negar que possua um vigoroso timing. Creio mesmo que o estrondoso sucesso de público esteja na
capacidade do diretor de articular a narrativa em ritmo de thriller. No cinema brasileiro, o Cinema Novo, que, apesar de
tantas obras importantes que gerou, incutiu em boa parte dos cineastas a ânsia
autoral, que se constatou contraproducente. E a ânsia autoral fez com que
muitos realizadores se esquecessem do trabalho de construção do filme em função
de tomadas demoradas que, pensavam eles, seriam marcas de seus gênios impressas nas imagens em movimento. Para
conquistar o mercado, no entanto, é preciso que haja filmes bem construídos
artesanalmente, que envolvam o público, que façam deste um cúmplice do
espetáculo. Nesse particular, José Padilha acertou em cheio.
Planejado no roteiro, que contém todas as tomadas em ordem
cronológica e precisamente numeradas, a filmagem, não obedece, todavia, ao que está
estabelecido no papel. O cineasta, tendo em vista, além de outros fatores, a
exequibilidade e a viabilidade econômicas, começa a filmar a partir de qualquer
tomada do roteiro - pelo meio, pelo fim, pelo começo. A tarefa de ordenar os
diversos fragmentos de um filme cabe a uma etapa do processo de criação do
cinema muito importante, qual seja a montagem. Que, grosso modo, pode ser
definida como o trabalho de reunir as partes do material filmado de acordo com
a ordem estabelecida no roteiro. O montador edita o filme, isto é, faz uma
reconstituição da primeira à última imagem, colando ponta com ponta e na ordem
numérica os diferentes pedaços de película, que foram revelados e impressos
numa "cópia de trabalho". Geralmente são colados em seguida pedaços
de filme que reproduzem planos diferentes, até completar uma cena. Há,
portanto, dentro da mesma cena, diversas mudanças de plano - e de um plano para
outro se verifica uma descontinuidade rápida chamada corte.
A montagem não se limita - longe disso - a um simples trabalho de
cortes e colagens: é também, e sobretudo, uma criação. Linguagem do realizador,
ela, a montagem, impõe um estilo e revela uma visão original do mundo. A
montagem, segundo a ótica de Bretton, preside a organização do real visando
satisfazer simultaneamente a inteligência e a sensibilidade, provocando, com
isso, a emoção artística, o efeito dramático ou onírico: faz malabarismos com o
tempo e o espaço, com cenários e personagens (trucagens e dublês). É o elemento
mais específico da linguagem cinematográfica, "o fundamento estético do
filme", segundo Pudovkin. Os grandes cineastas e estetas (Eisenstein,
Pudovkin, Balazs, Arnheim, etc) esforçaram-se em estabelecer a nomenclatura dos
diversos processos de montagem e em analisar seus efeitos psicológicos.
Mas vamos ficar apenas na montagem rítmica, que visa criar ritmo ao
filme, alternando os tempos fortes com os tempos fracos, dando ordem e
proporção no espaço e no tempo. O ritmo resultado do movimento das imagens
entre si e da convergência entre o movimento da atenção do espectador e o das
imagens. Um plano, conforme observou o ensaísta francês J. P. Chartier, não é
percebido da mesma maneira do começo ao fim. A princípio, é reconhecido e
situado; é, digamos, a exposição. Vem então um momento de atenção máxima em que
a significação, a razão de ser de um plano, é captada: gesto, palavra ou
movimento fazem o desenvolvimento progredir; em seguida, a atenção baixa, e, se
o plano se prolongar, nasce um momento de aborrecimento, de impaciência. Se cada
plano for cortado no momento exato da baixa da atenção para ser substituído por
outro, a atenção será sempre mantida, o filme terá ritmo. O que chamamos de
ritmo cinematográfico não é, portanto, a apreensão das relações de tempo entre
os planos, mas a coincidência entre a duração de cada plano e os movimentos de
atenção que ela suscita e satisfaz. Não se trata de um ritmo temporal abstrato,
mas de um ritmo de atenção, conclui Chartier. A percepção intuitiva do ritmo
pelo espectador nasce da sucessão dos planos, segundo as relações precisas
criadas pelo cineasta (e montador). É do ritmo que a obra cinematográfica
extrai sua ordem e sua proporção, sem o que não teria ela as características de
uma obra de arte.
Um comentário:
André, querido. Você dá aulas particulares? Porque eu - ignorante - não entendi nada. Preciso de reforço.
Até aproxima sessão.
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