Nascido oficialmente em 28 de dezembro
de 1895, o cinema tem apenas 118 anos e meio. Para uma arte, em comparação com
as outras, uma curta existência. Ainda que vários indivíduos procurassem quase
simultaneamente projetar numa tela imagens em movimento, as honras da invenção
do cinema couberam aos irmãos franceses Louis e Auguste Lumière, considerados
aqueles que melhor desenvolveram o movimento das imagens num espaço plano. Há,
no entanto, controvérsias. Nos Estados Unidos, o inventor da chamada sétima
arte é Thomas Alva Edison, assim como os pioneiros da aviação são os Irmãos
Wright e não nosso Santos Dumont.
O
fato é que, descoberto o cinema em 1895, este passou muito tempo sem ter uma
linguagem formada, específica. Os elementos determinantes desta (planificação,
movimentos de câmera, angulação, montagem) foram sendo descobertos
isoladamente, e sistematizados, com eficiência dramática, numa narrativa
desenvolvida, pelo americano David Wark Griffith em dois filmes fundamentais:
"O nascimento de uma nação" ("The birth of a nation", 1914)
e "Intolerância" ("Intolerância", 1916). Assim, entre 1895
e 1914, quase 20 anos, portanto, a linguagem cinematográfica foi sendo
"formatada" aos poucos.
Mas,
estabelecida com Griffith, a linguagem ainda precisaria de aprimoramentos, de
invenções que pudessem enriquecê-la. Considerado o pai da narrativa
cinematográfica, Griffith é também, por conseqüência, o pai de sua linguagem do
ponto de vista da montagem narrativa dotada de uma "lei" de
progressão dramática "in crescendo" (apresentação, desenvolvimento do
conflito, clímax e desenlace).
Ainda
estava por vir Sergei Mikhalkovich Eisenstein para subvertê-la com a sua
montagem de atrações baseada no choque das imagens, cujos exemplos mais
eloqüentes estão em "Outubro" (1927), principalmente, "O
encouraçado Potemkin" (1925), entre outros. Mas se Griffith e Eisenstein
provocaram uma descoberta e uma evolução na linguagem e na estética do cinema,
ainda se precisaria de algumas décadas para esta se consolidar.
A
estética da arte muda, quando atingiu a sua perfeição, veio a ser destroçada
pelo advento do cinema falado em 1927, ainda que alguns cineastas (a exemplo de
Charles Chaplin e René Clair, dissidentes da aplicação sonora, tenham resistido
até onde puderam).
A
linguagem cinematográfica foi sendo "inventada" durante as seis
primeiras décadas do século XX até se cristalizar com o ponto de partida do
cinema moderno, que foi "Cidadão Kane" (1941), de Orson Welles, e as
experiências da "desdramatização" propostas por Roberto Rossellini
("Viagem à Itália", 1953) e por Michelangelo Antonioni (neste, o
domínio da antinarrativa na sua famosa trilogia constituída por "A
aventura" ("L'avventura", 1959), "A noite" ("La
notte", 1960), e "O eclipse" ("L'eclisse", 1962). O
cinema, ainda recebeu contribuições valiosas de Alain Resnais (“Hiroshima, mon
amour”, 1959, “O ano passado em Marienbad”, 1961) e Jean-Luc Godard
(“Acossado”, 1959), Federico Fellini (“Oito e meio”, 1963), entre outros, para
não se encher a coluna de citações.
O
cinema, então, tem sua linguagem consolidada por volta de meados da década
prodigiosa dos 60. Isto quer dizer: nesta época, terminou a era dos “inventores
de fórmulas” e o que se pode verificar é que a linguagem, “criada”, passou a
servir como um instrumento da “escrita” cinematográfica, mais como um
instrumento de estilo do que, propriamente, de linguagem. O repertório
“gramatical”, por assim dizer, evoluído, põe-se a serviço da explicitação
temática, e a maneira de articular seus elementos é que vem a se constituir no
estilo do cineasta. Mas, antes, os realizadores também não se exercitavam dessa
maneira? Sim, mas havia uma brecha para se “inventar fórmulas.”
Assim
como a linguagem escrita. O escritor aproveita-se de seu repertório lingüístico
e, através deste, a depender de sua maneira de estabelecer a “escrita” pela
manipulação sintática, é que extrai de seus textos, pela maneira de escrever,
pelo seu estilo, uma “poética”. Ou não.
Os realizadores atuais constroem seus
filmes buscando suas fontes num repertório já consolidado. E se este já se
cristalizou em torno de 1965, há, portanto, 43 anos, o cinema não mais veio a
apresentar uma obra que se situasse como ruptura, uma obra, como se diz,
“divisora de água”.
Daí que o cinema entrou numa fase de
citações e alusões a si próprio. Os filmes “falam” geralmente de si próprios, o
que não ocorria em tempos pretéritos, antes da consolidação linguística citada.
O que se verifica no cinema contemporâneo mais inteligente é este “olhar” para
o passado da linguagem. Brian DePalma, utilizando-se de inspiração
hitchcockiana, não o copia, como muitos pensam, mas se apóia nela para refletir
sobre a natureza da própria arte do filme. Os irmãos Coen também fazem a mesma
coisa, assim como muitos outros. Os “fratelli”, premiados com o Oscar deste ano
por “Onde os fracos não têm vez” (“No country for old men”) gostam de revisitar
gêneros e proceder, com o instrumental que a linguagem hoje oferece, a uma nova
leitura deles, a exemplo de “O homem que não estava lá”, releitura do “film
noir”, “Na roda da fortuna”, uma mistura da comédia de Frank Capra com
ingredientes tirados de Billy Wilder, “O amor custa caro”, a comédia de Howard
Hawks e de outros comediógrafos passada a limpo sob o prisma contemporâneo, mas
com o aproveitamentos de todos os seus códigos essenciais, “E aí, meu irmão,
cadê você?”, a Odisséia de Homero sob as vistas satíricas dos irmãos, etc.
O
desconhecimento dos filmes essenciais do passado faz com que muitas vezes venha
a se confundir alhos com bugalhos. E superestimar realizadores. Martin Scorsese
é um bom cineasta, apesar de alguns atropelos. Mas não é nenhum gênio do
cinema, muito pelo contrário. O que é Scorsese diante de um Robert Aldrich,
para ficar num só exemplo? Clint Eastwood é excelente, mas longe se encontra de
um John Ford ou um Howard Hawks. Paul Thomas Anderson é surpreendente e cheio
de talento. Mas se pode compará-lo a um Robert Altman?
Bem,
por estas e por outras é que se diz que o cinema morreu. O grande cinema,
aquele do grande segredo do qual falava François Truffaut, o cinema dos
inventores de fórmulas. Este, sim, está morto e enterrado.
2 comentários:
E Tarantino?O cinema como algo farsesco e grave não É uma invenção dele ainda viva em andamento?
Dá uma boa discussão a coluna de hoje(10/08/13) de Inacio Araujo na Folha.Seu texto e dele valem por livros sobre o verdadeiro Cinema.
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