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19 maio 2013

"Queimada", de Gillo Pontercorvo


Rodado em exteriores na Colômbia (Palenque e Cartagena) – onde também foi recrutado o não-profissional Evaristo Marques – e ainda no porto francês de Saint Maio, no Marrocos, Queimada (Queimada, 1968), de Gillo Pontecorvo, é uma das obras cinematográficas que conjugam, com rara eficiência, o cunho politico ao didatismo, sem, com isso, deixar de ter um valor cinematográfico ou, mesmo, se tornar um espetáculo envolvente. Marlon Brando, que já nos deixou há quase dez anos, o temperamental intérprete, único em toda a história do cinema, durante as filmagens de Queimada, brigou feio com Pontecorvo e, por causa disso, a produção se atrasou consideravelmente. Diz a lenda que Brando ameaçou matar Pontecorvo se um dia o reencontrasse, promessa felizmente nunca cumprida Pontecorvo é um cineasta político que tenta ser didático e o filme em questão, lançado no Brasil em 1971, durante a ‘era’ Médici, período de chumbo, foi logo retirado do cartaz. 

Pontecorvo mostra como Londres envia à ilha negra das Pequenas Antilhas, Queimada, dominada pelos portugueses a ferro (das baionetas) e fogo, cobiçada pelos ingleses com indisfarçado descaramento, um de seus mais hábeis fomentadores de rebelião, Sir William Walker (Brando), com o propósito de expulsar os portugueses e conquista-la, mas por meio não violentos. Walker incentiva a capacidade de liderança do negro José Dolores e fomenta uma revolta vitoriosa: é declarada a independência da ilha, que passa a ser manobrada por uma empresa britânica compradora de cana. Passam-se dez anos. E Walker é, novamente, enviado à ilha porque, desta vez, Dolores lidera nova revolução contra o domínio econômico dos ingleses.

Pontecorvo fez em Queimada um inventário alegórico do jogo colonialista através da História, sem incursionar no panfleto e dotado de clareza ideológica e sentido de espetáculo épico e comunicativo. Sobre ser um filme envolvente, o tempo, entretanto, tirou-lhe o impacto de quando foi feito, momento histórico no qual se respirava ideologia por todos os poros. Há, também, um certo simplismo, por assim dizer, na sua estrutura narrativa – o conflito entre o colonizador e o colonizado se processa como uma luta do Bem contra o Mal. Queimada, no entanto, é um filme que marcou uma época e que a apatia da contemporaneidade talvez não o receba com tanto entusiasmo. Atributos à parte, há, em especial, a oportunidade de ver um monstro sagrado em ação: Marlon Brando, ator magnífico, dotado de uma capacidade interpretativa incomum. Além de Brando e de Evaristo Marques, há um ator italiano bastante conhecido, mas que, estranhamente, não se encontra bem pintado de negro. Trata-se de Renato Salvatori, que, entre muitos outros filmes, interpretou, o boxeador Simone em Rocco e seus irmãos, obra-prima definitiva do século passado, tragédia monumental tendo, como centro, uma família de imigrantes, um filme de Luchino Visconti, cujo O leopardo, outro magnífico exemplo que testemunha, na sua criação, a verve singular de um artista que utiliza o veículo cinematográfico como instrumento de reflexão e produção de sentidos.