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10 fevereiro 2013

Cinema e Carnaval: as afinidades eletivas

Quando o Carnaval chegar (1972), de Carlos Diegues, com Chico Buarque de Holanda, Maria Bethânia e Nara Leão. Filme completo. Assista aqui.

O cinema sempre teve relações muito afetivas com o Carnaval. Os primeiros registros de imagens em movimento datam de 1908, quando a folia era completamente diferente da atual. Mas foi preciso que acontecesse o cinema falado para que o filão viesse a tomar impulso, principalmente a partir dos anos 30, com a Cinédia, estúdio de Adhemar Gonzaga que ficava no Rio, em Jacarepaguá. O detonador do filão musical-carnavalesco pode ser considerado "A voz do Carnaval", de 1933, dirigido por Gonzaga e Humberto Mauro, com Carmem Miranda, que estréia, aqui, no cinema. Dois anos depois, em 1935, um trio, Wallace Downey, João de Barro e Alberto Ribeiro, realiza "Alô, alô Brasil", que fez imenso sucesso nas bilheterias. Gonzaga, produtor e cineasta, que tinha um faro excepcional para intuir dos filmes que poderiam ser exitosos, resolve filmar, em 1936, "Alô, alô Carnaval", que suplanta o anterior, porque, entre outras coisas, Carmem Miranda já é uma figura de proa no cenário artístico brasileiro. E mais: Francisco Alves, Lamartine Babo, Dircinha Baptista, além dos comediantes Oscarito e Jayme Costa.
Mas estes primeiros filmes musicais carnavalescos são toscos enquanto realização cinematográfica. Há um fio de história como pretexto para o aparecimento dos números, sempre filmados com câmera fixa e em planos-sequências, sem nenhum movimento e sem uma construção espacial através da montagem. Esta funciona apenas como edição, como elo de ligação dos números e dos sketchs primários. Não possuem, os filmes inaugurais do filão, nenhum valor cinematográfico, mas um valor de documento, de resgate da memória, a considerar que vários talentos da música do pretérito se apresentam nestes filmes. Em "Alô, alô, Carnaval", há um número histórico no qual se tem as duas irmãs, Carmem e Aurora, juntas a cantar, antes que a primeira explodisse na constelação hollywoodiana.
Para se compreender bem o fenômeno Carmem Miranda é preciso ler a sua biografia, talvez definitiva, escrita por Ruy Castro. Mas o público gosta dos filmes carnavalescos e muitos diretores se dedicam ao gênero. Já em 1938, dois filmes procuram misturar a chanchada aos números, a exemplo de "Tererê não resolve", de Lulu de Barros, e "Banana da terra", de Rui Costa, obras de grande mediocridade e que revelam um paroxismo, porque excelentes como documentação do Carnaval de antigamente, hoje destruído pelo som eletrônico, pela falta de harmonia, pela algazarra, pela industrialização de seu espaço.
O filme carnavalesco desta época, que tem um valor cinematográfico, segundo os pesquisadores do cinema brasileiro, porque seus negativos são destruídos, é "Favela dos meus amores" (1935), de Humberto Mauro, porque é uma obra que procura registrar o comportamento de favelados (naquela época a favela era romântica) em função do Carnaval. Escrito por Henrique Pongetti, é um dos filmes nacionais unanimemente aclamados pela crítica como obra de arte autêntica. É drama de costumes típico de cidade brasileira mais evoluída, que tenta "respirar o Brasil". É morro, barracão de zinco, crioulos, abismos físicos e sociais, e lirismo, muito lirismo.
Sílvio Caldas, camisa de malandro, violão no peito, canta sambas dolentes de Ary Barroso e apaixona-se por uma professorinha, Carmem Santos, a maior atriz brasileira da época, que, por sua vez, ama Rodolfo Mayer e os casacos de luxo, as jóias, o automóvel, o resplendor da cidade grã-fina. Armando Louzada, camisa listrada, lenço no pescoço, olha as luzes tremeluzentes da grande cidade, o Rio, lá em baixo. Mas "Favela dos meus amores", obra esquecida de Humberto Mauro, com o desaparecimento daqueles que a viram e a admiraram, fica apenas como uma referência na história de nosso cinema.
Para o desenvolvimento de uma estrutura audiovisual mais articulada, é preciso que se espere o fim da década de 40 e os anos 50, quando os filmes carnavalescos misturam a música e a comédia, um roteiro mais preciso e inventivo na configuração das "gags", das situações, como são exemplares, nesse sentido, "Carnaval no fogo" (1949) e "Aviso aos navegantes" (1950), ambos de Watson Macedo, diretor com aguçado sentido de espetáculo, que exerce muita influência entre os cineastas posteriores, a exemplo de Carlos Manga (o responsável por algumas das melhores comédias do cinema brasileiro em todos os tempos: "O homem do sputnick" (1958), e "De vento em popa" (1959). Macedo é um pioneiro, um homem de cinema "tout court", cuja valorização apenas se dá muitas décadas depois de seu auge.
Outro filme importante do filão é "Carnaval Atlântida" (1952), de outro diretor muito bem preparado para o ofício: José Carlos Burle. Neste filme, hoje um clássico do cinema nacional, ainda que na época visto como mera chanchada, desprezada pelos críticos, compareciam no elenco: Grande Otelo, Oscarito, José Lewgoy, como vilão, e Cyl Farney e Anselmo Duarte como galãs. O argumento gira em torno da seguinte situação: Xenofontes (o imenso Oscarito), um sisudo professor de mitologia grega, é contratado por um produtor como consultor da adaptação do clássico "Helena de Tróia" para o cinema. Mas dois empregados do estúdio sonham em transformar o épico grego numa comédia carnavalesca. Carlos Manga é o diretor dos números musicais. No rastro deste filme estão: "Carnaval em Caxias" (1953), "Carnaval em Lá Maior" (1954), "Carnaval em Marte" (1955), mas apenas pálidos reflexos de "Carnaval Atlântida".
Em 1959, o francês Marcel Camus, a tomar como base a peça de Vinicius De Morais "Orfeu Negro", que faz sucesso no Teatro Municipal, com cenografia de Oscar Niemeyer e música do maestro Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, realiza "Orfeu do Carnaval", bastante premiado em festivais internacionais, embora um "filme estrangeiro" que, simplesmente, aproveita a paisagem maravilhosa do Rio de Janeiro, o seu "décor" exuberante, como pano de fundo da tragédia anunciada. Em 1999, decorridos 40 anos, Carlos Diegues, em ritmo de escola de samba, constrói o seu "Orfeu", mas prejudicado por um elenco primário e pouco cinematográfico, com Tony Garrido (um Orfeu desgarrado) e Patrícia França.
Não se pode deixar de citar, em se falando de filmes carnavalescos, "Amor, carnaval e sonhos" (1971), com Leila Diniz, Arduíno Colasanti, Ana Maria Miranda, entre outros, homenagem ao Carnaval da Cidade Maravilhosa, ainda que um tanto "desconjuntado" a revelar defeitos na sua estrutura. Mas vale, assim como tantos citados, como documento precioso de uma época. Outro filme, "A lira do delírio", de Walter Lima Junior, obra cultuada, registra, entre outras coisas, o último baile carnavalesco do Teatro Municipal.

2 comentários:

renatocinema disse...

Parabéns pela viagem histórica ao cinema e ao seu link com o carnaval.

Abraços

renatocinema disse...

Parabéns pelo texto que liga carnaval, cinema. Arte é arte.


Abraços