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12 setembro 2012

Dino Risi: a inteligência a serviço da comédia

Jean-Louis Trintgnant e Vittorio Gassman em Aquele que sabe viver (Il sorpasso), de Dino Risi

As comédias italianas das décadas de 50 e, principalmente, as da década de 60, estabeleciam no cinéfilo o prazer de ir ao cinema, mas um prazer especial, pois somente nelas havia um encanto particular não encontrado em outras cinematografias. Seriam as comédias italianas um gênero especial na comediografia mundial? A julgar pela sua excelência, acredita-se que sim, pois elas se diferiam das outras do mesmo gênero realizadas em outras paragens pelo humor, pela inventiva, pela emergência de uma cultura específica e muito exclusiva que se refletia no modo de ser do italiano.

Chegou-se, inclusive, a dizer, dada a profusão de realizadores notáveis, que o cinema italiano era o melhor cinema do mundo (o documentário de Martim Scorsese, Mio viaggio in Itália, 1999, sobre esta cinematografia, é, não apenas um testemunho pessoal e poético, mas, e principalmente, uma constatação). Qual outra cinematografia tinha cineastas do porte, da excelência, de um Luchino Visconti, de um Federico Fellini, de um Michelangelo Antonioni, de um Pier Paolo Pasolini, de um Roberto Rossellini, entre tantos outros!

Colocados em segundo plano, mas geniais em alguns momentos, nomes como Bernardo Bertolucci, Pietro Germi (seu Divórcio à italiana/Divorzio all’italiana, 1961, é um dos grandes filmes da história do cinema e a melhor interpretação de Marcello Mastroianni), Vittorio DeSica (este fez algumas obras-primas, mas tem uma filmografia irregular), Dino Risi, Mario Monicelli, Damiano Damiani, Florestano Vancini, Elio Petri, Marco Bellochio, Luigi Comencini, Alberto Lattuada, citados, aqui, ao sabor da memória com o risco enorme de alguma omissão. Portanto, et caterva.

E que cinematografia poderia ter "em segundo plano" tantos nomes notáveis? Todos, à exceção de um ou outro, estão mortos, enterrados, assim como também enterrado está o cinema italiano contemporâneo, cujas cinzas nem mais se enxergam a se debater em crise agônica desesperada.

Quem viu as comédias italianas dos anos 50 e 60 pode dizer que provou de uma "iguaria" extraordinária. Tinha-se, nelas, a inteligência e a beleza, o riso farto e um panorama vasto dos usos e costumes da Itália, além de um afresco da própria condição humana em seus aspectos trágicos e cômicos.

A morte de Dino Risi representa o enterro de um "gênero" no sentido, repita-se, de que as comédias realizadas na Itália se diferenciavam bastante das outras comédias de outros países. Ainda que desaparecido desde muitas décadas (o que se faz hoje é um acúmulo de besteirol impossível de verificação dada a incompetência e a regressão cultural do cinema), o "gênero" fez com que a memória do cinéfilo despertasse os filmes do pretérito ao se deparar com a notícia do falecimento do grande Risi, Dino Risi.

Retirado da vida aos 92 anos, Dino Risi deve ser reverenciado e todo amante do cinema  se lhe encontra agradecido por tantos momentos de felicidade dentro das salas escuras. Psiquiatra de formação, Risi abandonou seus clientes no divã para ir fazer filmes a partir de 1952.

No ano seguinte, auge dos estúdios da Vera Cruz, em São Paulo, tentou aqui realizar um filme, mas, não se sabe o motivo, voltou para a Itália sem atingir o seu objetivo. Mas dá, neste retorno, o início de uma fulgurante carreira, cujos sinais de vitalidade e genialidade já são percebidos em Pobres milionários (Poveri milionari, 1959), ainda que seu início de grande cineasta se dê, para a maioria da crítica, em Uma vida difícil (Une vita difficile, 1961), com Alberto Sordi, o "Albertoni", e Lea Massari, que a Versátil, em boa hora, já colocou em DVD.

Qual seria o melhor filme de Dino Risi? Para a maioria, Aquele que sabe viver (Il sorpasso, 1962), "o ultrapassador" no título original, bem à pele de Vittorio Gassman como um irresponsável e bon vivant que convida Jean-Louis Trintgnant a, com ele, correr pelas estradas, encontrar mulheres, gozar a vida, até o trágico final. Ainda no elenco, a esfuziante Catherine Spaak. Risi incorpora, aqui, a tragédia no cômico com particular felicidade e a inteligência que sempre caracterizou as situações de seus filmes (a graça, por vezes, vinda da dor, e esta da condição humana).

Sobre ser um filme excelente, Il sorpasso, de raro encanto, como tudo em Dino Risi, a escolha do melhor, no entanto, talvez recaísse em Férias à italiana (L'Ombrellone, 1966), com Enrico Maria Salerno e Sandra Milo (a musa felliniana, a eterna donna). Mas não se pode esquecer, sob pena de grave omissão, da cena em que, em Nós as mulheres somos assim (Noi donne, siamo fatte cosi, 1971), um rapaz, num restaurante, exulta de felicidade por estar sendo olhado pela belíssima Monica Vitti. Mas depois se constata (é a graça advinda da dor) que Vitti é cega e, portanto, não o está a ver.

Em Vejo tudo nu (Vedo nudo, 1969), Nino Manfredi, míope em último grau, em seu apartamento, despido, olha para a vizinhança e se excita com o derrière que pensa estar a ver na vizinhança, quando se constata, depois, que ele olha, realmente, é para o próprio derrière refletido na vidraça da porta de seu apartamento.

O cinema já estava sem Dino Risi, porque o abandonou em 1996, a realizar, depois, apenas uma fita para a televisão no ano 2000. Desiludido com a mediocridade do cinema contemporâneo não agiu como seu colega Mario Monicelli, que apesar de seus noventa e tantos, continuou a filmar até que, constatado um câncer em sua próstata, pulou do alto da janela do hospital, onde estava internado e desenganado, e se espatifou no chão.

A comédia italiana, no entanto, morta há décadas, tem, com a morte de Dino Risi, apenas a imagem de uma lembrança de um tempo quase feliz, quando a inteligência estava, realmente, a serviço da cinema.

3 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Sou do time que considera "Il Sorpasso" o melhor filme de Risi. Aliás o tenho em dvd, já havendo assitido oito vezes em cerca de dois anos.
Mas, como você observa muito bem, como foi rica aquela safra de diretores italianos...

André Setaro disse...

Vi 'Il sorpasso' com você, em 1967, no cine Capri do Largo 2 de Julho, com aquela ladeira expressionista que levava à platéia. Na saída, você saiu imitando o gesto de Gassman quando no mictório.

ANTONIO NAHUD disse...

Um belo diretor. AQUELE QUE SABE VIVER é uma delícia.

O Falcão Maltês