Milton Gaúcho e Garibaldo Mattos em Sol sobre a lama, de Alex Viany/Palma Neto |
João Palma Neto, antigo feirante da Água de Meninos, sindicalista, marinheiro de longo curso, quando vê A grande feira
(1961), de Roberto Pires, não gosta da maneira pela qual o filme aborda
a questão da gigantesca feira e decide bancar um outro filme como
resposta ou réplica. Com o dinheiro de sua poupança (naquela época não
há a famigerada captação de recursos), alia-se a Walter Fernandes e
Álvaro Queiroz para a produção de Sol sobre a lama. Com eles, funda a Guapira Filmes (Schindler se associa a Iglú, empresa que também faz um cine-jornal, A Bahia na Tela,
para poder realizar os filmes da Escola Baiana de Cinema e há o
surgimento, nesta época, de outras empresas - mas assunto para outro
tópico). Corre o ano de 1962 e a idéia de Palma é que a fita seja
colorida, e com recursos mais sofisticados. Escreve a história, baseada
em suas experiências (diz-se que o personagem Valente, interpretado por
Geraldo D'El Rey é ele próprio), e confia o roteiro ao carioca Alinor
Azevedo (que tem a assinatura nos roteiros de alguns excelentes filmes
como Assalto ao trem pagador, e Cidade ameaçada, ambos de Roberto
Farias, Um ramo para Luísa, de J.B.Tanko, entre outros.) Alinor faz o screenplay de Sol sobre a lama
com outro talentoso roteirista, Miguel Torres, que o cinema brasileiro
perde, pois morre num desastre automobilístico. Ambicioso, pretensioso,
João Palma Neto quer fazer o filme definitivo sobre a Feira de Água de
Meninos (que, como numa premonição, é incendiada, um verdadeiro inferno
na baixada, em 1964, e seus feirantes se mudam para a Feira de São
Joaquim, acanhada, a princípio, embora hoje imensa.). Não vê, Palma
Neto, nenhum diretor em Salvador capaz de desenvolver as imagens em
movimento pré-visualizadas no roteiro de Alinor e Miguel. Também, neste
ano, Roberto Pires está a lançar Tocaia no asfalto, e Glauber Rocha está já no Rio, a lançar o Cinema Novo e a preparar a produção de Deus e o diabo na terra do sol.
Palma chama o conceituado crítico carioca, e também cineasta (Rua sem sol, Agulha no palheiro)
mediano, Alex Viany, que é, nos anos 40, correspondente da revista O
Cruzeiro em Hollywood. De volta ao Brasil, adere de corpo e alma ao
cinema nacional, a fazer filmes e a escrever nas páginas dos jornais. Um
crítico, inclusive, chega a taxá-lo de "inimigo número 1 do cinema made
in Hollywood", apesar de, nesta meca, ter permanecido por muito tempo a
gozar de suas delícias.
A maior obra de Alex Viany é, sem dúvida, a sua extenuante pesquisa que
se transforma, em 1959, no livro Introdução ao Cinema Brasileiro, editado pelo Instituto Nacional do Livro (várias vezes reeditada, uma delas pela Alhambra). Mas como cineasta, apesar de Rua sem sol e Agulha no palheiro
estejam sob a influência do neorrealismo italiano, possuindo um certo
pioneirismo na abordagem da problemática social brasileira, é fraco, não
sustenta bem uma narrativa. O fiasco total, e canto de cisne
desesperado, está, muitos anos depois, em A noiva da cidade, cujo roteiro original é de autoria de Humberto Mauro. O filme, no entanto, um anti-musical, é indefensável.
Palma vê Rua sem sol e Agulha no palheiro e acha que Alex
Viany é o realizador ideal para o desenvolvimento imagético de Sol sobre
a lama. Quando chega a Salvador, Viany, homem genioso, está fascinado
pelo cinema japonês, e tenta, no comando direcional, dar um tom nipônico
do ponto de vista cinematográfico à baianidade que se requer de Sol sobre a lama.
Realizado em 1963, mas somente lançado (em noite de festa) em novembro
de 1964 no cine Guarany, o resultado final, contudo, não agrada Palma. A
briga com Viany acaba na Justiça. Assim, há duas versões de Sol sobre a lama. A versão do diretor e a versão do produtor.
O argumento gira em torno da tentativa feita por burgueses gananciosos
para acabar com a Feira de Água de Meninos. A complicar a situação, e,
com isso, apressar o fim da feira, uma draga fecha o seu ancoradouro, a
impedir qualquer abastecimento. Os feirantes, desesperados, lutam pela
abertura do ancoradouro para fazer voltar o abastecimento. Dois líderes
se apresentam para solucionar o problema. Um açougueiro (Roberto
Ferreira/Zé Coió, em grande interpretação) propõe a ação violenta (uma
espécie de Chico Diabo de A grande feira) dos feirantes para que
invadam, na raça, o ancoradouro, reabrindo-o. Outro líder, no entanto,
Valente (Geraldo D'El Rey, Rony, o marinheiro sueco de A grande feira, e o Manoel de Deus e o diabo na terra do sol),
que vende material de construção, é a favor de acertos conciliatórios
com poderosos políticos e a uma campanha na imprensa local em favor da
volta à normalidade. Uma ação, portanto, junto aos poderes constituídos
para a resolução do conflito.
Jean-Claude Bernardet, em seu clássico estudo sociológico sobre cinema
brasileiro intitulado Brasil em tempo de cinema, ensaio que procura
entender a sociedade através de alguns filmes nacionais representativos,
dá importância na sua análise a Sol sobre a lama e escreve: "Em vez de
malhado superficialmente, o filme deveria ter sido discutido mais
abertamente, pois condensa toda uma tática errada, premissas
sociológicas falsas e idealistas que caracterizam um longo período da
vida da sociedade brasileira. Sol sobre a lama pode ser considerado como um dos mais significativos testemunhos de toda uma política que fracassou."
A fotografia é de Ruy Santos (que dois anos depois viria filmar, em
Buraquinho, praia perto de Itapoã, Onde a terra começa, baseado em conto
de Máximo Gorki, com Irmã Alvarez). No cast, Othon Bastos, Geraldo D'El
Rey, Roberto Ferreira, Dilma Cunha, Milton Gaúcho, Gessy Gesse, Maria
Lígia, Alair Liguori, Carlos Lima, Garibaldo Matos, Doris Monteiro (a
cantora que trabalha com Viany em Agulha no palheiro e, na certa,
chamada por ele), Jurema Penna, Carlos Petrovich, Antonio Pitanga,
Tereza Racquel, Glauce Rocha, Lídio Silva. Com música de Pixinguinha e
Vinicius de Morais. O teatrólogo João Augusto funciona como diretor da
segunda unidade.
2 comentários:
Só vi este filme no cinema faz muito tempo.
Alex Viany, cujas críticas na "Última Hora" eu lia com regularidade era excelente como crítico, e, apesar de somente ter assistido este dos seus filmes (e mesmo assim com poucas reecordações claras) dizem mesmo que não deu certo como diretor...
Desde o dia que vagninho "o democrata, o republicano, o soberano" saiu da federação e foi morar pelos fundos do corredor da vitória que no balneario só se ouve nhé-nhé-nhém-nhém. Quando não é blá, blá, blá!
A História contará esse período. O capitulo dedicado à Marcinho Meireles, (que todos os pseudo-cineastas-bahiano calaram e tem às mãos sujas) vai ter uma analise à parte!
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