Dean Martin, Walter Brennan, e John Wayne em Onde começa o inferno (Rio Bravo, 1959), de Howard
Hawks
No ocaso dos anos dourados, houve um boom de filmes inovadores que,
muitos deles, tornaram-se filmes-faróis, a contribuir sobremaneira
para a evolução da linguagem cinematográfica. O cinema francês se
modificava, a apontar novos caminhos, novas possibilidades expressivas,
com a explosão de Nouvelle Vague. O italiano renovava o modelo narrativo
pela introdução da desdramatização e da antinarrativa,
principalmente na famosa trilogia de Antonioni composta por A
aventura, A noite e O eclipse. Resnais, com Hiroshima, mon amour,
mudou completamente o cinema, passando a existir um cinema antes de Hiroshima e outro depois dele. Mas, nesta coluna, vamos nos deter em
um filme carismático e de particular intensidade: Onde começa o
inferno (Rio Bravo), de Howard Hawks.
Em Onde começa o inferno (Rio Bravo), resposta desse grande mestre
ao 'western' psicológico que então emergia no cinema americano, há uma
cadência que o distingue dos filmes do gênero que foram seus
contemporâneos e, de certa forma, o que interessa ao autor é o estudo de
comportamentos de homens numa dada situação. Excetuando-se o tiroteio
final, e uns poucos tiros aqui e ali, os seus 144 minutos de projeção se
concentram num espaço exíguo, a delegacia da qual é xerife John Wayne,
com algumas deslocações dos personagens pelas ruas e pelo hotel onde se
hospeda a bela Angie Dickinson - uma das pernas mais bonitas de toda a
história do cinema.
Hawks, num faroeste, sempre sinônimo de ação e contínuo corte em
movimento, predispõe seu filme - uma obra-prima! - a uma quase inação,
podendo se ver, nesta obra, um estilo muito mais próximo de
Michelangelo Antonioni do que de um John Ford, por incrível que isso
possa parecer. Há uma escrita bem marcada na utilização dos
procedimentos cinematográficos, há, em Hawks, uma constância temática e
estilística. Daí poder ser considerado um verdadeiro autor de filmes.
Mas, na sua filmografia, existe uma diáspora, porque nas comédias a
emergência de um non sense, de uma loucura, entra em choque com seus
filmes fora desse gênero, como podem servir de exemplo Levada de
breca, Bola de fogo, O esporte favorito dos homens, O inventor da
mocidade, entre muitos outros.
Um filme brilhante como Hatari! (1962), por exemplo, segue, na sua
estrutura narrativa, um mesmo tipo de itinerário. Se em Rio Bravo os
personagens esperam e, durante a maior parte do filme nada acontece de
significativo, em Hatari!, eles também estão sempre a esperar pela
próxima caçada, e é na espera que o cineasta aproveita para estudar a
índole comportamental humana. Hatari!, que foi visto como mera fita de
aventuras, é, na verdade, uma obra grandiosa, inteligente, e que
propicia, ainda, o prazer do cinema, o que tem se tornado um fato raro
na mediocridade contemporânea que confunde obscuridade com profundidade.
Uma vez, Jean-Luc Godard, desconstrutor do cinema nos anos 60,
realizador admirado e considerado de vanguarda, respondendo a um
repórter acerca do que era o cinema respondeu-lhe: O cinema é Howard
Hawks. Anos antes tinha dito que 'o cinema é Nicholas Ray'. Não se
viaja na maionese quando se está diante de um filme de Howard Hawks. Em Bola de fogo (Ballfire), desse realizador, que tem Gary Cooper e
Bárbara Stanwick nos principais papéis, um grupo de eruditos se encontra
há anos trancado numa casa com o objetivo de elaborar a mais perfeita
das enciclopédias, quando, de repente, uma mulher, fugindo de uma
confusão que envolve gangsteres, encontra nela um refúgio. Esfuziante,
bela, termina por se fazer apaixonar por Gary Cooper. A mulher, aqui, é
elemento deflagrador de uma reviravolta na vida dos sábios.
Ver Hawks é essencial! Infelizmente existem poucos 'hawks' disponíveis
em locadoras, mas nas televisões por assinatura de vez em quando um
deles se apresenta para o prazer do cinéfilo. Já Rio Bravo, cujo
título em português deve ser desprezado - Onde começa o inferno, tem
em dvd e a cópia é das mais luminosas, conservando, como é justo e
correto sem atentar contra a integridade da obra cinematográfico, o
formato original pelo qual foi visto nos cinemas. Esse filme, uma
obra-primíssima, é considerado como um dos maiores filmes de todos os
tempos, chegando mesmo, numa lista definitiva solicitada pela Folha de
S.Paulo a críticos do mundo inteiro, Inácio Araújo encimá-lo como seu
filme preferido. O western em Hawks segue um itinerário, uma
trajetória, um percurso: Rio Vermelho (1948), com John Wayne e
Montgomery Clift, Rio Bravo, com Wayne e Dean Martin, Eldorado
(1965), com Wayne e Robert Mitchum e, como canto de cisne, obra
crepuscular, Rio Lobo (1970). Eldorado é uma refilmagem disfarçada
de Rio Bravo, mas, mesmo, assim, filme de brilhantismo assegurado,
ainda mais quando se tem presente a figura emblemática do 'sonolento'
Mitchum, que a crítica tanto desprezou quando atuava, chamando-o de
canastrão e não sabendo vê-lo como um tipo, uma personalidade, um
emblema.
Quem nunca o viu, deve ir correndo a uma locadora para alugar. Quem já o
viu, que o reveja. Ou mesmo, porque vale a pena, compre-o pela internet
nos melhores sites do ramo.
Cliquem na imagem para vê-la ampliada
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2 comentários:
Muito bom seu comentario, Andre Setaro. Assisti ano passado e agora consegui localizar melhor o filme em minha mente. Parabens.
Desculpe-me pelo sumiço. Estava enrolado com o lançamento de dois livros.Mas já estou de volta! RIO BRAVO é uma maravilha. Como esquecer Brennan e Angie Dickinson?
O Falcão Maltês
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