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04 junho 2011

Camões em baixa

Não é à toa que o Ministério da Educação (MEC), através de seu ministro Fernando Haddad, autorizou que fossem distribuídos milhares e milhares de exemplares de um livro didático que afirma que é certo se falar errado. A cultura literária de há muito que já foi para o beleléu. Ninguém mais se interessa pela literatura, ao contrário do que diz uma reportagem de capa recente da Veja. Qual o jovem de hoje que decide encarar Os irmãos Karamazov, de Fiodor Dostoievski? Quando estudante secundarista, em meados do século passado, meus colegas eram leitores vorazes não somente de literatura como, também, de obras filosóficas, sociológicas etc (Marcuse, Marx, Caio Prado, Celso Furtado...). Mesmo aqueles, e toda regra tem as suas exceções, não é mesmo? que não gostavam de ler - ou liam pouco, para não passar constrangimento entre seus colegas, sobraçavam livros. Mas aqui vai um exemplo de uma aluna universitária que diante de uma questão numa prova para a interpretação de um texto de Camões:



           Amor é fogo que arde
            sem se ver,
            é ferida que dói e não se sente,
            é um contentamento descontente,
            dor que desatina sem doer.”
            Uma vestibulanda de 16 anos deu a sua interpretação :

             “Ah, Camões!, se vivesses hoje em dia,
             tomavas uns antipiréticos,
             uns quantos analgésicos
             e Prozac para a depressão.
             Compravas um computador,
             consultavas a Internet
             e descobririas que essas dores que sentias,
             esses calores que te abrasavam,
             essas mudanças de humor repentinas,
             esses desatinos sem nexo,
             não eram feridas de amor,
             mas somente falta de sexo !”

A vestibulanda ganhou nota DEZ: pela originalidade, pela estruturação dos versos, das rimas insinuantes, e também foi a primeira vez que, ao longo de mais de 500 anos, alguém desconfiou que o problema de Camões era apenas falta de mulher.

Bata-me, correndo, um abacate!

4 comentários:

otto.br@gmail.com disse...

André, para quem posta sobre a falta de leitura deveria fazer uma mea-culpa.
Acho que você não leu as páginas 14 e 15 do citado livro, que o MEC distribuiu.
Pelo que nota-se você reproduz apenas o que viu no Jornal Nacional. Uma matéria - mal feita, por sinal - que não esclarece, só ataca.
Em primeiro lugar, o livro destina-se ao EJA - Educação de Jovens e Adultos, i.é, um público que não teve acesso a educação formal, no momento desejado. O livro atende perfeitamente ao seu objetivo. É um material didático dos melhores que já vi para o processo de alfabetização.
Em segundo, não há em nenhum momento a intenção de ensinar a falar errado. Mas, apenas de mostrar que existe uma maneira de falar (mais comum do que se imagina) que pode ser inadequada a determinadas situações. Quando a mocinha na novela (no capítulo que foi ao ar, logo após a primeira matéria sobre o caso, no Jornal Nacional) diz 'Vamos tentar se entender', ela não está de acordo com a NORMA CULTA DA LINGUA PORTUGUESA, no entando NAO ESTA FALANDO ERRADO.
Temos variações geograficas, temporais, sociais, entre outras, no falar. Não quer dizer que exista uma certa e uma errada. Para isso que existem gramáticas: para oferecer um padrão da língua. Não para ditar o certo e o errado.
O carioca tem um jeito de falar, o gaúcho outro, o baiano outro, e o mineiro também. Cada um com sua peculiaridade.
Para você que gosta de literatura, aí vai:

"A língua sem arcaísmo. Sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos".
Oswald de Andrade

Não tenho nada a ver com o governo Lula, nem com os autores do livro. Sou apenas um jornalista, que se sente muito decepcionado em ver um comentário - desinformado - em blog tão interessante como este. Reproduzindo a lógica de uma mídia que domina mentes e corações de uma maneira jamais vista em nenhum outro lugar do mundo. Acho que você deveria rever os seus conceitos, para fazer o seu trabalho melhor ainda. Parabéns pelo blog.

André Setaro disse...

Você puxou as minhas orelhas. Vou procurar localizar o livro. Mas as orelhas já estão puxadas. Obrigado.

A.C. disse...

André, Nabokov era um crítico literário e estilista da língua que, por isso mesmo, não suportava Dostoiévski.

Lima Barreto era outro tido como desleixado no Brasil.

Se não fossem os "politicamente incorretos" ("linguisticamente incorretos") do Modernismo, dificilmente haveria Graciliano, Clarice, Drummond, Murilo Mendes,...

Ou seja, estariam atrofiados no parnasianismo.

Camões é fantástico em seu contexto. Mas, provavelmente, consideraria Fernando Pessoa um desleixado.

Muitos formalistas consideraram Rossellini um "porco" na expressão, assim como Nicholas Ray e sua estruturação de obra antinaturalista e antiestruturalista, pois que esperavam por mais um cinema ao estilo John Huston, por exemplo.

Ray e Rossellini influenciaram Godard... A língua não pode ser vista em um molde. Isso trava desenvolvimentos, castra, cria amarras, ou supervaloriza somente advogados e pessoas preocupadas com as burocracias de expressão, sobretudo no Brasil.

Neuzamaria Kerner disse...

André,

Também escrevi no meu blog sobre o "famoso livro" sem lê-lo (ainda). Sei que há mil opiniões embasadas nos melhores linguistas e gramáticos conhecidos - pelo menos por quem cursou a faculdade de Letras - a respeito do assunto.

Li a opinião do jornalista que citou Oswald de Andrade (que não precisou fazer prova de redação). Também já DEI aula no EJA (professor tem que vender e não dar aula)e vi a contradição que se instala porque é preciso entender os porquês de quem fala em desacordo com o que a gramática receita, mas o objetivo do MEC é dar oportunidade a todos para fazer os vestibulares e enem's da vida. Qual a língua que cobram nessas provas? Então precisamos de provas diferentes: pra quem domina e pra quem não domina a norma culta. Temos uma língua plural e precisamos de avaliações plurais também. Qual língua devemos ensinar para unificar o idioma?
Na verdade a briga é mais política do que pedagógica; a briga é mais indo na onda do preconceito linguístico e do que é politicamente correto.

Sobre a redação da moça, já a li pela internet. Acho que mereceu nota 10, de verdade. MAS COM AS REGRAS QUE OS CORRETORES DE REDAÇÃO TÊM PARA AVALIAR, ESTA É "INACEITÁVEL", NOS DIAS DE HOJE, PORQUE É EXIGIDO UM TEXTO DISSERTATIVO-ARGUMENTATIVO (em prosa).

No mais, não puxo suas orelhas nem olho se você tem olheiras. Seu blog é bom de qualquer jeito e continue escrevendo, ou advogando, sobre cinema.

Abração
Neuzamaria Kerner