Talvez o melhor filme de Billy Wilder seja Se meu apartamento falasse (The apartment, 1960), uma obra-prima indiscutível que é uma sátira à engrenagem capitalista para se vencer na vida a qualquer preço, custe o que custar. Mas não por ser uma sátira ou qualquer justificação desse tipo pode explicar o valor deste filme maravilhoso. O seu valor se encontra justamente, e vamos repetir de novo, na maneira fluente de Wilder manejar os elementos da linguagem cinematográfica. As pessoas possuem a mania de dar valor a um filme apenas se o tema for nobre, desconsiderando - por ignorância - que o cinema, antes de ser um espetáculo, é uma linguagem. Na foto que está postada (e é bom que se clique nela para vê-la maior em outra janela), Billy Wilder conversa com a deliciosa Shirley MacLaine num intervalo das filmagens de The apartment.
Jack Lemmon é um funcionário de uma companhia de seguros que, solitário, mora sozinho num apartamento alugado em Nova York, e o empresta a colegas de trabalho para que eles levem suas amantes com o objetivo de ascender no plano de carreira. Para isso, sai do escritório mais tarde ou fica fora de casa esperando que seus colegas deixem vago o apartamento. Um belo dia, vem a prestar atenção à bela ascensorista da empresa intepretada por Shirley MacLaine e, aos poucos, se apaixona, sem saber que ela é amante do chefão da companhia (Fred MacMurray). E as coisas se complicam, pois este é casado e também frequentador do seu apartamento. No final, a decisão entre o sucesso na empresa e o amor ao pobre funcionário.
Nas comédias americanas dos anos 50, especialmente as de Billy Wilder e Frank Tashlin (ou, mesmo, George Cukor - vide o extraordinário Adorável pecadora/Let's make love, 1960, com Marilyn Monroe e Yves Montand), há sempre o elogio do amor em detrimento do sucesso profissional. Em Em busca de um homem (Will success spoil Rock Hunter?, 1957), de Frank Tashlin, por exemplo, um executivo larga tudo para se dedicar à sua vida rural e pacata, a cultivar rosas, sua mania e realização. Em A senhora e seus maridos (What a Way to Go! 1964), de J. Lee Thompson, MacLaine, depois de se casar com muitos milionários, termina com Dean Martin, um antigo pretendente que se une a ela para viver numa roça criando galinhas.
Há influência, sem desmerecer The apartment, de Will success spoil Rock Hunter? sobre The apartment, que foi realizado três anos depois do filme de Frank Tashlin. A conquista da chave do banheiro exclusivo (um grande momento com Tony Randall em Rock Hunter) também se repete em Se meu apartamento falasse. I.A.L. Diamond e Billy Wilder, os roteiristas deste, devem ter visto com muito prazer o filme de Tashlin e, não se pode negar, copiaram algumas sugestões do argumento. Como o mestre Hitchcock também assim agiu em relação ao clima do hotel e à sua atriz (Janet Leigh) de A marca da maldade (Touch of evil, 1958), de Orson Welles, para a criação da atmosfera (e com a mesma atriz) do consagrado Psicose. Influências geram influências. É normal e não causa demérito a nenhum dos filmes citados.
10 comentários:
Acompanho as postagens deste blog com a atenção de quem gosta de aprender sempre. Por acaso, tenho o Entretenimento Inteligente: o cinema de Billy Wilder, livro editado pela UFMG,2004. No capítulo dedicado a Some Like It Wilder, a autora, jornalista e professora de cinema, incia com uma citação preciosa do Billie Wilder: " quero que me conheçam com um cínico, com uma língua viperina".
Lendo o livro e o Blog não há como não querer rever os filmes comentados. Há nos anexos um competente levantamento das fichas técnicas de cada filme que associados com a obervação arguta do realizador deste Blog, oferece não só elementos para o cinema de Billie Wilde como uma crítica ácida a sociedade americana.
Revi um dia desses e vou fazê-lo de novo em breve. Cada nova exibição descubro,maravilhado, nuances do ótimo roteiro, dos diálogos inteligentíssimos, da refinada utilização do som e da imagem ( vide o "tiro" que Lemmon dispara - na cabeça ? -atrás da porta na solitária noite de Natal...). Contrariando o título em português, o apartamento de Wilder e Diamond fala e nos diz coisas admiráveis sobre a arte do cinema.
Os finais de Billy Wilder merecem um livro, pois são fechos de grande inteligência. Em 'The apartment', Lemmon e MacLaine sentam-se para terminar um jogo inacabado de baralho, em 'Irma, la douce', o 'mas é outra história' dito por Moustache, em 'Some like it hot', o genial 'ninguém é perfeito' etc.
Vi, maravilhado, 'A vida secreta de Sherlock Holmes', quando Wilder consegue ser mais hitchcockiano do que o próprio Hitch.
Samuel (Billy) Wilder, quando fugia do nazismo iniciou sua carreira fantástica.
Nos primeiros anos em Hollywood, trabalhou como roteirista e escreveu, entre outros, "Ninotchka" (1939); "Pacto de sangue" (1944), "Farrapo Humano"(1945); "The Lost Week-end" (1945), que ganhou o Oscar de melhor direção e roteiro.
Na década de 1950 iniciou na direção com "Sabrina".
Daí em diante foram prêmios e excelentes direções, as quais você cita muito bem na sua postagem.
A sensibilidade de Billy Wilder ao tratar dos personagens e situações chegam a um ponto extremo que, aliadas ao rigor da direção e da fotografia esplêndida, criam uma das atmosferas mais deliciosas que já tive o prazer de presenciar. Uma obra-prima de Billy - pra mim, o seu segundo melhor, depois de Sunset Boulevard.
Sim, Alexandre Macedo, você tem toda razão.
Concordo com todos os posts acima. Billy Wilder deixou uma obra marcante que vai desde Crepúsculo dos Deuses até Sabrina.
Além disso, em O Pecado Mora ao Lado, registrou uma das cenas mais sensuais do cinema, o vento do bueiro do metrô levantando o vestido branco de Marilyn Monroe. Inesquecível!
É meu favorito dele.O que foi confirmado em uma recente revisão.
Meu caro Luiz Mario. Você escreveu: "Billy Wilder deixou uma obra marcante que vai desde Crepúsculo dos Deuses até Sabrina."
E o que vem depois de "Sabrina" feito em meados dos anos 1950? "Se meu apartamento falasse" é, por exemplo, de 1960, cinco anos depois de "Sabrina". Depois deste, é que a comédia wilderyana toma fôlego com a parceria de I.A.L. Diamond: "Some like it hot", "Cupido não tem bandeira", "Irma la douce", "Beija-me idiota", etc.
Caro Setaro,
ao citar esses dois filmes, quis apenas mostrar o amplo espectro da obra de Wilder. Não tinha nenhuma conotacão cronológica. Reafirmo, a obra desse diretor é marcante do início ao fim.
Abs
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