Cineasta de rara inventividade no tratamento de seus temas, cuja crueldade vem muitas vezes na maneira pela qual estabelece a sua mise-en-scène, Roman Polansky pode ser considerado um dos mais insólitos realizadores cinematográficos do último quartel do século passado. O Pianista (The Pianist), traz à cena o seu nome e atesta a maturidade de um autor quase que no outono da existência. Filme maduro e, por vezes, cruel, The Pianist tem uma correção que não admite sucumbir aos desvãos da pós-modernidade ou nos capítulos trânsfugas das inovações retrógradas – vide o dogmatismo dinamarquês e suas desabusadas manifestações ou as gramas innarriturianas. Aqueles que criticaram Polansky quando este ganhou a Palma de Ouro em Cannes dada a O Pianista, considerando-o certinho demais, são os mesmos que solicitam do cinema não o espetáculo que envolve, aprofunda e traz reflexão, mas o supérfluo das câmeras planosequênciais, da prótese suja como manifestação de autoria e de rebeldia.
Realizador à primeira vista prolixo, Polansky, no entanto, ainda que tenha percorrido vários gêneros, é um autor, pois em cada um de seus filmes há uma gota de sangue de seu pretérito sofrido, maculado, esmagado, mas que ele, sempre confiante, soube ultrapassar os obstáculos e, otimista, apesar de tudo, seguindo, sempre, em frente. É verdade que a segunda fase de sua obra não apresenta o mesmo impacto da primeira, aquela dos tempos de A faca na água, Repulsa ao sexo, Armadilha do destino, O bebê de Rosemary, Chinatown, O inquilino e, ainda, um extraordinário, e mal visto, MacBeth, que, sem medo de errar, poder-se-ia dizer que melhor que a versão que Orson Welles fez em 1948. Aliás, Polansky, numa entrevista a Jô Soares, quando aqui esteve para lançar Busca frenética, disse que os dois filmes que mais o influenciaram foram 8 e meio, de Federico Fellini, e MacBeth, de Orson Welles.
Mas o admirador confesso veio superar o mestre com a sua admirável, e, mais uma vez, pouco reconhecida, adaptação do clássico de William Shakespeare. Revisitando-se sua obra, a constatação de pontos comuns, de constantes temáticas, evidencia-se: a claustrofobia, o homem sempre acossado por circunstâncias indecifráveis, a insistente crueldade na visão ácida da condição humana, os desvãos do inconsciente, os entrechoques amorosos, a mulher sempre rainha, bela e sedutora, sedutora e bela, um certo ‘non sense’ na apreciação do ato de viver, a violência como mola propulsora para o estabelecimento do poder, a narratividade circular, em alguns filmes (A faca na água’, Chinatown...) onde ao invés de um desfecho se estabelece um impasse numa espécie de eterno retorno. E a perversidade e suas variantes. Polansky vê o homem com um olhar amargo, achando-lhe, a depender das circunstâncias, um potencial enorme de perversidade.
P.S: Uma vez, nos idos dos anos 70, mais precisamente em 1973, estando no Campo Grande com um amigo, li, num jornal, que Roman Polansky estava em Salvador e hospedado no Hotel da Bahia. Perto da hospedagem do autor de Rosemary’s Baby, decidimos, eu e este colega, adentrarmos no hotel à sua procura. Não precisamos ter trabalho na busca, pois, assim que entramos no saguão, avistamos Polansky na pergola da piscina tendo, a seu lado, Jack Nicholson. Aproximamo-nos com certo receio – estava na flor da juventude e, neste período, tudo é encantamento e novidade. Tive a iniciativa de falar com Nicholson em francês – estudava, desculpem a modéstia, na Alliance Française – e trocamos algumas frases. Ele, muito simpático e receptivo, estava quase careca, porque criando o cabelo para o penteado do personagem que faria em Chinatown, deslumbrante filme noir, o primeiro a revisar o gênero quando ainda não se fazia isto. Polansky nos olhava calado. Acenava, apenas, com a cabeça. Um fotógrafo da Tribuna da Bahia, jornal onde escrevia uma coluna, estava a os acompanhar. Disse-me que estavam ali esperando que a namorada de Polansky descesse do apartamento. O fotógrafo, que era Lázaro Torres, seria o cicerone para um passeio a Arembepe, que os dois manifestaram desejo de conhecer e que, na época, era um ‘must’, um ‘point’, uma aldeia hippie famosa no mundo inteiro e que tinha um insólito relógio solar. Quando Polansky, também falando em francês, começou a conversar sobre o filme que ia fazer, uma ‘louraça’ – fillet-mignon mesmo – apareceu na pergola. E se foram embora, deixando-nos a ver navios.
2 comentários:
É, o Polanski é quase completo: além de genial, vive acompanhado das mulheres mais sensacionais do mundo, haha.
Outro dia peguei na locadora do 'Estação Botafogo' e revi "A dança dos Vampiros" (The Fearless Vampire Killers - Inglaterra - 1967).
Talvez o melhor "terrir" que jamais vi. Eu pelo menos, acho que é páreo duro com "Jovem Frankenstein" de Mel Brooks, mas, no fundo no fundo eu elejo ele!
Ponto para Polansky.
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