Publico, aqui, texto lúcido e coerente que me foi enviado pelo cineasta Tuna Espinheira que é de autoria do intelectual e escritor Alexei Bueno. Abrindo as devidas e necessárias aspas:
"O recente episódio do processo intentado contra a Editora Aprazível, em seu livro sobre o fotógrafo José Medeiros, em que representantes legais dos herdeiros de Manuel Bandeira, em verdadeira aberração postulatória, reivindicaram – e ganharam em primeira instância – o direito a retirar de circulação um livro imenso, no meio do qual há uma foto do poeta, em meio a outras pessoas, e ainda receberem indenização, é um marco do ponto a que chegou a aberração do infame conceito de “direito de imagem”, que transforma grandes figuras da nacionalidade, homens de imagem pública e notória, que como homens públicos voluntariamente viveram, em algo como marcas de roupas e refrigerantes.
Antes disso outra aberração, talvez ainda maior, foi intentada contra os proprietários do belo curta metragem “O poeta do Castelo”, realizado por Joaquim Pedro de Andrade e produzido por Fernando Sabino. Sem sequer entrar no mérito de que Manuel Bandeira nem viúva deixou, nem filhos teve, é bom lembrar que Joaquim Pedro era filho de seu maior amigo, Rodrigo Melo Franco de Andrade. Quando o poeta acedeu ao desejo do jovem cineasta de ser retratado em seu curta, ele obviamente doou a sua imagem, a sua participação, ao cineasta. Reivindicar “direito de imagem” sobre esse curta-metragem, mais de quatro décadas depois, é mais ou menos como se algum sobrinho do saudoso Maurício do Valle processasse os herdeiros de Glauber Rocha por sua participação nos quatro filmes do genial cineasta em que ele atuou. Há um princípio jurídico de grande importância, o da razoabilidade, que está sendo atropelado por todas essas aberrações. E mais: um sinal óbvio de civilização são os limites à propriedade, em nome do bem comum, inclusive o bem cultural. Maior exemplo não existe do que o tombamento. Se Ouro Preto não tivesse sido declarada Monumento Nacional nos anos de 1930, todas as suas casas seriam hoje cubos de concreto, com janelas basculantes de vidro blindex! Se há limites de propriedade para os bens físicos, por que não os haveria para bens imateriais, como as obras literárias, às vezes de muito maior importância?
O chamado “direito de imagem” representa a própria morte da cultura. Como, numa foto coletiva, às vezes com dezenas de pessoas, não se expor, ao publicá-la, à ânsia argentária de algum sobrinho-bisneto de um grande homem? Uma jurisprudência sórdida está sendo criada. E o pior, enquanto o direito à obra literária chega a 70 anos após a morte do autor, esse conceito vago de “direito de imagem” - que não significa nada e pode por isso mesmo significar tudo – não tem prazo de validade! O autor destas linhas, por exemplo, é 11º neto do célebre Anhanguera. Juridicamente, quem sabe, poderia processar algum livro didático que reproduzisse um retrato supositício de seu antepassado, morto há mais de três séculos! Como poderão trabalhar dessa maneira os críticos, os iconógrafos, os antologistas, os documentaristas?
E para escárnio maior, os responsáveis por tais processos dizem querer proteger Manuel Bandeira dos “aproveitadores”, que devem ser, provavelmente, os falecidos Joaquim Pedro de Andrade, José Medeiros e Fernando Sabino, ou os excelentes editores do livro sobre José Medeiros. Até onde vai tudo isso? Se para bens físicos pode haver o tombamento ou a desapropriação, nada se pode fazer em relação a imagens públicas de homens públicos? Pode a cultura de algum país civilizado ser entregue à chicana dos rábulas, descumprindo de forma evidente o que seria a vontade dos autores, se vivos fossem? Onde fica a razoabilidade? Onde fica a cultura brasileira em tudo isso? Entregue aos rapaces ou às mediocridades ávidas de exercer poder? Que este texto sirva como um manifesto, a conclamar todos os que trabalham com e pela cultura no Brasil"
Antes disso outra aberração, talvez ainda maior, foi intentada contra os proprietários do belo curta metragem “O poeta do Castelo”, realizado por Joaquim Pedro de Andrade e produzido por Fernando Sabino. Sem sequer entrar no mérito de que Manuel Bandeira nem viúva deixou, nem filhos teve, é bom lembrar que Joaquim Pedro era filho de seu maior amigo, Rodrigo Melo Franco de Andrade. Quando o poeta acedeu ao desejo do jovem cineasta de ser retratado em seu curta, ele obviamente doou a sua imagem, a sua participação, ao cineasta. Reivindicar “direito de imagem” sobre esse curta-metragem, mais de quatro décadas depois, é mais ou menos como se algum sobrinho do saudoso Maurício do Valle processasse os herdeiros de Glauber Rocha por sua participação nos quatro filmes do genial cineasta em que ele atuou. Há um princípio jurídico de grande importância, o da razoabilidade, que está sendo atropelado por todas essas aberrações. E mais: um sinal óbvio de civilização são os limites à propriedade, em nome do bem comum, inclusive o bem cultural. Maior exemplo não existe do que o tombamento. Se Ouro Preto não tivesse sido declarada Monumento Nacional nos anos de 1930, todas as suas casas seriam hoje cubos de concreto, com janelas basculantes de vidro blindex! Se há limites de propriedade para os bens físicos, por que não os haveria para bens imateriais, como as obras literárias, às vezes de muito maior importância?
O chamado “direito de imagem” representa a própria morte da cultura. Como, numa foto coletiva, às vezes com dezenas de pessoas, não se expor, ao publicá-la, à ânsia argentária de algum sobrinho-bisneto de um grande homem? Uma jurisprudência sórdida está sendo criada. E o pior, enquanto o direito à obra literária chega a 70 anos após a morte do autor, esse conceito vago de “direito de imagem” - que não significa nada e pode por isso mesmo significar tudo – não tem prazo de validade! O autor destas linhas, por exemplo, é 11º neto do célebre Anhanguera. Juridicamente, quem sabe, poderia processar algum livro didático que reproduzisse um retrato supositício de seu antepassado, morto há mais de três séculos! Como poderão trabalhar dessa maneira os críticos, os iconógrafos, os antologistas, os documentaristas?
E para escárnio maior, os responsáveis por tais processos dizem querer proteger Manuel Bandeira dos “aproveitadores”, que devem ser, provavelmente, os falecidos Joaquim Pedro de Andrade, José Medeiros e Fernando Sabino, ou os excelentes editores do livro sobre José Medeiros. Até onde vai tudo isso? Se para bens físicos pode haver o tombamento ou a desapropriação, nada se pode fazer em relação a imagens públicas de homens públicos? Pode a cultura de algum país civilizado ser entregue à chicana dos rábulas, descumprindo de forma evidente o que seria a vontade dos autores, se vivos fossem? Onde fica a razoabilidade? Onde fica a cultura brasileira em tudo isso? Entregue aos rapaces ou às mediocridades ávidas de exercer poder? Que este texto sirva como um manifesto, a conclamar todos os que trabalham com e pela cultura no Brasil"
2 comentários:
É uma aberração mesmo, caeo Professor.
Se o filme foi realizado com o personagem ainda vivo, jamais alguem pode processar o realizador.
Sei disso porque, publicitário que sou, sempre tomávamos todos os cuidados neste delicado campo.
O trecho em que você diz: "... ele obviamente doou a sua imagem, a sua participação, ao cineasta..." esclarece bem o assunto discutido nesta postagem.
Setaro, nesse ponto sou obrigado a radicalizar: bota na geladeira essas celebridades que os familiares transformaram em caça-níquel. Vamos falar sobre Zé Cangão, Maria Esfarrapada, Pedro Beiçola, João Esfola-Bode, Mané Arrupiado e outros grandes personagens da vida real cujas familias não cobiçam viver de sua (deles) "fama".
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