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Quine é um esquecido. Um cineasta importante, talvez não tanto como Frank Tashlin, mas de uma extraordinário mise-en-scène não mais encontradiça na demência cinematográfica contemporânea. Kovacks, mais Lemmon, acrescida de Doris Day, fazem parte de A viuvinha indomável (It happened to Jane, 59), outra comédia, como de hábito, com os atores preferidos, seguindo o estilo de Frank Capra ao contar a história de uma viúva que processa dono de ferrovia que deixa estragar seu carregamento de lagosta. A obstinação da “viuvinha”, da cidadã consciente de seus direitos, faz com que consiga alcançar seu objetivo. Uma obra-prima, em 1960: O nono mandamento (Strangers when we meet), filme de envergadura, reflexão sobre o casamento e a paixão, com uma mise-en-scène capaz de provocar a mais pura estesia em cinéfilos admiradores de um Minnelli e de um Quine. É a expressão mais alta de um estilo cinematográfico, de uma maneira de fazer cinema, com uma fluência narrativa que dá à estrutura dramática um toque de musicalidade explícita. Nesta obra absorvente, Kirk Douglas é um arquiteto casado com Bárbara Rush que se apaixona, num ponto de ônibus escolar, por Kim Novak. O aspecto melodramático é diluído pela intensidade dramática da mise-en-scène.
O mundo de Suzie Wong (The world of Susie Wong, 60), que faz bastante sucesso comercial, mostra o relacionamento entre um americano tranqüilo (William Holden) e uma asiática (Nancy Kwan). É um interregno, uma pausa, para Quine se preparar para uma comédia de humor negro insuperável – e que, infelizmente, não é citada como merece: Aconteceu num apartamento, com, novamente, Kim Novak e Jack Lemmon. Quine fez mais, e filmes inteligentes, bem articulados como Quando Paris alucina e Como matar a sua esposa.
Aconteceu em um apartamento, cujo título em português vem em decorrência do sucesso de Se meu apartamento falasse (The apartment, 1960), de Billy Wilder, pois seu original é The notorius Landlady, prova de que a alusão ao filme de Wilder acontece somente na distribuição brasileira, é comédia notável. Mas não podia esquecer de outra, de rara inspiração, bom gosto, humor, elegância narrativa (característica de Quine), que é Médica, bonita e solteira (Sex and the single girl, 1964), com Tony Curtis, Natalie Wood, Henry Fonda (será que uma preciosidade assim tem em DVD?). Há um filme de Quine que tem um título quilométrico: Coitadinho de papai, mamãe pendurou você no armário e eu estou tão triste (Oh dad, foor dad, mama's hung you in the closet anda I'm feeling so sad, 1967). O seu último filme foi O prisioneiro de Zenda (The prisioner of Zenda, 1979). A mediocridade, imensa, que já se instalava no cinema, afasta Richard Quine, que morre amargurado, a pensar na sua linda Kim Novak, que o tinha abandonado há muito tempo. Perdeu a mulher e o cinema. Mas culpa dos tempos pavorosos que então se instalam.
A imagem é o cartaz de O nono mandamento.
A imagem é o cartaz de O nono mandamento.
3 comentários:
Sem dúvida a trajetória de Quine tem o ponto alto de ter ao seu lado uma preciosidade como Kim Novak, uma das mais belas atrizes de todos os tempos com quem acabou por se casar...
Quanto ao "Prisioneiro de Zenda", a sua versão com Peter Sellers e Elke Sommer, é, na minha modesta opinião, a melhor das três que conheço. Até porque a história tem um lado cômico, que sem dúvida alguma ele soube captar.
Ainda que com méritos, 'O prisioneiro de Zenda' se insere na fase de decadência de Richard Quine, quando já em depressão e fim de carreira e sem a companhia da amada Kim Novak. Segundo li, Quine, desiludido com a vida, deu um belo tiro na cabeça.
No entanto, a versão Selleriana é muito boa e tem uma dose do típico "english humour"... Considero uma obra prima.
Ai, se decadância for assim!
E "O Diabólico Fu Man Chu", também com Sellers (aliás, seu último filme), afinal é direção dele ou não? Há duas versões na "rede".
E concordo com ele. Se a Kim Novak me deixasse eu metia um tiro no queixo no dia seguinte.
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