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24 junho 2009

"Todas as mulheres do mundo", de Domingos Oliveira


Elogio à beleza da mulher amada e ao amor, crônica da vida ociosa de Ipanema e Leblon no ápice de seu encantamento como paraíso da alegria de viver, Todas as mulheres do mundo (1967), de Domingos Oliveira, pode ser considerada como uma das melhores comédias do cinema nacional em todos os tempos. Realizada nos sisudos tempos do Cinema Novo, quando a discussão da problemática do drama do homem brasileiro surgia como preocupação principal dos cineastas, Domingos Oliveira, aqui em sua obra de estréia como realizador, nada contra a corrente e propõe o retrato de uma geração, na sua busca pelo amor, visto no filme como uma necessidade vital. A inspiração, veio-lhe de Leila Diniz (que poucos anos depois se tornaria uma figura emblemática da vida carioca), que fora sua mulher por um tempo, mas houve a separação, dolorosa para Domingos, porque ainda a amava. Segundo declarações do cineasta, Todas as mulheres do mundo é um filme feito com o propósito de reconquistá-la. Se o filme se tornou um êxito, o realizador, porém, não alcançou sucesso no seu objetivo precípuo.
O cinema de Domingos Oliveira é um cinema que reflete as relações afetivas e amorosas. O realizador sabe construir seus textos em função da explicitação dos mistérios do amor. Todas as mulheres do mundo, surpreendentemente em se tratando do primeiro filme de Oliveira, possui uma estrutura narrativa ágil e inteligente, diálogos ricos, engraçados e envolventes. Apesar de uma produção realizada com pouco orçamento, com as locações feitas em casas de amigos e no próprio apartamento do autor, além das externas em pontos do Rio de Janeiro, o filme se realiza dentro das restrições impostas pela produção. Há uma dinâmica rítmica que faz lembrar alguns filmes do inglês Richard Lester nessa fase. O filme revela que Domingos Oliveira estava a par das últimas novidades conquistadas pela linguagem cinematográfica naqueles anos efervescentes dos 60. Assim, materiais de diversas procedências se inserem no desenrolar da narrativa, como livros abertos, desenhos, e uma fala coloquial nova no cinema brasileiro da época.O cineasta, após o sucesso de Todas mulheres do mundo, fez vários outros filmes ainda na mesma década: Edu, coração de ouro (1968), As duas faces da moeda (1969), e, ainda, um documentário sobre um fenômeno da época: É Simonal. (filme pouco referido quando se comenta a filmografia desse realizador) A década de 70 lhe propiciou uma obra atípica: A culpa, entre outras. Depois de um lapso de tempo sem fazer cinema, voltou em 1998 com Amores, que se aplica a tratar do relacionamento amoroso entre os indivíduos, assim como outros que se lhe seguiram: Separações (2002), Feminices (2004), e Carreiras, e Juventude. Todos realizados com pouca verba e no sistema de cotas, compartilhadas pela equipe.
Em Todas as mulheres do mundo, dois amigos se encontram. Um, Flávio Migliaccio, é celibatário, não acredita no amor. O outro, Paulo José, pensa o contrário, e conta a sua história. O filme, portanto, desenrola-se em flash-back, a mostrar o encontro de Paulo com Leila Diniz, que vem a conhecer numa festa. O filme é o retrato apaixonado do relacionamento dos dois: o cotidiano deles, suas brigas e separações. Mas o seu amor por ela fez com que ele abandonasse ‘todas as mulheres do mundo.’ É a celebração de Leila Diniz, mulher bela, cativante e de esfuziante personalidade que veio a se tornar uma celebridade dos agitados anos 60. Envolvente, belo, Todas as mulheres do mundo é uma obra que, além de marcar uma época, retratando-a, é também, uma análise arguta e bem humorada dos sentimentos humanos.

7 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Este filme mora no meu coração.
Contemporâneo de Domingos de Oliveira e morador do Rio de Janeiro, poucas vezes assisti uma obra que tão bem reflitisse a realidade do amor (naquela geração em particular) e da carioquice em todas as suas nuances.
E a beleza brejeira de Leila Diniz, uma mulher que marcou sua existência pela audácia em reverter costumes e preconceitos.
Lembro que quando soube de sua tragica morte estava a tomar uns chopinhos no Gardênia, um gostoso barzinho que ficava (não existe mais) na Praça Genaral Osório, e quase chorei. Fui entristecido para casa, entrei ao banheiro. E aí, por alguns instantes verti lágrimas de verdade.
Alguns anos depois, conheci a irmã dela, Angela Diniz era o seu nome, senão me falha a memória.

André Setaro disse...

Quando vi, Jonga, 'Todas as mulheres do mundo', no soteropolitano Tamoio, tão seu conhecido, achei um filme genial, moderno, novo, cheio de invenções. Revi recentemente em DVD e, hoje, é um retrato de uma época, mas, ainda, uma saborosa comédia. E também um exemplo de um cinema com mais frescor que a retomada, a golpes de punhal, matou definitivamente.

Romero Azevêdo disse...

Setaro, lembro que fui barrado no Cine Capitólio quando do lançamento deste filme em CG pelos famigerados "fiscais de menores" que ficavam na porta dos cinemas exigindo documento dos espectadores suspeitos de não ter 18 anos. Eu não tinha e de nada valeram meus argumentos de que aquele filme seria debatido no domingo no cineclube do qual eu fazia parte.Vi anos depois, salvo engano, na Cinemateca do MAM.
Um detalhe interessante: os jovens cineclubistas de hoje(pelo menos os de Campina Grande) têm em Domingos de Oliveira um modelo a ser seguido. Outro dia um desses jovens me disse que as discussões propostas por "Todas as mulheres..." são bem mais estimulantes que as questões agrárias do Cinema Novo. Não é que não gostem do CN, apenas preferem como modelo a ser seguido a comédia urbana de Domingos.

André Setaro disse...

Na década de 60, os debates sobre os filmes eram muito frequentes. Ficou na história da província o que aconteceu após a primeira exibição de 'Terra em transe", em junho de 1967, no acanhado cinema soteropolitano chamado Popular. Platéia cheia, anunciou-se que ia haver um debate no auditório do 'Jornal da Bahia' na Barroquinha. Terminada a sessão, todos foram em grupos para o local indicado. O auditório lotou. O filme, polêmico, não agradou a gregos e troianos e os oradores se revezavam com ênfase, com argumentações. E com intensa participação da platéia, com as pessoas ansiosas para falar, para também dar uma opinião. Iniciado por volta das 22 horas, o debate somente acabou com o amanhecer do dia.

Interessante observar que não há mais condições de haver um debate tão caloroso como este. Se, por acaso, houvesse alguma tentativa, as pessoas, terminado o filme, iriam embora para seus afazeres e uns gatos pingados compareceriam.

Noutra ocasião, em um debate sobre cinema, elogiei 'Noite vazia', de Walter Hugo Khoury. Todos me olharam estupefatos. "Mas como, Khoury é um cineasta burguês, e nada tem a ver com o cinema que pretendemos". "Você não passa de um burguês enrustido", disse-me um deles, dedo em riste.

Hoje você fala o que quiser e ninguém se importa com mais nada.

Jonga Olivieri disse...

Este debate acho que foi um em que o Salomão (Baurú) levantou-se e disse alguma coisa que não me lembro exatamente, mas foi muito engraçada.

Gostei de seu comentário acima quando diz que Todas as Mulheres do Mundo "... hoje, é um retrato de uma época, mas, ainda, uma saborosa comédia (...) exemplo de um cinema com mais frescor que a retomada, a golpes de punhal, matou definitivamente."

André Setaro disse...

Você, Jonga, viu 'Terra em transe' no Popular prestar a partir em disparada a fugir da perseguição implacável

Jonga Olivieri disse...

Ê memória... não lembrava que isso foi foi às vésperas de minha súbita saída da Bahia para o asilo político na Embaixada do Uruguai?
Mas falar em memória, eu não tenho certeza se o citado no "Jornal da Bahia" (eu estava lá) foi o tal em que o Salomão levantou-se irritado disse algo como: "Quem não entendeu é burro e tá acabado"* com aquele voz cavernosa dele?
Aliás, lembro também de um outro debate (ali perto da UFBA) em que um sujeito baixinho levantou e com uma voz empostada (altíssima) fez um aparte.
Era o Othon Bastos.

(*) Não posso afirmar se as palavras foram essas, mas garanto que o sentido era.