Cartaz japonês (ou será que é chinês) de Teorema, de Pier Paolo Pasolini, que mostra a esplendorosa diva do cinema italiano Silvana Mangano. Este filme, quando lançado na segunda metade da década de 60, provou frisson, a despertar, aqui e ali, polêmicas. A família burguesa de um industrial (Massimo Girotti) recebe o comunicado da chegada de um anjo (Terence Stamp). Estabelecido este no seio familiar, tem início, então, a um processo de desintegração. O anjo tem relações carnais com todos os elementos da casa, inclusive com a empregada (Laura Betti). A estrutura narrativa obedece ao arquétipo do elemento deflagrador, quando um personagem desconhecido chega a determinado lugar e provoca transformações, a causar uma espécie de desintegração de certos preceitos estabelecidos. Vê-se isso, e para ficar em poucos exemplos, em filmes dos mais variados gêneros e dos mais diferentes autores. Em Os brutos também amam (Shane, 1953), de George Stevens, clássico do western, o pistoleiro interpretado por Alan Ladd surge, de repente, e sua presença vem como um justiciamento para uma terra sem lei. William Holden em Férias de amor (Picnic, 1956) também abala preconceitos arraigados com a sua chegada e a sua presença viril. Geralmente esses personagens chegam e vão embora a deixar, com suas presenças, uma marca para nunca mais ser esquecida. Vê-se também o elemento deflagrador, como mola propulsora do processo de esfacelamento, em filmes baianos, como é o caso de O anjo negro (1973), de José Umberto, quando um negro (Mário Gusmão), tal qual o anjo pasoliniano, chega não se sabe de onde e provoca uma aguda crise de identidade numa família colonial e barroca.
A família de Teorema é constituída de um pai, uma mãe (Silvana Mangano), e dois filhos: um homem e uma mulher, além da empregada. Após a carnal knowledge com o filho, este entra em conflito e começa a pintar quadros abstratos. A filha entra em estado de catatonia. A mãe sai, pelas ruas de Roma, à procura de amantes numa sede de sexo insaciável. O industrial, o chefe da família, doa a sua fábrica aos operários e corre nu, e desesperado, pelo deserto. A única que se salva, por assim dizer, é a empregada, que se retira da casa em direção a sua aldeia e entra em levitação, admirada como santa pelos habitantes do lugarejo.
Teorema foi realizado logo depois de O evangelho segundo São Matheus, que pode ser considerado um dos mais belos filmes sobre a vida de Cristo. A crítica ficou perplexa pela beleza de suas imagens e também pelo fato de Pasolini, marxista convicto, materialista, ter feito um filme de tanta religiosidade, dedicado, inclusive, ao Papa João XXIII, idealizador da reforma da Igreja com o Concílio do Vaticano dos anos 60.
A escrita pasoliana é muito original e dotada de uma grande sensibilidade na apreensão dos gestos insólitos do homem do povo, dos párias da vida.
6 comentários:
"Teorema" também é para mim inesquecível.
"O evangelho segundo Mateus" (Il Vangelo Secondo Matteo), porque na verdade Pasolini por não ser da Igreja "Universal" Apostólica Romana, e apesar de sua admiração pela personalidade de João XXIII* não o chamou --aliás, corretamente-- de "são".
(*) Também acho que João XXII exerceu um grande reinado ao derrubar tabus da "medieva" entidade religiosa. Talvez o único que admirei neste século em que tivemos "canatrões" como João Paulo II e canalhas como Pio XII.
Houve um, que supõe-se foi assassinado, porque prometia ser um outro grande papa: João Paulo I, cujo reinado foi muito curto...
Setaro, entra as obras-primas O Evangelho Segundo São Mateus e Teorema, Pasolini fez aquele porre com Totó, Gaviões e Passarinhos. Fez também Édipo Rei, que não vi.
Curiosidade do Imdb: Teorema tem apenas 923 palavras faladas, menos que uma matéria normal de jornal. Engraçado como o cinema pode ser sublime de maneiras opostas, e foi no excesso de palavras que Hawks fez algumas maravilhas do cinema, como Jejum de Amor.
Há alguns trabalhos/estudos, principalmente os relacionados à historiografia, que utilizam os cartões postais como suporte para reconstruir épocas e períodos. Conheço alguns preciosos. Sobre os cartazes de cinema ainda não tive a chance de observar com mais atenção, mas cabe destacar a singularidade das técnicas ( em 1960 utilizava-se os impressos em litografia) e mais recentemente técnicas mais sofisticadas e criativas. O que se apresenta neste post, por si, sugere aproximações da escrita de Pasoline. Tive vontade de buscar os créditos para divulgar a arte destes criadores ocultos.
Assisti há tempos um documentário manifesto sobre o desaparecimento de Pier Paolo Pasoline, esse documentário merecia ser revisto sempre, uma denúncia à intolerância, à discriminação e à homofobia.
Desculpe alongar-me tanto, mas o post provoca. Que viva Pasoline!
Setaro, lamentavel o fechamento do boteco do setaro, gostava muito dos posts. Por outro lado, folgo em saber da demissao de Gazineo, metido em falcatruas e atos secretos, Vixe Maria! Era dado ao abuso verbal de mulheres casadas.
André, você é um dos maiores críticos de cinema que existe nesse país. É uma beleza ler seus textos. Em geral concordo com tudo. Só tenho a reclamar que você não me falou desse blog antes. O descobrir por acaso e não vou deixar mais de visitá-lo. Ricardo Líper.
Obrigado, Ricardo.
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