Seguidores

26 maio 2009

"Estômago": um filme de inusitada importância


Filme admirável, Estômago, de Marcos Jorge, um dos melhores do cinema brasileiro do último decênio. Dificilmente se pode observar uma obra de tanta concisão, um verdadeiro trabalho de relojoeiro do ponto de vista de sua estrutura narrativa, de seu sentido exato da durrée, do conceito de duração das tomadas, da sutileza de seus momentos, de seu humor, de sua observação de pequenos gestos. Vê-se logo que o filme foi pensado antes de ter sido feito, que tem um roteiro extremamente bem estruturado. Com uma narrativa binária, que se desenvolve em dois tempos (a vida de Raimundo Nonato, o personagem principal, interpretação inexcedível do baiano João Miguel, antes da prisão e nesta) simultâneamente, Estômago se desenha no mistério, e é este fio misterioso que provoca a curiosidade sempre crescente do espectador para saber a causa do encarceramento de Nonato.

Apenas dois momentos, que são antológicos, para exemplificar o vigor da mise-en-scène estabelecido pelo movimento de câmera chamado travelling. No banquete dos presidiários, quase já finda a festa, um travelling percorre a mesa que tem um imenso porco cozido em cima dela a mostrá-los a comer com a ânsia dos glutões até parar rapidamente nos carcereiros. A partir daí o travelling se desloca em direção oposta para - o movimento em sentido inverso - revelar o esqueleto do porco já completamente devorado. Em outro momento, de grandeza quase hitchcockiana, um outro travelling, com a câmera na mão, apresenta um desolado Nonato a fritar alhos e ela, a câmera, avança escada acima para penetrar nos aposentos do restaurante e revelar o seu desfecho trágico.


Estômago é surpreendente, quase uma obra-prima. Marcos Jorge é, decidida e inquestionavelmente, um excelente cineasta. Mereceu todos os prêmios que recebeu e ainda deve ganhar.

7 comentários:

Marcelo Miranda disse...

Setaro, nessas discordamos bastante. Não simpatizo quase nada com ESTÔMAGO, em especial porque acho o humor apresentado de uma forma negativamente grosseira, incluindo alguns estereótipos incômodos da figura do nordestino e a pura e simples falta de graça de várias tentativas de piada. João Miguel brilha no papel, mas não consigo enxergar muito mais que isso, menos ainda na direção de Marcos Jorge, da qual não tiro o brilho que você enxergou (e muito bem apresentou, aliás). Acho, em suma, um filme inclusive mal intencionado.

Saymon Nascimento disse...

Depois de algum tempo pensando, o filme começa a incomodar: não aguento mais João Miguel querendo ser um novo Didi Mocó. Seu "baiano" de Zorra Total é extremamente irritante, e o filme ajuda a vender esse estereótipo maus caráter. Não se trata de patrulha politicamente correta, mas de falta de qualidade dramática. O "baiano" só ganha dimensões além do estereótipo reforçando outros piores ainda: de burro, a assassino, a canibal.

André Setaro disse...

Discordo, Saymon, pois a interpretação de João Miguel (que, vim a saber, é filho do deputado baiano Domingos Lionelli) é muito sutil e foge ao estereótipo do tipo 'baiano'. Ele sabe dizer pouco e muito expressar. O filme me envolveu, me divertiu, achei a sua condução narrativa muito inteligente e foge aos costumeiros temas 'nobres' da atual cinematografia brasileira. Mas tudo é uma questão subjetiva, não é mesmo? Marcelo Miranda também não gostou. Que fazer? Oferecer uma feijoada dormida para Marcos Jorge?

Adilson Marcelino disse...

Eu gosto muito do filme, até destaquei no meu programa de rádio em BH sobre cinema brasileiro, e no qual o Marcelo participou.
Faltou vocês todos dizerem de uma coisa que me encheu os olhos quando assistir ao filme:
- a interpretação arrebatadora de Fabíula Nascimento.
Abs
Adilson

Maro Lobo disse...

Estomago é excelente, flerta com o limite do gosto do espectador, entao dificil de aceitar pela maioria. Joao Miguel esta bem no papel. Parece com Leonelli, que ouvi dizer, é maluco. Mas genio mesmo é Paulo Dourado, um cara ainda nao reconhecido pela midia e pelo polvo. Veremos o dia em que a midia vai acordar Paulo Dourado de sua 'siesta', e pedir-lhe opiniao abalizada sobre os mais diversos assuntos. Paulo Dourado é PHD em Teatro.

Anônimo disse...

Ultimamente, os filmes do cinema brasileiro tem sido muito decepcionantes. Estômago é uma honrosa exceção. Um filme inteligente e bem humorado, com um elenco excelente. João Miguel é um dos melhores atores dessa nova safra. Esperamos que o cinema tupiniquim produza mais coisas como essa, sem precisar estar quase sempre associado a Globo Filmes. Estômago demonstra que o cinema brasileiro pode (e deve) fazer bons filmes.

Matheus Trunk
www.violaosardinhaepao.blogspot.com

Anderson disse...

Gostei muito tbm desse filme. João Miguel melhor ator brasileiro em muito tempo, mas quero muito ver um filme com ele sem ser no papel do 'nordestino inocente'. As piadas fellinianas do filme são ótimas, além das mil metáforas com comida que escondem a brutalidade daquela realidade. Filmaço.