O que estava a fazer em Maio de 1968? Tinha, nesta época, 17 anos e 7 meses, pois nasci em meados do século, 12 de outubro de 1950. Era um jovem, portanto, e em condições de ter sido testemunha ocular dos acontecimentos. Mas acontece que restrito à província. As manifestações ocorreram em Paris e nos centros mais civilizados. Mas, apesar de tudo, havia, em Salvador, um clima que não deixava de refletir a mentalidade de uma época, a expectativa de um momento histórico determinado.
Neste "ano que nunca terminou" era estudante secundarista, fazia o segundo ano Clássico no Colégio Central da Bahia, o inesquecível Central. O golpe de 64 ainda dava margem para manifestações e passeatas (como a dos 100 mil realizada no Rio) somente vindo a endurecer de vez a partir de 13 de dezembro de 1968, com o execrável Ato Institucional número 5, que veio a cercear todas as liberdades e impedir qualquer expressão da liberdade. A ditadura brutal, pronta e acabada tem início com o AI 5, que é, a rigor, um golpe dentro do golpe, quando a linha dura militar assumiu de vez o controle da situação.
Os estudantes secundaristas tinham ampla participação nos debates culturais da província. O Central era um pólo aglutinador, fonte das decisões que faziam as passeatas estudantis, que movimentavam o centro histórico da soterópolis. Havia uma consciência política na maioria dos estudantes, que, nas ruas da cidade, protestavam, com panfletos e passeatas contra "a ditadura". Esta, como disse, somente se faria dita e dura a partir de dezembro de 68 com o AI 5 e, portanto, neste ano houve margem, ainda que com os militares no poder, Costa e Silva, para os gritos de revolta.
É bem de ver que os brasileiros viviam sob a tutela dos milicos bem ao contrário dos ventos libertários que sacudiam a Europa e os Estados Unidos. Mas o espírito da época se espalhava pelos centros mais civilizados e um sopro também atingia a velha Salvador.
Os debates culturais eram feitos em mesas de bar. E o cinema tinha uma predominância nos bate-papos. Discutia-se uma nova maneira de as imagens em movimentos ter uma função transformadora. Jean-Luc Godard, com seus filmes renovadores, discutia com seu cinema as contradições da sociedade capitalista com uma visão de mundo particular.
No cinema brasileiro, já se prenunciava, em 1967, com Terra em transe, de Glauber Rocha, e o Tropicalismo, uma nova onda de expressão das idéias políticas e de mudanças no comportamento das pessoas. Tentava-se romper com o pensamento conservador e este rompimento se fazia não somente em termos de hábitos e costumes mas era levado às artes.
A efervescência de 1968, já distante quarenta anos, marca um momento de ebulição como poucas vezes observado no século que passou. Ao contrário da apatia, do desinteresse, do pragmatismo, do consumismo desenfreado, hoje observados, havia brechas para o sonho de mudança e se combatia o marasmo. Na França, a ordem era que a imaginação tomasse o poder. Na velha província, escutava-se os ecos dos comandos libertários, ainda que sem a possibilidade de concretizar a revolta. Mas tudo, é bom de ver, restringia-se a uma elite estudantil e intelectual. O povo mesmo que é bom estava totalmente alheio ao que se passava. Como de hábito.
No Rio, a passeata dos cem mil marcou um grande tento. Houve uma empolgação geral em termos de participação social, da intervenção do homem para fazer emergir um mundo melhor. Mas o caldo de 68 no Brasil veio desaguar no AI 5 e no começo dos anos de chumbo, quando muitos talentos tiveram que sair do país, em exílio doloroso. Ou foram mortos nos porões da ditadura.
Por outro lado, foi durante a pior fase da ditadura que surgiu O Pasquim, que, apesar de severamente censurado, constituiu-se num jornal crítico e irônico como nunca mais se fez algo parecido neste país. Nunca houve uma convergência tão forte de talentos unidos numa causa: a do jornalismo crítico e cultural, bandeira oposicionista do "status quo".
A Universidade teve presença marcante nos debates desse ano efervescente. Os estudantes liam Marcuse, Lucaks, Marx, Graciliano, Joyce, e a arte tinha que ser engajada, comprometida com a transformação da realidade.
1968 foi o ano de O bandido da luz vermelha, carro-chefe do cinema dito "underground", que tentava, numa narrativa anárquica, refletir o caos e a angústia de uma geração. Desespero que influenciou alguns filmes baianos, a exemplo de Meteorango Kik, o herói intergalático, de André Luiz Oliveira, Vôo interrompido, de José Umberto, Caveira my friend, de Álvaro Guimarães.
O teatro baiano participava do grito revolucionário com obras polêmicas que desestruturavam a cena tradicional, como Stop, Stop, de João Augusto, no Teatro Vila Velha, ou Uma obra do governo, de Dias Gomes, em mise-en-scène dilacerante dirigida por Álvaro Guimarães.
Neste "ano que nunca terminou" era estudante secundarista, fazia o segundo ano Clássico no Colégio Central da Bahia, o inesquecível Central. O golpe de 64 ainda dava margem para manifestações e passeatas (como a dos 100 mil realizada no Rio) somente vindo a endurecer de vez a partir de 13 de dezembro de 1968, com o execrável Ato Institucional número 5, que veio a cercear todas as liberdades e impedir qualquer expressão da liberdade. A ditadura brutal, pronta e acabada tem início com o AI 5, que é, a rigor, um golpe dentro do golpe, quando a linha dura militar assumiu de vez o controle da situação.
Os estudantes secundaristas tinham ampla participação nos debates culturais da província. O Central era um pólo aglutinador, fonte das decisões que faziam as passeatas estudantis, que movimentavam o centro histórico da soterópolis. Havia uma consciência política na maioria dos estudantes, que, nas ruas da cidade, protestavam, com panfletos e passeatas contra "a ditadura". Esta, como disse, somente se faria dita e dura a partir de dezembro de 68 com o AI 5 e, portanto, neste ano houve margem, ainda que com os militares no poder, Costa e Silva, para os gritos de revolta.
É bem de ver que os brasileiros viviam sob a tutela dos milicos bem ao contrário dos ventos libertários que sacudiam a Europa e os Estados Unidos. Mas o espírito da época se espalhava pelos centros mais civilizados e um sopro também atingia a velha Salvador.
Os debates culturais eram feitos em mesas de bar. E o cinema tinha uma predominância nos bate-papos. Discutia-se uma nova maneira de as imagens em movimentos ter uma função transformadora. Jean-Luc Godard, com seus filmes renovadores, discutia com seu cinema as contradições da sociedade capitalista com uma visão de mundo particular.
No cinema brasileiro, já se prenunciava, em 1967, com Terra em transe, de Glauber Rocha, e o Tropicalismo, uma nova onda de expressão das idéias políticas e de mudanças no comportamento das pessoas. Tentava-se romper com o pensamento conservador e este rompimento se fazia não somente em termos de hábitos e costumes mas era levado às artes.
A efervescência de 1968, já distante quarenta anos, marca um momento de ebulição como poucas vezes observado no século que passou. Ao contrário da apatia, do desinteresse, do pragmatismo, do consumismo desenfreado, hoje observados, havia brechas para o sonho de mudança e se combatia o marasmo. Na França, a ordem era que a imaginação tomasse o poder. Na velha província, escutava-se os ecos dos comandos libertários, ainda que sem a possibilidade de concretizar a revolta. Mas tudo, é bom de ver, restringia-se a uma elite estudantil e intelectual. O povo mesmo que é bom estava totalmente alheio ao que se passava. Como de hábito.
No Rio, a passeata dos cem mil marcou um grande tento. Houve uma empolgação geral em termos de participação social, da intervenção do homem para fazer emergir um mundo melhor. Mas o caldo de 68 no Brasil veio desaguar no AI 5 e no começo dos anos de chumbo, quando muitos talentos tiveram que sair do país, em exílio doloroso. Ou foram mortos nos porões da ditadura.
Por outro lado, foi durante a pior fase da ditadura que surgiu O Pasquim, que, apesar de severamente censurado, constituiu-se num jornal crítico e irônico como nunca mais se fez algo parecido neste país. Nunca houve uma convergência tão forte de talentos unidos numa causa: a do jornalismo crítico e cultural, bandeira oposicionista do "status quo".
A Universidade teve presença marcante nos debates desse ano efervescente. Os estudantes liam Marcuse, Lucaks, Marx, Graciliano, Joyce, e a arte tinha que ser engajada, comprometida com a transformação da realidade.
1968 foi o ano de O bandido da luz vermelha, carro-chefe do cinema dito "underground", que tentava, numa narrativa anárquica, refletir o caos e a angústia de uma geração. Desespero que influenciou alguns filmes baianos, a exemplo de Meteorango Kik, o herói intergalático, de André Luiz Oliveira, Vôo interrompido, de José Umberto, Caveira my friend, de Álvaro Guimarães.
O teatro baiano participava do grito revolucionário com obras polêmicas que desestruturavam a cena tradicional, como Stop, Stop, de João Augusto, no Teatro Vila Velha, ou Uma obra do governo, de Dias Gomes, em mise-en-scène dilacerante dirigida por Álvaro Guimarães.
Este texto foi publicado originariamente na revista eletrônica Terra Magazine ( http://terramagazine.terra.com.br/)
4 comentários:
Uma época que vivi intensamente... Hoje, com 63, às vésperas de completar 64, participei daquele período ativamente, e você sabe disso, posto que estive aí por terras de Soterópolis, fugindo da repressão.
Tenho um amigo, muito mais novo que sempre diz: “... a década de 60 foi o período mais rico para a cultura da humanidade... Eu gostaria tanto de ter vivido naquela época!” E, claro, referia-se ao cinema, à política e ao espírito libertário de então.
Realmente, uma época para se ter imensa saudade.
Confesso q tenho saudade da eferverscência cultural dessa época, mesmo sem te-la vivido...sei de toda atrocidade, repressão,mas o espirito de união dos jovens, o gosto pela arte, etc, me fascinam...queria eu ter vivido naqueles anos "dourados"... como explicar isso?!?
Caro Setaro, olhando pelo retrovisor descubro, sem assombro, que o fascinio pelos 60 vinha do cinema, da jovem guarda musical, das velhas roupas coloridas, cabelo ao vento, dedo em "V" etc & tal. Mas vinha também da total ausência de contas para pagar, meu velho pai financiando toda minha rebeldia, minha recusa ao sistema opressor e outras mumunhas mais. Como era bom, depois de uma passeata ao som de Vandré, chegar em casa na boca da noite e encontrar aquele prato de sopa quentinho que não me custou nenhum centavo. Barriga forrada, ia ver no cinema( com ingresso pago pelos meus pais) as últimas novidades de Godard e Cia.Tenho saudade sim dos anos 60, os anos da "boca livre"( hoje se diz 0800) na casa dos meus velhos e queridos pais.
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