Publicado originariamente no jornal baiano Tribuna da Bahia em 24.04.2009.
Se você observar bem, vai constatar que a grande maioria dos filmes realizados até meados dos anos 60, do cinema dito comercial, é falado demais, os diálogos são incessantes, todos os personagens parecem que querem dizer alguma coisa ao mesmo tempo. Com o advento do cinema sonoro (27 de outubro de 1927), a estética da arte muda foi completamente desfigurada, dando lugar a uma enxurrada de palavras que fez dar a impressão de a arte cinematográfica entrar num processo de marcha a ré. Foi preciso esperar a década de 30 para que a conjunção da imagem e do som se estabilizasse com a descoberta do silêncio, com a dosagem equilibrada da palavra e da ausência desta. Em 1939, o cinema clássico americano se estabelece numa espécie de perfeição acadêmica, mas os filmes, com as exceções de praxe, continuaram a ter muitos diálogos. E não somente os produtos made in Hollywood, mas, também, os filmes de outras cinematografias. Um filme neo-realista italiano fala demais, por exemplo. E as vozes se atropelam. Há, como em toda a regra, exceções, como a de Umberto D, de Vittorio De Sica/Cesare Zavattini.
Os anos 50 proporcionam o advento da desdramatização proposta por Roberto Rossellini (com filmes quase sem roteiro, ao sabor das intuições nos próprios locais das filmagens, a exemplo de Viagem à Itália/Viaggio in Itália, 1953 e, mais adiante, a antinarrativa de Michelangelo Antonioni e sua fantástica trilogia composta por A aventura, A noite, e O eclipse. Antonioni impôs, com maestria, o silêncio como produtor de sentidos e de significações. Mesmo em obras do grande Ingmar Bergman da década de 50, podemos observar que há preocupação de compor os filmes com diálogos incessantes.
Mas, mudando de assunto, também nos filmes dos anos 40, 50, praticamente todos os personagens fumavam demais. Recentemente, vendo O homem de Alcatraz, de John Frankenheimer, pomo-nos a observar que Burt Lancaster, seu intérprete principal, em todas as tomadas (em todas, repetimos, sem exceção) está sempre com um cigarro já acesso, a colocar, com força e disposição, a fumaça no pulmão, tragando-o com prazer, ou a acendê-lo.
A lei fascista contra fumantes aprovada em São Paulo não permite mais a liberdade do fumante em lugar nenhum, reservando para este a condição de inimigo público número 1. Pelos seus artigos draconianos, quem é fumante somente pode, a rigor, fumar em casa. É claro que o cigarro é agente cancerígeno, mas a lei, fascista, repetimos, haveria de conceder aos fumantes lugares destinados especialmente a eles para que pudessem também ser cidadãos livres. Com esta onda nefasta do politicamente correto, vinda dos Estados Unidos, está-se à procura de um inimigo com um fanatismo descabido. E o inimigo atual finalmente foi encontrado: o cigarro.
Mas, para colar os dois assuntos, antigamente os personagens dos filmes fumavam muito e falavam mais ainda. Fumar era chic, dava charme, status para o fumante. As mulheres elegantes portavam sempre uma cigarreira folheada a ouro com os cigarros enfileirados como numa parada militar presos por um fino cordão sofisticado. Constituí-se num ato de elegância a mulher oferecer ao cavaleiro um cigarro, tirando-o de sua cigarreira dourada.
Não estamos aqui a proclamar as virtudes do cigarro. Faz mal, sim, à saúde. Mas quem fuma tem o direito de fumar. O mais importante de tudo é a liberdade. Não se pode tolhê-la assim sem mais nem menos. Até os ridículos fumódromos foram proibidos em São Paulo. E como está difícil se achar uma barraca que venda cigarros! Se você mora num bairro, tem que percorrer alguns quilômetros para achar um posto que os venda. O que difere de tempos atrás, quando em qualquer birosca se achava este agente cancerígeno - e quem se lembra dos cigarros a retalho?
Estamos a nos lembrar que, em tempos idos, em todas as casas, e em todos os cômodos, encontrávamos aqueles cinzeiros enormes de vidro ou de cristal, com as bagas amassadas. Vale ressaltar que até comprar cinzeiros está difícil. E a coisa se complica ainda mais quando se trata de um bar. Como, para o fumante, tomar uma cervejinha ou um chopinho sem a companhia prazerosa de um cigarrinho?
Uma vez, por coincidência, no Roda Vida, foi entrevistada uma fumante inveterada, a economista Maria da Conceição Tavares. No meio do programa, ela se queixou de ter sido proibida, durante a entrevista, de fumar seu cigarro, o que a deixava nervosa. Semana seguinte, foi convidado Paulo Autran (que, por sinal, morreu de câncer no pulmão por causa do cigarro). Autran aceitou com uma condição "sine qua non": que pudesse fumar seu cigarrinho. Os produtores rasgaram a regra e o deixaram à vontade. E no programa inteiro acendeu vários cigarros, dando vazão a seus pulmões sedentos da nicotina.
Os anos 50 proporcionam o advento da desdramatização proposta por Roberto Rossellini (com filmes quase sem roteiro, ao sabor das intuições nos próprios locais das filmagens, a exemplo de Viagem à Itália/Viaggio in Itália, 1953 e, mais adiante, a antinarrativa de Michelangelo Antonioni e sua fantástica trilogia composta por A aventura, A noite, e O eclipse. Antonioni impôs, com maestria, o silêncio como produtor de sentidos e de significações. Mesmo em obras do grande Ingmar Bergman da década de 50, podemos observar que há preocupação de compor os filmes com diálogos incessantes.
Mas, mudando de assunto, também nos filmes dos anos 40, 50, praticamente todos os personagens fumavam demais. Recentemente, vendo O homem de Alcatraz, de John Frankenheimer, pomo-nos a observar que Burt Lancaster, seu intérprete principal, em todas as tomadas (em todas, repetimos, sem exceção) está sempre com um cigarro já acesso, a colocar, com força e disposição, a fumaça no pulmão, tragando-o com prazer, ou a acendê-lo.
A lei fascista contra fumantes aprovada em São Paulo não permite mais a liberdade do fumante em lugar nenhum, reservando para este a condição de inimigo público número 1. Pelos seus artigos draconianos, quem é fumante somente pode, a rigor, fumar em casa. É claro que o cigarro é agente cancerígeno, mas a lei, fascista, repetimos, haveria de conceder aos fumantes lugares destinados especialmente a eles para que pudessem também ser cidadãos livres. Com esta onda nefasta do politicamente correto, vinda dos Estados Unidos, está-se à procura de um inimigo com um fanatismo descabido. E o inimigo atual finalmente foi encontrado: o cigarro.
Mas, para colar os dois assuntos, antigamente os personagens dos filmes fumavam muito e falavam mais ainda. Fumar era chic, dava charme, status para o fumante. As mulheres elegantes portavam sempre uma cigarreira folheada a ouro com os cigarros enfileirados como numa parada militar presos por um fino cordão sofisticado. Constituí-se num ato de elegância a mulher oferecer ao cavaleiro um cigarro, tirando-o de sua cigarreira dourada.
Não estamos aqui a proclamar as virtudes do cigarro. Faz mal, sim, à saúde. Mas quem fuma tem o direito de fumar. O mais importante de tudo é a liberdade. Não se pode tolhê-la assim sem mais nem menos. Até os ridículos fumódromos foram proibidos em São Paulo. E como está difícil se achar uma barraca que venda cigarros! Se você mora num bairro, tem que percorrer alguns quilômetros para achar um posto que os venda. O que difere de tempos atrás, quando em qualquer birosca se achava este agente cancerígeno - e quem se lembra dos cigarros a retalho?
Estamos a nos lembrar que, em tempos idos, em todas as casas, e em todos os cômodos, encontrávamos aqueles cinzeiros enormes de vidro ou de cristal, com as bagas amassadas. Vale ressaltar que até comprar cinzeiros está difícil. E a coisa se complica ainda mais quando se trata de um bar. Como, para o fumante, tomar uma cervejinha ou um chopinho sem a companhia prazerosa de um cigarrinho?
Uma vez, por coincidência, no Roda Vida, foi entrevistada uma fumante inveterada, a economista Maria da Conceição Tavares. No meio do programa, ela se queixou de ter sido proibida, durante a entrevista, de fumar seu cigarro, o que a deixava nervosa. Semana seguinte, foi convidado Paulo Autran (que, por sinal, morreu de câncer no pulmão por causa do cigarro). Autran aceitou com uma condição "sine qua non": que pudesse fumar seu cigarrinho. Os produtores rasgaram a regra e o deixaram à vontade. E no programa inteiro acendeu vários cigarros, dando vazão a seus pulmões sedentos da nicotina.
Se você entrar numa casa, precisa perguntar se pode fumar. A maioria das pessoas já aderiu a onda politicamente correta e proíbe o fumo dentro de suas residências. Quem quiser fumar que saia e vá para a rua e depois volte.
3 comentários:
O que fizeram com os fumantes de cigarro, foi um crime a ser julgado por um tribunal ou mesmo organismos internacionais.
Através de estrelas nas telas, vangloriaram o charme das baforadas ou do cigarrinho pendurado no canto da boca. Um merchandising ostensivo que depois virou uma vil perseguição.
Hoje, cada vez mais marginalizados, os fumantes viraram os "maus da fita"... Um verdadeiro absurdo pela forma com que está sendo conduzida esta guerra torpe que na realidade não é tão nocova para o indivíduo quanto a poluição dos veículos automotores disseminados como símbolo de status, na verdade apenas o ícone do individualismo no mundo cruel do capitalismo selvagem...
Meu caro Jonga,
Excelente o seu comentário. Não é que defenda o cigarro, pois o sei nocivo para a saúde. O mais importante, porém, é o não cerceamento da liberdade do indivíduo como a lei paulista, estúpida e fascista, quer fazer. O sujeito, creio, deve ter a liberdade até para se matar.
Lembrando que foi Serra quem sancionou a lei fascista.
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