Seguidores

22 março 2009

A redenção de Meteorango em O Super Outro

30 anos separam Redenção (1959), de Roberto Pires, de O Superoutro (1989), de Edgard Navarro, mas apenas 10 do primeiro em relação a Meteorango Kid, o herói intergalático (1969), de André Luiz de Oliveira. E 20 anos entre este e o filme de Navarro. A distância, se, por um lado, revela-se maior entre Oliveira e Navarro, por outro, no entanto, faz ver nela uma maior afinidade temática, apesar das duas décadas, do que em relação a Redenção e Meteorango, apenas de uma década.

O fato é que os anos 60 transformaram a maneira de ver o cinema com a desdramatização efetuada por Michelangelo Antonioni e Roberto Rossellini e a desconstrução, por Jean-Luc Godard e seguidores. De 1959 a 1969, a linguagem cinematográfica deu um salto de 50 anos na sua evolução. Redenção, primeiro longa metragem baiano, é uma obra pioneira, mas, tematicamente, um thriller de pouca pretensão a não ser a de contar uma história policial. O artesanato de Roberto Pires se revela notável nessa tentativa, e Redenção é um marco porque tornou realidade um sonho que parecia impossível: fazer cinema, e de longa metragem, na Bahia. Se o cinema baiano não existisse, Roberto Pires o teria inventado, escreveu Glauber Rocha em Revisão crítica do cinema brasileiro. E se poderia dizer, acrescentando, se Redenção não viesse a se concretizar em realidade como filme talvez não tivessem existido Meteorango e O Superoutro.

A evolução da linguagem, a revolução dos costumes, do comportamento, e a liberdade temática que caracterizam os efervescentes anos 60 determinam o surgimento, no fim desta década, de um surto underground, o chamado Cinema Marginal, que tem seu carro-chefe em O bandido da luz vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, e influenciados por este, alguns filmes baianos, a exemplo de Caveira, my friend (1969), de Álvaro Guimarães, Vôo interrompido, de José Umberto, e Meteorango Kid, o herói intergalático.

Meteorango Kid é um cinema que não obedece às leis de progressão dramática anunciadas por David Wark Griffith e seu discurso é um discurso fragmentado, que inclui, na narrativa, materiais de procedências diversas (signos gráficos, cartazes, fotografias, legendas...). Lula Bom Cabelo posiciona-se como um rapaz que reflete a angústia da geração de seu autor, a geração que deu origem a Maio de 68. Desorientado e sem perspectivas, acorda, sai para ir ao enterro de um amigo. No meio do caminho várias situações se sucedem no campo do real (a sequência já antológica dos personagens com amigos a fumar maconha num apartamento) e no campo do onírico (a luta no mar entre falsos piratas de guitarra na mão).

O personagem de O Superoutro, interpretado por Bertrand Duarte, pode ser considerado uma extensão do personagem de Lula Bom Cabelo. A bem dizer: O Superoutro é filho de Meteorango. Mas se Lula age ainda no nível da realidade circundante, o herói navarriano rasga esta em direção da celebração do imaginário total. O próprio Navarro já confessou que recebeu um grande impacto quando viu, pela primeira vez, Meteorango Kid. A influência deste em O Superoutro é decisiva, ainda que distantes, um do outro, 20 anos. Enquanto Redenção possui os liames do fazer cinema, distancia-se, porém, apesar de 10 anos de diferença, das constantes estilísticas e temáticas de Meteorango Kid, o herói intergalático. Já se está, neste, em outra cultura, em outra realidade.

Três filmes e três momentos decisivos na história do cinema baiano.

Transcrito do catálogo do V Panorama Internacional Coisa de Cinema, que ora se realiza em Salvador. A autoria do escrito é de André Setaro.

Um comentário:

Jonga Olivieri disse...

O cinema baiano deve ser mais conhecido em todo o país. Sei que há dificuldades inerentes à máfia da distribuição e outras coisnhas mais, mas, mesmo assim poderia ser feito um esforço maior para a sua divulgação.