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04 março 2009

A comilança, o tempo e a memória

A comilança (La grande bouffe, 1973), extraordinário filme de Marco Ferreri, que levou muitos anos proibido pela ditadura brasileira, a ser visto apenas em 1979, quando alguns outros filmes atrasados em seus lançamentos puderam ser apreciados por causa da liberação gradativa da censura da ditadura militar (que o jornal Folha de S.Paulo vem, agora, em atitute que causa espécie chamá-la carinhosamente de ditabranda), a exemplo de O último tango em Paris, de Bernardo Bertolucci, O império dos sentidos, de Nagissa Oshima, entre outros - A laranja mecânica, de Kubrick, teve liberação dois anos antes com aquelas ridículas bolinhas pretas dançantes a esconder os órgãos os personagens, quando nus. Vi La grande bouffe, e a primeira visão causou imensa impressão, no Iguatemi 2, mais ou menos em 79. Depois o revi, creio que em 2001, na Sala Walter da Silveira. Mas ainda não o tinha apreciado em DVD.Tomei um susto. Lembrava-me que, no final, restava Philippe (Philippe Noiret, o excelente ator francês que ficou famoso ao interpretar o operador em Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore) como único sobrevivente do quarteto suicida integrado por Marcello Mastroianni, Ugo Tognazzi, Michel Piccoli (que aparece na foto a carregar a cabeça de um leitão). As últimas imagens do filme mostram-no sentado no jardim ao lado de Andrea Ferreolli, que lhe serve, de colherzinha, um açucarado pudim de morango. Diabético, e depois de tanta fartura, é sinal de que não iria resistir por mais tempo, mas o filme se fecha com Philippe a comer o pudim de morango. Qual não foi a minha surprêsa, quando, nesta visão agora em DVD, Phillipe Noiret, acompanhado no mesmo banco do jardim pela professora Andrea, vem a morrer. Um carregamento de carnes diversas chega e elas são jogadas no jardim. Morto Noiret, Ferreol se dirige ao interior da mansão e o filme acaba assim.

Teria imaginado a versão anterior? Georges Sadoul conta que a memória cinematográfica prega peças no sujeito. Conta, em seu Dicionário de filmes, que levou décadas falando de uma determinada sequência que não pertencia ao filme citado. Gostaria que alguém me esclarecesse a questão. Será que existiam duas versões de La grande bouffe? Ou será que estou com a memória em completa confusão?

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