"Grande Setaro, no livro Introdução à teoria do cinema, o crítico americano( que você conhece pessoalmente) Robert Stam elenca mais de uma dúzia de teorias que foram sendo formuladas ao longo da história da chamada Sétima Arte( epiteto cunhado pelo crítico italiano Ricciotco Canudo na década de 1910 que, aproveitando a brecha da retirada da Oratória da lista das sete artes clássicas, infiltrou a nascente forma de expressão assentada na tecnologia do momento, a foto-mecânica. Mas o papo aqui é outro, isso quer dizer que existem MUITAS FORMAS DE SE VER, E ANALISAR, O CINEMA E OS FILMES. Moniz Vianna, pelo que li dele de ontem para hoje, só conseguia enxergar( muito bem, diga-se de passagem)um ângulo, o do cinema narrativo clássico produzido em Hollywood. Então, se você considera uma lacuna o não conhecimento da fortuna crítica do homem que você, na qualidade de um dos Papas do cinema, canonizou, também deve considerar como tal o desconhecimento da obra crítica de Rocha, Sganzerla, Bernardet, Stam, Ferreira, Avellar, Stepple, Setaro, Merten, Zanin, Machado, Nazário, Salles Gomes etc etc etc.
Caríssimo Romero. Em primeiro lugar, não cabe meu nome entre os citados, pois me considero apenas um mero cinéfilo que se meteu a escrever sobre cinema e até mesmo a querer ensiná-lo na universidade, como se isto fosse possível. É verdade que Moniz Vianna era um crítico adepto da narrativa clássica nos moldes da progressão dramática de David Wark Griffith, e, conforme ele mesmo disse em entrevista, gostava de filmes que contassem bem uma história. Não via necessidade em que se fizessem filmes que desestruturassem a narrativa e sempre, e desde o princípio, abominou Godard (o que acho grave erro, bem entendido). Acredito que não gostaria dos filmes posteriores de Sganzerla, a exemplo de Sem essa aranha, Mijou fora do baralho, Copacabana, mon amour, entre outros. Gostaria, se vivo fosse, do recente Cleópatra, de Júlio Bressane? Acredito que não. Pessoalmente, gosto de alguma coisa do cinema underground, mas não de tudo. O que sempre apreciei em Sâo Moniz Vianna era o seu estilo brilhante, a ironia no subtexto, a fluência, que davam, a seus escritos, um grande prazer da leitura (o que é difícil hoje com a falência da cultura literária).
Quando Ruy Castro, que conseguiu a façanha de escrever um livro sobre a bossa nova sem entrevistar João Gilberto ( algo como fazer uma enciclopédia do futebol brasileiro e deixar Pelé de fora), disse que Moniz Vianna era " o maior crítico de cinema do mundo", esqueceu de acrescentar " de filmes clássicos narrativos produzidos em Hollywood"
Concordo com você. Mas talvez você não saiba que Moniz, ou, para ser mais exato, São Moniz Vianna, ajudou muito na divulgação das grandes obras do cinema através do cineclubismo (naquela época fundamental e hoje completamente dispensável) e dos festivais que patrocinou na Cinemateca do MAM de filmes russos, italianos, americanos, etc. Há um capítulo sobre ele em um dos volumes das críticas de Paulo Emílio Salles Gomes publicadas no Suplemento Literário do Estado de S.Paulo, organizados por Zulmira Ribeiro Tavares. Além do mais, São Moniz Vianna organizou, como já disse aqui no blog, os dois maiores festivais de cinema que o Brasil conheceu na década de 60.
A xenofobia do velho escriba do Correio da Manhã era tão acentuada que o impediu de ver a presença de John Ford( seu ídolo maior) nos planos gerais e nas panorâmicas épicas de Deus e o diabo na terra do sol e no mais que fordiano tiroteio na porta da igreja de Milagres em O dragão da maldade contra o santo guerreiro. Além disso, tem muito de Uncle Ethan em Antonio das Mortes( a solidão, que você destacou em manchete, é uma das características que une, não por acaso, os dois personagens.)
Respeito, já disse, o mito Vianna, mas não aceito essa miopia deformante( perdoe a redundancia) que, a pretexto de louvar o morto durante o velório, pretende tornar invísível os demais convidados.
Desculpe, mas Moniz destacou os acentos fordianos de Deus e o diabo na terra do sol. Um de seus discípulos, Paulo Perdigão, tem o melhor ensaio feito sobre o filme de Glauber Rocha publicado em um livro da Biblioteca Básica de Cinema (BBC), coleção organizada pela Civilização Brasileira, sob a direção de Alex Viany, com o mesmo nome da obra glauberiana. Na década de 60, a xenofobia era intensa e reinava a questão ideológica. Muitos militantes de esquerda (entre os quais era simpatizante, mas sem o sectarismo que vou apontar, nunca deixando de apreciar o bom e velho cinema made in Hollywood) consideravam o cinema americano imperialista e procuravam massacrá-lo, a fechar os olhos para os bons filmes numa atitude radical. Para eles, São Moniz Vianna não passava de um homem de direita e um grandisíssimo reacionário.
Os olhos de Moniz Vianna se fecharam para sempre, os nossos( como os mil olhos do Dr. Mabuse) continuam abertos e os filmes estão aí para serem vistos e analisados.
Em tempo: ví agora, com um certo atraso involuntário, o "Eu me lembro" de Edgar Navarro, e já o inclui na minha lista de melhores filmes brasileiros de todos os tempos
Vejam grande entrevista do santo homem feita há poucos anos por Evaldo Mocarzel em:
http://www.criticos.com.br/new/artigos/critica_interna.asp?artigo=1097
Acrescento a este post um artigo de Fabiano Canosa, o grande programador do cinema Paissandú. Ele tem um blog, o Cine Glória.
Fico sabendo que morreu semana passada Antonio Moniz Vianna. Moniz foi um dos maiores críticos de cinema que o Brasil já teve. Articulado, profundo conhecedor do cinema de Hollywood, ele formou centenas de cinéfilos com seus comentários e suas opiniões sobre os caminhos do cinema internacional, motivando uns, provocando outros, mas expondo suas teorias com a convicção de um born again missionário.
Nunca o cinema clássico foi tão bem servido como nas suas copiosas contribuições para o "Correio da Manhã", onde o leitor podia encontrar as mais apaixonadas defesas das obras-primas de John Ford, Hitchcock, Kubrick, Griffith e Stroheim. Sua participação na vida cultural do Rio nos anos cinqüenta foi inestimável: muitas vezes ele recomendava filmes fora dos grandes circuitos, escondidos pelas distribuidoras, como que envergonhadas de seus próprios lançamentos.Na época, os dois maiores críticos eram Moniz e Alex Viany (um Fla x Flu, Marlene x Emilinha).
Era um confronto sério, mortal, que não dava lugar a prisioneiros. Porque Moniz pertencia a uma direita que não existe mais: inteligente, perspicaz, de um humor ácido, bem parecido com Nelson Rodrigues, trocando a "vida como ela é" pela "vida como o cinema é". Havia ate uma certa ingenuidade em seus afetos e desafetos, mas ele era apaixonado e convincente, e isso nos possibilitava dar outra leitura ao filme que ele recomendava.Sua aversão ao Cinema Novo foi seu maior pecado: ele não viu naquele cinema forte, empolgado e politizado, o início de uma tradição, que nos seus ramos retorcidos e seu fluxo vertical, uma mata sul-atlântica se formava. (Paradoxalmente, ele gostou de "Deus e o Diabo").
É sempre conveniente falar bem dos mortos, mas tal honra-seja-feita não é a minha praia. Moniz foi nefasto quando trocou seu amor pelo cinema pela burocracia das agências de cinema que queriam controlar a explosão do Cinema Novo. Sifu.No entanto, ele conseguiu realizar o primeiro Festival Internacional de Cinema do Rio (em 65) e seu irrestrito apoio a retrospectivas dos cinemas americano, francês e italiano no Museu de Arte Moderna do Rio em 1958/60 são marcos na cultura cinematográfica da cidade.A Moniz o que é de Moniz: um louco-por-cinema cuja dedicação à critica cinematográfica foi um Zenith na curva descendente a que estamos acostumados hoje em dia.
Um PS pra galera: eu era da turma do Alex.
Um comentário:
Recebi uma mensagem de José Umberto. Ele não a postou aqui, posto-a eu, mas como se refere ao assunto, trato de transcrevê-la:
"O Moniz Viana era um erudito. E, como todo o erudito, uma solidão enorme
No Brasil, o erudito vive na masmorra. [ Aliás, talvez em todo o mundo, hoje principalmente ]
Ele era um homem que tinha lá sua emoção... como André Setaro ao fazer a leitura de sua morte na condição de pupilo
Há sentimentos que não comunicam"
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