O capítulo dominical sobre o Cinema Baiano, interrompido há quinze dias por ocasião dos festejos de fim de ano, eufemismo para dizer que o blogueiro tirou umas férias, volta hoje já na sua décima-segunda edição.Ia escrever sobre o surto underground que se espalhou nessa cinematografia na segunda metade dos anos 60, a refletir o cinema que estava a ser feito no sul do país, e que teve, como carro-chefe, O bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla, que influenciou Meteorango Kid, o herói intergalático, de André Luiz de Oliveira, Caveira my friend, de Álvaro Guimarães, entre outros. Mas uma conversa com Tuna Espinheira fez com que mudasse o assunto deste post dominical. Uma conversa, há poucas semanas, e uma mensagem que recebi dele ontem, chateado porque não encontra guarida para Cascalho no Espaço Unibanco Glauber Rocha, inaugurado recentemente, um complexo com quatro salas de alta tecnologia, livraria, restaurante, etc. E, realmente, fiquei pensando: por que o espaço baiano, que fica na Praça Castro Alves, e que tem o nome do mais importante cineasta brasileiro, o baiano Glauber Rocha, se recusa a exibir Cascalho? Consultados, meus botões não conseguiram me responder. Publico então a mensagem de Tuna e, em seguida, uma análise de seu filme escrito pela advogada e escritora Lúcia Leão Jacobina Mesquita, que saiu publicada ontem, dia 10 de janeiro, no Suplemento Cultural do jornal soteropolitano A Tarde.
Velho André,
Hoje no Cultural de A Tarde, saiu o artigo de Lúcia Jacobina, o qual eu já havia lhe enviado e que você achou “excelente”. Aqueles versos eternos de Mário Quintana, os quais utilizei para profetizar o risco da falta de tempo para um filme poder ganhar algum fôlego com a propaganda boca-à-boca, o terceto final do soneto: “Pobres cartazes por aí afora/que ainda anunciam: Alegria-RISOS/Depois do circo já ter ido embora!...” É justamente esta sensação de desencanto, a qual se refere o Poeta, que divide comigo a glória e o alumbramento de ver nas páginas deste importante/resistente, suplemento de cultura, na vitrine luminosa da sua contracapa.
Não é o caso de ir chorar nos pés do CABOCLO, mas de exercer o direito legítimo da indignação. O lançamento do filme, CASCALHO, embora tenha tido um reconhecido apoio da mídia, no que se refere a opiniões de artistas, cineastas, intelectuais, com matérias veiculadas, na imprensa escrita/falada/televisiva, não contou com o reconhecimento necessário do Complexo UNIBANCO que leva o nome de Glauber Rocha.
Nosso filme pagou os pecados naturais à sua condição de “baixo orçamento”, razão agônica de ter levado tanto tempo na estrada. Mas nunca jogou a toalha nem cogitou da idéia esconjurada de uma “retirada da Laguna”. Foi finalizado com todos os itens técnicos de primeira ordem/última geração. Inclusive com o Código Rein, cuja tradução é: Cópia Digital.
Não vou me alongar para não correr o risco deste simples e minúsculo relatório não vir a parecer, para uns, uma arenga queixosa. O meio cinematográfico baiano fez uma estranha opção pelo silencio e a arte de se equilibrar em cima do muro. É cada um por si e Pilatos lava as mãos.
Abs.
Tuna Espinheira
P.S. – Gostaria que você pensasse nos motivos que redundaram no veto de CASCALHO no Glauber Rocha. Eu, por mim, só enxergo uma heresia sem explicação.
Hoje no Cultural de A Tarde, saiu o artigo de Lúcia Jacobina, o qual eu já havia lhe enviado e que você achou “excelente”. Aqueles versos eternos de Mário Quintana, os quais utilizei para profetizar o risco da falta de tempo para um filme poder ganhar algum fôlego com a propaganda boca-à-boca, o terceto final do soneto: “Pobres cartazes por aí afora/que ainda anunciam: Alegria-RISOS/Depois do circo já ter ido embora!...” É justamente esta sensação de desencanto, a qual se refere o Poeta, que divide comigo a glória e o alumbramento de ver nas páginas deste importante/resistente, suplemento de cultura, na vitrine luminosa da sua contracapa.
Não é o caso de ir chorar nos pés do CABOCLO, mas de exercer o direito legítimo da indignação. O lançamento do filme, CASCALHO, embora tenha tido um reconhecido apoio da mídia, no que se refere a opiniões de artistas, cineastas, intelectuais, com matérias veiculadas, na imprensa escrita/falada/televisiva, não contou com o reconhecimento necessário do Complexo UNIBANCO que leva o nome de Glauber Rocha.
Nosso filme pagou os pecados naturais à sua condição de “baixo orçamento”, razão agônica de ter levado tanto tempo na estrada. Mas nunca jogou a toalha nem cogitou da idéia esconjurada de uma “retirada da Laguna”. Foi finalizado com todos os itens técnicos de primeira ordem/última geração. Inclusive com o Código Rein, cuja tradução é: Cópia Digital.
Não vou me alongar para não correr o risco deste simples e minúsculo relatório não vir a parecer, para uns, uma arenga queixosa. O meio cinematográfico baiano fez uma estranha opção pelo silencio e a arte de se equilibrar em cima do muro. É cada um por si e Pilatos lava as mãos.
Abs.
Tuna Espinheira
P.S. – Gostaria que você pensasse nos motivos que redundaram no veto de CASCALHO no Glauber Rocha. Eu, por mim, só enxergo uma heresia sem explicação.
Abaixo o artigo de Lúcia Mesquita:
"Uma força telúrica invade a tela com a sucessão de imagens de escarpas, grutas, montanhas, cascatas e vales por uma câmera ansiosa em registrar a exuberância da paisagem de uma beleza estonteante na região da Chapada Diamantina. Em seguida, surge a grande música de Aderbal Duarte e Walter Queiroz Jr.acompanhando os planos com o um contraponto indispensável à expressão cinematográfica, até que os letreiros apresentam Cascalho, livre transposição do cineasta Tuna Espinheira para o romance homônimo de Herberto Sales.
Verdadeiro diálogo de sensibilidades entre romancista e cineasta, Cascalho é o exemplo de como a literatura pode ser recriada por outras fontes narrativas sem perder sua essência. Em outras palavras, quando o texto é sumarento, permite que diferentes linguagens se apropriem da idéia original e recriem outras formas de narração sem perder força e identidade.
Manejando técnicas diversas, escritor e cineasta souberam usar com maestria as armas de seu ofício. Herberto preocupou-se com a exploração e a sobrevivência do homem duplamente fragilizado quando subjugado pelas forças da natureza e do poder político do coronelismo predominante na Bahia.
Com essas tintas, retratou sua Andaraí natal na década de 30 com um realismo tal que as forças da intolerância e da opressão obrigaram-no a emigrar para o sul do País, onde reafirmou sua vocação de escritor regionalista e ocupa até hoje um lugar de destaque na literatura brasileira.
A leitura do magistral romance não passou despercebida ao cineasta também de origem interiorana, que se debruçou sobre o texto para recriar com imagens o universo herbertiano. Em contrapartida, a ação é a matéria-prima da criação cinematográfica, basta lembrar que é o grito enérgico do diretor o passe de mágica capaz de imprimir no celulóide a imagem, e ela está aqui valorizada e manejada com talento invulgar pelo cineasta.
Utilizando-se da construção linear, o filme de Tuna não recorre a efeitos especiais nem a recursos narrativos banalizados. Nele, a estrutura do enredo e da linguagem foi de tal forma alicerçada num trabalho artesanal consistente e vigoroso, de forma que uma cena brota da outra, pontuadas todas por uma tensão entre as personagens e as situações interpretadas, prendendo naturalmente a atenção do espectador do princípio ao fim.
Pedra e água são os elementos que delimitam o cenário físico e político dos habitantes da mineração e pontuam o relacionamento entre os donos da terra e os que nela garimpam seus sonhos e sustento. Em conluio com a natureza agreste, a brutalidade ali presente permeia o cotidiano da luta pela sobrevivência em condições adversas, não se apresentando como mero artifício para impressionar o público. Dedicado ao seu labor criativo de transformar texto em imagem, escolheu distanciar o seu cinema da violência urbana decalcada de uma matriz hollywoodiana que ultimamente vem se tornando um tema recorrente no cinema nacional.
Inclusive, há de ser dito que Cascalho mostra com lucidez e coragem uma realidade social do século passado, que de forma surpreendente continua se reproduzindo apesar do avanço democrático, em nossos dias atuais. A disputa travada na tela entre o poder do coronel e as demais autoridades locais, representadas pelo prefeito, promotor e o juiz, permanece tão atual que a ação parece ter-se transportado para a contemporaneidade.
Há uma passagem premonitória no filme, quando o coronel e seu preposto tramam desviar, para uso particular, verba pública armazenada e transportada em moeda corrente numa mala de couro. Esse artifício concebido pelo roteirista/cineasta para ilustrar a corrupção e o desvio de dinheiro público em proveito de dirigentes políticos, por coincidência, precedeu em alguns meses ao escândalo do “mensalão”, amplamente divulgado na imprensa.
Diante do registro, perfeitamente cabível o comentário: a vida imita a arte ou é a arte que imita a vida? Há, sobretudo, uma riqueza narrativa no filme que enfoca em seus vários aspectos a saga do garimpo, com o conflito entre o proprietário da terra e os que nela laboram, a dominação do dinheiro, de um lado e a necessidade de sobrevivência, na outra extremidade, a exploração do homem pelo homem e a crueldade da relação entre poder versus subser viência.
E como cenário, transborda a natureza na profusão da água que brota incessante da pedra como seu elemento primordial.Sendo fonte de utilidade para todos, o precioso líquido pode se transformar em humilhação para o negro cujo corpo empurrado pelo patrão chafurda na lama, ou de redenção para o garimpeiro que encontra a morte no alagamento da gruna. Esta comovente cena final consagra o lírico e o onírico como vitória do homem sobre o inexorável, num desfecho apoteótico.
Louve-se, ainda a escolha dos atores para caracterização das diversas personagens, merecendo menção especial às interpretações impecáveis do renomado Othon Bastos, como coronel Ramiro, Harildo Deda, Wilson Mello, Jorge Coutinho, famoso por seu trabalho em Ganza-Zumba e que desempenha o papel de Zé de Peixoto, Lúcio Tranchesi, inesquecível como o garimpeiro Filó, da expressiva e talentosa Maria Rosa Espinheira, de Ângelo Roberto, em breve e marcante aparição, do saudoso Irving São Paulo em seu último trabalho como o memorável promotor público, e afinal do próprio cineasta dublê de ator, numa evocação direta a Orson Welles e Hitchcock.
Neste filme emblemático, de forte conotação política e regional, uma página da história deste país é revivida, sob a competente direção de Tuna Espinheira que com ele consolida seus múltiplos talentos de roteirista, ator e diretor.Deve ser dito que a película foi garimpada como um diamante bruto até atingir a cintilação de uma gema lapidada. Por vários e vários anos o projeto esteve nos sonhos do cineasta, até que recebeu o premio de melhor roteiro no concurso Fernando Coni Campos, em 2002, e foi graças a este laurel que as filmagens foram iniciadas. Em seguida, foi escolhido o melhor filme no 1º Festival de Cinema de Macapá.Este é o primeiro longa-metragem de Tuna, que vem sendo elogiado em todas as partes onde é exibido e, inclusive, recebeu convite para, no primeiro trimestre de 2009, participar de uma mostra na Alemanha para onde seguirá tão logo sejam colocadas legendas em inglês.Desejo sucesso ao filme no exterior e torço para que ele volte a confirmar o prestígio de nossa tradição cinematográfica inaugurada com o cinema novo.
LÚCIA LEÃO JACOBINA MESQUITA Advogada, ensaísta e autora de Aventura da palavra
8 comentários:
Porque? Porque? Razoes, razoes?
Que tal?: "porque e' um fime ruim".
O Espaço Glauber é fabuloso! Mas, precisa ficar baiano. Precisa abrir um espaço para as produções locais, eventos e atividades que façam merecer o nome dos grandes: Guarani e Glauber. O filme de Tuna deve ser projetado nessa sala, assim como outras produções. Alex
Um filme baiano que não tem espaço em sua própria terra mostra o quanto são desprezíveis os exibidores. Exceção feita a multinacional que controla os complexos Multiplex, nenhum outro espaço quis abrigar Cascalho, de Tuna Espinheira. O circuito do baiano, inclusive, consultado pelo cineasta, quis cobrar uma fortuna pelo alugel da sala por uma semana. E, agora, no espaço que tem o nome de Glauber, Tuna vê recusado o seu longa. Não custaria muito dar mais uma chance de Cascalho ser apresentado em seu próprio estado. Custa crer!
Tuna, o moço do chapéu branco que contrasta com a indumentária e do filme que a Tarde publica: Vigoroso e Artsanal Cascalho?
Mas porque? Não entendi nada.
Mas era só o que faltava. Até parece que a qualidade de um filme é critério de escolha na exibição de filmes. E até parece que os filmes da Cavalo de Cão são excelentes. Ai, ai, viu...
"I. Rosemberg apresenta: Coisas do Brasil".
Talvez os mais jovens nem saibam o que significa esta frase, mas era a introdução de curta-metragens documentários (no estilo Jean Manzon), matérias pagas de empresas e indústrias veiculadas nos cinemas nas décadas de 50 e 60 do século passado.
Apenas a aproveito para resumir o que acontece e muito nesta velha colônia d'além mar!
Se esse tal Cavalo do Cão fosse curador de um cinema ou um festival os únicos filmes que iriam passar era o dele... Inclusive esse filme o "fim do Homem cordial" e muito bom, deveria esta em cartaz lá, vamos fazer um protesto na frente do cinema vamos ocupar as salas de projeção.. Vamos la galera...
Bola fora DANIEL....
Seo filme é bom ou ruim, deveria ser o público a decidir isto.
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