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02 novembro 2008

Como nasce o cinema baiano (3)



A crítica cinematográfica existente na Bahia na década de 60, com algumas exceções, apoia e dá força aos filmes que estão a ser realizados. Não somente a crítica em si, mas a imprensa de um modo geral com as inúmeras reportagens, entrevistas e as colunas assinadas. O ensaísta Walter da Silveira é o exemplo maior desse apoio, dessa relação crítica e praxis. Sobre não ter uma coluna fixa nos jornais, Walter da Silveira, no entanto, publica sempre textos copiosos e substanciosos nos suplementos culturais dos matutinos e vespertinos da cidade, além de comandar o seu Clube de Cinema da Bahia, com a exibição semanal de filmes selecionados. É informante e formador na função de explicar a arte do filme aos espectadores de uma província tranquila e reveladora - completamente diferente, nesta época, da balbúrdia que azucrina os soteropolitanos menos afeitos ao consumo desenfreado e a carnavalização existencial.

O capítulo de hoje de Como nasce o cinema baiano é sobre a crítica que tem muito a ver com o advento da cinematografia da terra onde primeiro aportou Thomé de Souza para, aqui, exercer a primeira governança no Brasil.

A considerar que o texto está a ser batido na hora, há sempre o perigo de alguma omissão. A memória, ainda que já fraca, é a propulsora do que se está a ler. E, nesta recordação, vale ressaltar que, em 1958, surge, na imprensa baiana, para mudá-la, um jornal progressista que reúne a elite intelectual da província: o Jornal da Bahia. Nesta época, circa segunda metade dos anos 50, existem quatro jornais diários na cidade: A Tarde, de Simões Filho (morto em 1954 é dirigido pelo jornalista Jorge Calmon), Jornal da Bahia, de João Falcão, O Estado da Bahia e o Diário de Notícias, ambos do condomínio regido por Assis Chateaubriand.

Glauber Rocha é convidado para escrever diariamente um coluna de cinema no Jornal da Bahia. Seus escritos são compilados em O século no cinema. De sua tribuna, procura escrever textos e críticas sobre os filmes que vê na cidade, a estimular sempre o cinema brasileiro e baiano. É célebre a sua apologia a Bahia de Todos os Santos, que Trigueirinho Neto, vindo de São Paulo, realiza em Salvador. O lançamento do filme faz aparecer críticas negativas, mas Rocha o defende com unhas e dentes. No seu estudo sociológico sobre o cinema brasileiro, Brasil em tempo de cinema, Jean-Claude Bernardet analisa a obra de Trigueirinho, que, apesar de suas deficiências estruturais, representa um ponto de vista sobre a realidade social na procura de uma problematização temática, ainda que frustrada.

Glauber Rocha é um crítico atento e, por vezes, generoso, mas, de repente, polêmico, a fazer frente a outros excelentes jornalistas que possuem colunas no Jornal da Bahia, a exemplo de João Ubaldo Ribeiro, cuja estréia na imprensa se dá neste vibrante matutino. No Diário de Notícias quem assina a sua coluna de cinema é Hamilton Correia, colaborador também de Walter da Silveira no Clube de Cinema da Bahia. Vale ressaltar que, numa conversa recente com Hamilton, este disse que, antes de Glauber ter a coluna no Jornal da Bahia, o futuro realizador de Deus e o diabo na terra do sol, publica os seus primeiros escritos no suplemento que Hamilton edita no Diário de Notícias.

José Augusto Berbert de Castro, que morre neste 2008, com uma trajetória de mais de 40 anos no colunismo cinematográfico, é o comentarista de A Tarde. Apaixonado pelo cinema americano, principalmente pela sua época de ouro (e quem não o é?), Berbert, como é chamado, também incentiva o cinema baiano, com suas notas e entrevistas.

Crê-se que quem escreve em O Estado da Bahia é Milton Chagas e, de vez em quando, José Olymphio da Rocha. Na Rádio Excelsior, pontifica, com sua voz grave, Lourival Oliveira, com seu programa semanal Falando de cinema e sem fazer fita, que é divido em vários quadros: os comentários dos filmes da semana, trilhas sonoras, respostas às perguntas dos ouvintes, etc. Lourival, que trabalha hoje no Irdeb, conta-me que tem todas as perguntas e, entre elas, uma do punho deste bloguista. Pretende publicar um livro com o material que guarda, a sete chaves, de Falando de cinema e sem fazer fita. Hamilton Correia escreve para um programa de rádio, mas não o apresenta. Há, e a memória se faz aqui presente com mais intensidade, no programa de Lourival, toda semana, sorteios que oferecem entradas para as salas exibidoras. O bloguista, uma vez, é sorteado, e porque ainda um menino, vai buscar o seu ingresso em mãos. E conhece o legendário Lourival Oliveira, mas este não liga para o garoto apaixonado pelas coisas do cinema. Somente mais tarde, já com coluna em jornal da cidade (Tribuna da Bahia) é que vem a conhecer Lourival e com ele travar relações. Para não esquecer: o crítico radiofônico, nos anos 70, apresenta um programa de cinema na Tv Aratu num programa vespertino dirigido por Teresa Fernandez.

Orlando Senna é outro crítico que publica artigos na imprensa baiana, algumas vezes sob o pseudônimo de Fausto Ferreira. Chega a assinar uma coluna dominical do jornal I.C. Shopping News. Com a ida de Glauber para o Rio, ou mesmo antes, quando se entrega de corpo e alma às filmagens de seu primeiro longa, Barravento (1959/1962), José Gorender assume a sua coluna no Jornal da Bahia sob o pseudônimo de Jeronimo de Almeida. Se José Augusto Berbert de Castro é mais cronista dos filmes, Almeida exerce o que se costuma chamar de crítica cinematográfica até que, com o advento do cruel Ato Institucional número 5 (13 de dezembro de 1968), Gorender (irmão de Jacob), comunista de boa cepa, é perseguido, sendo substituído, na coluna, por José Umberto, então um vestibulando de cineasta com alguns curtas na bagagem (Perâmbulo, O doce amargo, este em parceria com André Luiz de Oliveira, Vôo interrompido, que segundo Álvaro Guimarães é o primeiro filme realmente marginal do cinema baiano - aliás, um capítulo dessas memórias é dedicado ao Surto Underground Baiano, que se dá na segunda metade dos anos 60, findo o Ciclo.

Em outubro de 1969, surge um novo jornal, a Tribuna da Bahia (no qual o bloguista tem uma coluna desde agosto de 1974), e Walter da Silveira é chamado por Quintino de Carvalho, o redator-chefe, para organizar um conselho de cinema nos moldes do Jornal do Brasil e do Correio da Manhã.

A Tribuna da Bahia, primeiro jornal baiano impresso em offset (um processo
planográfico cuja essência consiste em repulsão entre água e gordura (tinta gordurosa). O nome off-set - fora do lugar - vem do fato da impressão ser indireta, ou seja, a tinta passa por um cilindro intermediário, antes de atingir a superfície), é um sucesso e revoluciona a imprensa da terra (poucos anos depois A Tarde, por causa da sua concorrência, vê-se obrigado a adotar o offset já que tem uma impressão antiquada), tem uma diagramação original, com fotos imensas, revelando-se numa novidade.

Walter da Silveira convida alguns jovens que fazem o seu curso de cinema da UFBa para que tomem parte do conselho de cinema. Os único veteranos, além do comandante, são Hamilton Correira e Guido Araújo (que volta há poucos anos de sua jornada na Tchecoslováquia, onde passa quase dez anos). Os outros se iniciam na crítica cinematográfica: Geraldo Machado, Jairo Faria Goes, José Umberto (que concilia a coluna no Jornal da Bahia com a da Tribuna, mas a adotar, nesta, o pseudônimo de Freire Dias). Com a morte de Walter da Silveira, o conselho se desintegra, restando apenas, duas ou três vezes por semana, Guido Araújo.

Cada integrante do conselho tem uma coluna por semana, e às sextas, como faz o Jornal do Brasil, um filme lançado é escolhido para, página inteira, ser analisado por todos os seus membros.

Mas se chega a um ponto adiantado no propósito desse seriado. Basta por hoje e bom domingo a todos que tiveram a paciência de ler estas mal traçadas.

2 comentários:

Alessandra disse...

Setaro,
Você está a resgatar a memória do cinema baiano. Parabéns. Excelentes estes 'capítulos'

Jonga Olivieri disse...

Sem dúvida, caro Setaro, estas suas postagens são importantes para a historiografia da cultura baiana. E porque não dizer brasileira.