Há certos críticos que, com poucas palavras, sabem sintetizar o que falta a um determinado filme para que possa atingir um valor poético mais aguçado. Entre eles, Inácio Araújo (da Folha de S. Paulo), cujo poder de síntese é extraordinário. Suas indicações diárias sobre os filmes que passam na televisão constituem no maior exemplo desse poder sintético, dessa arte, poder-se-ia dizer, de criticar/comentar em poucas linhas. Sabe, como poucos, jogar a palavra, efetuar uma sintaxe perfeita em função de uma idéia que ele tem sobre uma obra cinematográfica. Mas, Inácio à parte, cito outro crítico que também tem um rigor escritural na apreciação da arte do filme, que é Carlos Alberto de Mattos (do site Críticos.Com). Sua apreciação de Ensaio sobre a cegueira, de Fernando Meirelles, toca na ferida. A tal ponto que não resisto à transcrição dos dois primeiros parágrafos de sua crítica:
"O romance de José Saramago exerce seu fascínio em parte por causa da trama, em parte pela singular dicção do escritor, especialmente para quem o lê em português. Seria despropositado esperar que uma adaptação cinematográfica, ainda mais uma produção eminentemente internacional como Blindness, conseguisse reproduzir esse segundo elemento. Não se trata aqui de comparar livro e filme, erro tão recorrente na prática da crítica. Mas é preciso examinar o que resta ao projeto de um filme que tem em comum com o livro original apenas a sua trama.Fernando Meirelles procura suprir essa inevitável lacuna com um estilo visual agressivo, baseado na idéia do “mal branco”, nome atribuído à epidemia de cegueira que devasta um país inteiro a partir de um único motorista subitamente acometido (na verdade, não se pode afirmar que o “primeiro cego” do livro é de fato a origem da epidemia). Assim, a supressão da cor como um todo e a invasão do branco formam a “dicção” do filme. Some-se a isso um arsenal de procedimentos óticos relativos a foco, reflexos duplicadores e formas que replicam a órbita ocular. E ainda uma montagem nervosa, que procura exprimir a tensão em torno dos acontecimentos"
Mas, já que estou aqui falando de críticos e de uma adaptação literária, como é o caso de Ensaio sobre a cegueira, vi, recentemente, no Canal Brasil, um verdadeiro massacre praticado por Paulo César Saraceni (que é um diretor a respeitar, mas menos aqui) em cima de uma obra-prima: Dom Casmurro, de Machado de Assis, que em sua versão criminosa e cinematográfica se chamou Capitu. O filme é um desastre completo e acabado e uma lição permanente de como não se deve adaptar uma obra literária para o cinema. E pensar que o roteiro foi escrito por Lygia Fagundes Telles e seu marido Paulo Emílio Salles Gomes!!!!!
3 comentários:
Também ví a capitulada de Saraceni.
É verdade que Saramago não tem como ser interpretado na língua inglesa. Como tampouco Shakespeare em português é algo deplorável.
Mas, creio que o crítico talvez tivesse o propósito de apontar o fato de um direor brasileiro (e portanto falante da língua portuguesa) estar a relaizar um filme em inglês. O que não quer dizer nada, se o autor da obra não fosse um lusitano. E que lusitano.
Bom, quanto a "Capitu", trata-se de uma escorregada na língua mater irreparável. Aliás, o seria em qualquer idioma!!!
Professora, nada relacionado ao tópico, mas uma homenagem: http://salaoval.blogspot.com/2008/10/caricatura-andr-setaro.html
abraço
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