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31 maio 2008

Lembrando "Pierrot, le fou"

O fascínio que Jean-Luc Godard exerceu nos efervescentes anos 60 não tem paralelo em nenhum período em relação a outro cineasta. No Rio de Janeiro, formou-se a Geração Paissandú para discutir Godard. Nas mesas das circunvizinhanças do cinema Paissandú (rua Senador Vergueiro), os cinéfilos, terminadas as sessões, enchiam-nas de chopes bem tirados (como só são encontradiços na Cidade Maravilhosa - aqui na Bahia não existe chopp que preste e quem fala isso é um cervejeiro profissional). A influência de Godard chegou a contaminar até o Maio de 1968, com A chinesa (La chinoise), um prenúncio dos distúrbios que se avizinhavam. O cartaz acompanhante deste post é de Pierrot, le fou, que tomou, aqui no Brasil, o título horripilante de O demônio das onze horas. Um non sense, pois o filme não se refere a um horário específico nem ao deus das trevas. Pierrot, le fou, traz de volta Jean-Paul Belmondo, que foi o Michel Poiccard do ainda hoje eletrizante Acossado, e, ao lado dele, a musa e esposa de Godard, Anna Karina. O filme causou frisson quando exibido no Paissandú. As pessoas saíam entusiasmadas e iam, incontinenti, às mesas das pizzarias da calçada da sala exibidora, ávidas por pizzas e chopes. Bons tempos!! Hoje a geração internet está em outra, realmente, a preocupação central se encontra nos sites de relacionamentos, nos monossílados trocados nos orkuts da vida, nunca a haver a enunciação de um pensamento, a interlocução de idéias. Há quem disse que os internautas mais micreiros não lêem na internet, mas escaneiam aquilo que vêem.
Nos anos 60, para se ter uma idéia, no final do ano, para se compor a lista dos dez melhores, instalava-se uma grande dúvida, pois se tinha vinte, trinta filmes de importância. Como escolhear apenas uma dezena. Atualmente a situação é contrária: faz-se muito esforço para escolher cinco, seis filmes e, acaba-se por colocar quatro ou cinco para encher a relação. O cinema mudou muito, mediocrizou-se, os tempos dos grandes inventores de fórmulas já se foram com o vento. Resta a pasmaceira, a mesmicie e a medicridade da chamada contemporaneidade.

2 comentários:

Jonga Olivieri disse...

A “Geração Paissandu”, a tão decantada “esquerda festiva”. Eu era esquerda (não me considerava festivo, e paguei por isso nas masmorras da ditadura), mas freqüentei aquele velho e bom “Cinerama” (que hoje o triste e vulgar nome de Garota do Flamengo) em que encontrávamos os “intelectualóides” de então com “O Capital” de nosso velho Marx ou “Ulisses” do nosso também marcante Joyce, os livros mais usados embaixo das axilas na década de 1960. Na maioria das vezes nem lidos eram, mas apenas pontos de referências de seus portadores. Quem lia, enfim, os lia em casa, na calada da noite em anos de chumbo.
Godard era ponto de referência de discussões e debates calorosos. Ame-o ou odeie-o. Afinal, tal como Glauber, o cineasta francês não deixava margem a meios termos. “Pierrot le fou” uma de suas obras marcantes. Lembro-me de tê-lo visto pela primeira vez, justo naquele cinema. Depois, encontrando amigos tomei um porre de chopes em quantidade asustadora. E como discutíamos os filems, téte-à-téte, ali, conversando, debatendo, discordando. Uma época queficou, que passou, que não tinha nada de virtual. A não ser a punheta, pensando em Ana Karina, em Jeannne Moreau, em Brigitte Bardot. E, porque não em Odete Lara, eterna musa agora ressuscitada pela remasterização de “O dragão da maldade contra o santo guerreiro”, que os deuses do Olimpo preservaram para a nossa tranqüilidade e prazer.

anrafel disse...

Ironia, encontrei num blog sobre cinema uma verdade etílica tão escamoteada: não existe chopp que preste aqui em Salvador. Triste Bahia!