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11 maio 2008

Introdução ao cinema (5)


Domingo é dia da introdução ao cinema, embora isso não implique que não possam haver outras postagens. O fato é que, embora a morar na Bahia, detesto praia. A última vez que fui à praia data de trinta anos atrás, e fui por causa de uma namorada, que me obrigou a ir, ainda que irritado. Mas lá chegando, lembro-me bem, ao invés de ficar deitado na areia, postei-me, isto sim, debaixo de uma barraca e bebi a cerveja suficiente para o meu bem estar na época.


É fundamental insistir que a câmera intervém no plano da conotação sem, porém, modificar o plano da denotação. O exemplo do filme de Claude Chabrol, O Açougueiro, é cristalino nesse sentido. Assim, mesmo quando a discreta sugestão da câmera não é apreendida pelo espectador, o desenvolvimento da narrativa não se perturba, pois prossegue seu caminho ao abrigo de qualquer tipo de imprevistos, salvo a surpresa provocada pela habitual reviravolta final. E a surpresa, diga-se aqui, será tanto maior quanto menor tiver sido a atenção prestada pelo espectador aos sinais premonitórios lançados pela câmera através de seus movimentos alusivos. Se a narrativa lança sinais premonitórios, o espectador, porém, que, somente atento à fábula (a história, a trama) não percebe o discurso cinematográfico, tem uma surpresa, por assim dizer, maior do que o espectador mais atento ao desenvolvimento da narrativa paralela ao da fábula. Por outro lado, este último tem a possibilidade de contemplação da poética cinematográfica e de sua especificidade lingüística.

Nem sempre, no entanto, os movimentos de câmera são bem escondidos, ou, se se quiser, efetuados "nos bicos dos pés", pois há casos em que os movimentos, por evidentes, explícitos, eliminam o interesse pelo próprio desenrolar da narrativa. Em O Passageiro, Profissão Repórter (Professione Reporte, 1975), de Michelangelo Antonioni, quando o protagonista - que, sabe-se, tem a intenção de morrer - se estende sobre o leito do quarto do hotel onde está hospedado, aguardando o momento fatal, a câmera afasta-se gradualmente dele, dirigindo-se num lentíssimo travelling para o exterior do local, onde, de resto, não acontece nada de particular. Somente quando a câmera volta a trazer o espectador por uma via diferente para o interior do quarto, é que é dado se ver o corpo do homem sobre o leito já sem vida, morto. Neste caso, a morte do protagonista (interpretado por Jack Nicholson), em vez de ser mostrada de maneira direta, é sugerida pelo lento movimento que exprime, precisamente, o afastamento definitivo do homem em relação à vida.

A tensão criada por este efeito é, de longe, superior à que poderia produzir, por exemplo, a visão do homem moribundo em primeiro plano. Nos filmes dos grandes autores, como Michelangelo Antonioni - ver em Das Obras-Primas do Cinema uma análise de A Noite, Alfred Hitchcock, etc, a narrativa tem prepoderância sobre a fábula e, nestes casos, "é a câmera quem fala".

Por outro lado, a câmera pode optar por espiar as personagens desde o primeiro plano, seguindo-as silenciosa nas suas deslocações espaciais ao longo de toda a duração dos acontecimentos. Em Acossado, na seqüência que precede a traição final, a protagonista deambula no quarto onde acabou de dormir com o jovem procurado (ela, Jean Seberg, ele, Jean-Paul Belmondo) pela polícia e interroga-se em voz alta sobre a decisão a tomar. A câmera segue-lhe o vaivém até que ela abandona o local sob o pretexto de ir comprar leite. O comportamento ambivalente desta mulher tem sua significação pela oscilação da câmera.

Como se vê, quando a câmera se movimenta nunca o faz de uma maneira indiferente. As suas deslocações nas várias direções possíveis não correspondem a uma simples exigência de clareza ilustrativa, pois para a conseguir o travelling e a grua não são imprescindíveis. Estes correspondem exclusivamente ao nível da escrita fílmica, pois intervêm sobre o como e não sobre o objeto da representação. É certo que certos cineastas fazem um uso indiscriminado dos movimentos de câmera, principalmente do travelling, em função de alcançar efeitos espetaculares. Mesmo nestes casos, no entanto, nada impede que os movimentos de câmera se remetam para algo que se situa para além do conteúdo de determinado plano. Pense-se nos numerosos westerns em que a elevada mobilidade da câmera tem por único objetivo recriar por dentro o envolvimento homem-ambiente tão importante para a definição estilística do gênero correspondente. A função designativa assume papel de primordial importância. No entanto, quem poderá negar que a diferença que separa o modo como Anthony Mann faz mover a câmera daquele que é utilizado por John Ford é a mesma que separa duas visões diferentes do mundo?

O travelling, já disse Jean-Luc Godard, é uma questão de moral. O que evidencia, no cineasta de Acossado, que este movimento de câmera é revelador da personalidade de um cineasta, mostrando um ponto de vista específico. Bela Balazs, teórico húngaro do cinema, tem razão quando escreve que na telas do cinema, como no domínio da pintura, o fator determinante é a síntese entre a realidade objetiva e a personalidade subjetiva do artista. Esta personalidade se manifesta pelo enquadramento e pela escolha de um dado plano. Cada ângulo de tomada implica uma posição afetiva ou intelectual. É, pois, impossível, uma objetividade absoluta no filme. Tudo é ressonância pessoal que se é levado a compartilhar. A câmera pode, portanto, deslocar-se para trás e para adiante não tanto à procura de coisas interessantes para contar, mas à procura de um modo interessante de se as contar. O que é mais que uma diferença. E pode fazê-la conduzir por outrem (o travelling) ou sozinha (o zoom). Além disso, pode erguer-se em direção do céu e descer rente ao chão, consoante decida observar o mundo de cima ou de baixo. E a sua mobilidade não se esgota aqui. Pode a câmera também olhar em volta, isto é, efetuar movimentos panorâmicos através de rotações sobre o próprio eixo.

3 comentários:

A.C. disse...

Como sei que tu gostas muito do Minnelli também, tens alguma referência sobre os Quatro Cavaleiros do Apocalipse em sua obra?É que consegui uma cópia dele aqui.
Abraço!

Saymon Nascimento disse...

Chabrol na época de O Açougueiro era imbatível. Além desse filme, lindo, supremo, teve A Mulher Infiel, As Corças, e o meu favorito, A Besta Deve Morrer. Pena que não surpreende mais: seus últimos filmes são todos bons, mas não provocam mais a paixão de antes.

Jonga Olivieri disse...

Enviei um comentário ontem para este “post”, mas pelo jeito não chegou.
Falava algo em torno de que cinema – como imagem que é – não seria nada sem uma câmera.
Em outras palavras, a câmera é o “olho” desta arte viva, visual, plena de movimento e ação.