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29 abril 2008

Do eixo da câmera


O eixo da câmera, meu caro Bruno, é uma espécie de regra básica que determina a margem de deslocamentos da câmera no espaço, capaz de preservar a continuidade dos movimentos. Recorro aqui a Arlindo Machado (Eisenstein, a geometria do êxtase, Brasiliense, Encanto Radical) para poder melhor lhe explicar. Segundo ele, "se num determinado plano mostro um trem se deslocando da esquerda para a direita do quadro, todos os demais planos da seqüência devem necessariamente manter esse sentido, inclusive aqueles tomados no interior do veículo. Mas se eu colocar a câmera no lado oposto àquele sob o qual foi feita a tomada anterior, a direção do trem vai aparecer invertida na tela, e isso irá desorientar o espectador viciado na linearidade do cinema dominante. Tal espectador, provavelmente, traduzirá essa inversão para o seu repertório tradicional e pensará que o plano invertido mostra outro trem, que vem na direção contrária ao primeiro. Pois bem: O encouraçado Potemkin, fita na qual Eisenstein radicaliza a sua concepção de montagem, quebra programaticamente o eixo da câmera, gerando uma complexa descontinuidade na evolução do filme."

3 comentários:

Anônimo disse...

Outro exemplo clássico é o do jogo de futebol onde as câmeras têm de estar do mesmo lado do campo, caso contrário, se tivesse uma câmara cobrindo metade do campo de um lado e a outra, no outro lado, cobrindo o campo visual restante, quando o jogador fizesse um lançamento, ao atravessar a linha divisória do gramado a bola apareceria voltando para o mesmo lado como se o vento tivesse invertido sua direção.

Jonga Olivieri disse...

Uma das mais delicadas operações em cinema, e seu exemplo de Arlindo Machado é bem pertinente.
Na verdade, distingue-se o eixo visual da câmera do eixo dramático.
O eixo visual é o próprio eixo geométrico, a direção para a qual a câmera está apontada.
O eixo dramático, estabelecido pela relação entre dois personagens que se olham frente a frente, é fundamental para situar o espectador espacialmente.
A quebra de eixo, nome que se dá ao salto do ponto-de-vista de um lado para o outro, pode confundi-lo, portanto deve ser usada com extremo cuidado.

Davi Lopes Ramos disse...

A descrição de Arlindo Machado evoca um certo preconceito contra o eixo, quando diz: "a direção do trem vai aparecer invertida na tela, e isso irá desorientar o espectador viciado na linearidade do cinema dominante.".

Depois, passa a elogiar as quebras de eixo de Potemkin. Nada contra o clássico russo, mas o comentário de Machado, pelo vocabulário escolhido, é infeliz. O eixo não é produto de um vício, mas de uma espacialidade lógica e natural. Quebrá-lo é possível, mas não necessariamente melhor ou mais complexo.