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02 dezembro 2007

O gênio de Jerry Lewis

Ainda que um ótimo comediante em suas primeiras comédias sob as ordens de Georges Marshall, Joseph Pevney, Norman Taurog, Jerry Lewis começa a crescer, no entanto, a partir do seu encontro com Frank Tashlin em 1955, quando fazem Artistas e Modelos (Artists and Models), apesar da companhia já outonal de Dean Martin. Lewis apreende bem o sentido da gag do realizador Tahlin, seu sentido de espetáculo desestabilizador sem a perda, contudo, do touch romântico e encantador, o senso paradoxal do non sense. A evolução do comediante se faz patente em obras como Ou Vai ou Racha (Hollywood or bust, 1956) (que se pode considerar uma das melhores comédias do cinema americano), O Rei dos Mágicos (The Geisha Boy, 1958, que o cineasta Carlos Reichenbach elegeu como uma das melhores de todos os tempos, onde se verica um non sense total: um japonês gordo cai numa piscina e inunda totalmente a cidade de Tóquio ou a descida do avião da atriz que é simplesmente posta em frangalhos fisicamente por Lewis), e, principalmente, em Bancando a ama-seca (Rock-a-bye baby, 1958), a primorosa seqüencia da mangueira que praticamente destrói o bairro com seus guinchos descontrolados. Mas mesmo depois que abandona Martin, e já trabalhando com Tashlin, ainda tem que cumprir certos contratos em filmes bem inferiores: O Delinquente Delicado' (The Delicate Delinquent, 1957), de Don McGuire, O Bamba do Regimento' (The sad sack, 1957), de Georges Marshall, A Canoa Furou (Don't give up the ship, 1959), de Norman Taurog, e, ainda deste, em 1960, Rabo de foguete (Visit to small planet), filmes menores de sua carreira e nos quais apenas brilha o seu gênio para a comicidade.

A diferença entre o sentido de cinema de Tahslin e dos outros diretores é abissal, apesar do comediante sustentar o espetáculo e superar o desequilíbrio e o esquematismo das direções anti-tashlianas. A genialidade de Lewis emerge quando começa a dirigir filmes estimulado pelo amigo Tashlin. O primeiro, O Mensageiro Trapalhão (The Bell Boy, 1960) já desarma aqueles que procuram uma história para seguir, uma fábula que possa progredir. Nada disso. O filme não tem nenhum in crescendo, possuindo uma tábua rasa como estrutura narrativa toda centrada em sketches, que mostram as confusões perpretadas por um mensageiro de hotel que somente fala no final, quando lhe perguntam o seu nome e, intrigados com a sua mudez, Lewis responde que nada fala durante o filme porque nada lhe perguntam. A segunda incursão direcional é demolidora: O Terror das Mulheres' (The Ladie's Man, 1961): o desejo quase obsessivo de desvendar o décor para o espectador, uma sátira ao matriarcado americano, as borboletas que voam do quadro fixo e depois voltam, a entrevista na televisão da senhora que rege o pensionato, e, no final, a entrada no quarto proibido que tem uma extensão tão grande que não poderia fazer parte da mansão. A brancura total do cenário, a mulher que surge de cabeça para baixo, um clima dilacerante. O filme logo a seguir é também um coquetel Molotov na estrutura tradicional da comédia americana: Mocinho Encrenqueiro (The Errand Boy), uma desmisticação do espetáculo cinematográfico capaz de surpreender os exegetas turcos do Cahiers du Cinema, que, nesta época, elevam Lewis às alturas. E como características, marcas essenciais, estilísticas: a crueldade que consiste em fazer rir de si próprio; a magistral utilização do showburn; o gosto do espetáculo e a vontade em revelar ao espectador o décor, o desdobramento de sua personalidade autor-ator, a explosão em personagens múltiplas, etc.

Se em Tashlin o clichê da gag audiovisual chega às raias da exasperação, em Lewis a gag provoca uma ingerência na própria mise-en-scène, na manipulação mesmo da linguagem cinematográfica. Basta dizer que em O Professor Aloprado (The Nutty Professor, 1963), na apresentação final, quando todos os atores se reclinam para agradecer como no teatro, na vez de Lewis, este parte literalmente a lente da câmera. Há, neste momento sublime da comediografia da década de 60, uma utilização do áudio de maneira inventiva, quando na cena em que o professor, saído de uma ressaca na noite anterior, em plena aula, ouve, amplificados, o giz que se arrasta no quadro, o assoar do nariz de uma aluna, o estrondo de uma pequena gota no vidro do laboratório químico, etc. Lewis faz, aqui, uma inversão de O médico e o monstro, de Robert Louis Stevenson, aplicando, com mais extensão e mais non chalance, os ensinamentos tashlianos a ponto destes se configurarem num estilo próprio, lewsiano. Neste particular, após o professor ter tomado a dose no seu gabinente, transforma-se em Buddy Love, mas o espectador não o vê, pois Lewis prefere introduzi-lo em câmera subjetiva. Os transeuntes na porta da boite é que se espantam diante daquela figura carismática. Há muita inventividade na narrativa de O Professor Aloprado, mas sem os radicalismos da mise-en-scène de The Ladie's Man.

Ao mesmo tempo em que dirige seus filmes, com equipe fiel - Wallace Kelley, iluminador, Walter Scharf, músico, Del Moore, Kathleen Freeman, cast quase permanente, com a introdução, vez por outra, de uma atriz mais conhecida, como o caso de Stella Stevens, Lewis também produz filmes para Tashlin dirigi-lo em comédias antológicas que merecem figurar em qualquer antologia dos grandes momentos do cinema no gênero: Cinderelo sem Sapatos (Cinderfella, 1960), Detetive Mixuruca (It's only money, 1962), Errado para Cachorro (Who's minding the store?, 1963), O bagunceiro arrumadinho (The disorderly orderly, 1964), entre poucas outras.

O Otário (The patsy, 1964) é a sua obra mais pessoal, mais radical, com uma desmistificação completa do espetáculo cinematográfico, uma exposição da construção pelos produtores de um ídolo hollywoodiano, um olhar irônico sobre o american way of life, mas, acima de tudo, uma mise-en-scène renovadora, um manual de invenções de fórmulas. A partir dos primeiros momentos, quando se vê um avião se espatifando e um pequeno jornaleiro anunciando a morte acidental de um grande astro hollywoodiano, Lewis corta para o escritório dos produtores cujo carpete verde de plástico salta à vista. Aqui, usa o silêncio como fator determinante da construção temporal a ressaltar o conceito de duração. As tomadas são mais demoradas do que o necessário, há um crescendo na preocupação dos produtores em relação ao subsitutito. E a entrada triunfal de Lewis, como o mensageiro que traz as bebidas numa bandeja com os copos, a derrubar tudo ao saber que ele, o bell boy, é o escolhido. Cada sequência é, de per si, um primor: Lewis experimentando roupas, engraxando sapatos; aprendendo música; o baile escolar relembrado, antológico, numa homenagem explícita a Chaplin; o jantar com Ina Balin no restaurante quando se excede na doação de gorjetas; o show de Ed Sullivan, com o próprio, que diz ter apresentado, ali, Dean Martin e Jerry Lewis; e o próprio numero do comediante que, extasiado com uma estréia de gala em Hollywood, pinta seus andrajos de preto, que se transformam em elegante casaca. E o final apoteótico, quando cai da varanda de mentirinha e volta não mais como o personagem de Stanley Belt mas como o próprio Jerry Lewis, que convida, para jantar, a Ina Balin, descortinando todo o set de The patsy. Esta obra-primíssima é um dos filmes mais importantes dos arrejados anos 60, e Jerry Lewis se inscreve, aqui, como um dos maiores realizadores desse período, pois criador, autor completo, inventor de fórmulas. A seguir, Uma Família Fuleira (The family jewels, 1965), destituído da virulência criativa, do sopro renovador do filme precedente, mas uma simpática comédia recheada de bom humor: o humor único e lewisiano. Em seguida, começa a decadência, com Três num Sofá (Three on a couch, 1966), mas surge uma esperança na iconoclastia de O fofoqueiro (The big mouth, 1967). Lewis pára nos anos 70 - faz um filme em 1973 sobre um palhaço que diverte crianças num campo de concentração que é engavetado, mas continua, ainda que bissexto, nos anos 80. Mas o essencial de Lewis, como autor, está nos filmes que dirige nos anos 60. A causa da interrupção prematura está numa queda que toma e que lhe provoca terríveis dores, a depressão, etc. Jerry Lewis, hoje, é visto pelo grande público como mero comediante e, mesmo, para alguns, como um palhaço das sessões da tarde. Mas sua importância está registrada nas centenas de ensaios escritos sobre a sua contribuição para a linguagem cinematográfica. Uma coleção de livros de cinema, Cinema D"Aujourdhui, que apenas publica textos sobre grandes cineastas, dedica a Jerry Lewis um de seus números, que é uma tese de doutorando de um francês na Sorbonne.

E em 1981, quando já não se pensava num retorno lewisiano, surpreende a todos com uma comédia bem a seu gênio: Smosgasboard, que o título idiota em português apenas reafirma o preconceito: As loucuras de Jerry Lewis.

Habemos Jerry Lewis!! O que é reconfortante.

7 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Sem muito o que dizer, porque já disse tudo, caro André.
A imagem de Jerry Lewis, ficou marcada negativamente pela sua primeira fase.
As seguintes são brilhantes e marcantes. E como você bem o disse, pontos decisivos na linguagem do cinema eda comédia.
Viva Jerry Lewis...

André Setaro disse...

Nos anos 60, a sisuda revista 'Cahiers du Cinema' reservou um número especial para Jerry Lewis, com edição muito aumentada de páginas. Godard, num dos artigos, considerava Lewis "o cineasta mais inteligente e progressista do cinema americano na década de 60". Exagero à parte, o fato é que Lewis era muito considerado pela crítica francesa, a ponto de o conselho da citada revista, que dava de bola preta a quatro estrelas, concedeu estas por todos os críticos, numa unanimidade difícil de encontrar, a 'O otário' ('The patsy'). Em 1967, foi convidado a abrir o Festival de Cannes com uma palestra.
Atualmente a nova geração se lembra de Jerry Lewis como 'o palhaço das sessões da tarde'. E aqueles que pegaram estas na Globo, porque a novíssima nem o conhece de fato. Ruy Castro já disse: "Será que é preciso esperar a morte de Jerry Lewis para que ele seja entronizado como um dos gênios do cinema?"

Cassiano Mendes disse...

Você esqueceu, Setaro, que Godard, neste mesmo artigo citado, disse que Lewis era maior que Keaton e Chaplin juntos. A valorização súbita de Jerry Lewis foi provocada pela crítica francesa e, mais precisamente, pela redação do Cahiers du Cinema. Lewis foi considerado um autor de filme dentro da 'Politique des auteurs' patrocinada' pelos jornalistas-cineastas.

Anônimo disse...

Além de tudo que você falou com riqueza de detalhes, não podemos esquecer a assustadora performance de Lewis em O Rei da Comédia ,de Scorsese(1982).
Jerry também é o inventor do recurso conhecido como vídeo-assistente, aqueles monitores espalhados pelo set de filmagem e que nenhum diretor filma hoje sem eles.
Afastado das telas,ainda é ídolo da TV americana onde comanda o show anual beneficente(outra invenção dele) Teleton( no Brasil a franquia é do SBT)

André Setaro disse...

Sim, é verdade Romero, esqueci de citar 'O rei da comédia' ('King of comedy'), que Martin Scorsese rodou com ele em 1982. Robert De Niro faz um fã fanático de Lewis que topa qualquer parada para participar de seu programa, para mostrar, neste, que também tem talento como comediante. Depois de muitas tentativas, resolve, com uma parceira, sequestrar o próprio Lewis e, com isso, consegue aparecer no programa 'coast to coast'. Pouco tempo depois Lewis sofreu violento enfarte e implantou algumas pontes de safena. Scorsese ficou impressionado com Lewis, que verificou saber de tudo sobre cinema. Fez 80 anos ano passado e se encontra lépido, fagueiro, muito bem. Apareceu extraordinário no programa de David Letterman.

nana e beto disse...

SOU LEIGA
MAS SOU GRAND EFA DO JERRY LEWIS, NOSSA SEUS FILMES SEMPRE ME FACINARAM TENHO VAIROS EM MINHA VIDEIO TECA, QUERO TER TODOS, SE ENCONTAR DVDS PARA COMPRAR ORIGINAIS EU COMPRO, TENHO VERDADEIRA ADMIRAÇÃO POR ESSE COMEDIANTE, PRECISO SABER SE ELE AINDA ESTA VIVO POR QUE SUMIU, NÃOS E FALA MASI NELE POR QUE, ELE E SIMPELSMENTE MARAVILHOSOS

Anônimo disse...

APLAUSOS INFINITOS PARA JERRY LEWIS. NOSSO ASTRO SUPREMO !!!

(JERRY LEWIS) SERÁ SEMPRE MUITO QUERIDO E AMADO PELO BRASIL.

DEIXO AQUI REGISTRADA MINHA HOMENAGEM PARA (JERRY LEWIS) COM MUITO PROFUNDO AMOR E IMENSO CARINHO.

A MAIOR FÃ DE JERRY LEWIS DE TODO O UNIVERSO.

ROBERTA MARTINS. (Fortaleza-Ceará) BRASIL