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15 fevereiro 2007

Candeias e Coimbra: antípodas


Fevereiro assinala o desaparecimento de dois realizadores paulistas, que poderiam ser caracterizados como antípodas: Ozualdo R. Candeias e Carlos Coimbra.O primeiro era um artista, um intuitivo, um poeta das imagens em movimento, tendo realizado, em 1967, um dos filmes mais expressivos e mais belos de toda a história do cinema brasileiro: A margem. Já Coimbra se caracteriza por ter sido um realizador aplicado, um artesão, em contraposição ao estilista e ao autor de filmes. Há uma, por assim dizer, carpintaria em seus trabalhos que não pode deixar de ser reconhecida, como em A morte comanda o cangaço, Independência ou morte, O santo milagroso (cito de memória e a postagem não pretende analisar a ficha filmográfica do cineasta). Se se aplicava muito na confecção do roteiro, prendia-se à gramática cinematográfica, que a queria bem colocada e, com isso, por paradoxal, a ausência de mais empenho criativo capaz de um desabrochar poético. Candeias era o oposto. Um intuitivo, as imagens vinham-lhe da imaginação, e capaz de audácias porque não existia, para ele, peias na língua do cinema. Se Coimbra era um CDF, Candeias um moleque (e Meu nome é Tonho, versão de Hamlet, para o mundo do jegue e dos boçais, é um exemplar bastante significativo). O Canal Brasil (Net/Sky, 66) está a fazer uma homenagem a Candeias nesta semana, mas com seus filmes menos significativos. Não gosto, por exemplo, de Caçada sangrenta, que, excetuando-se um ou dois momentos candeilianos, é um veículo para a apostasia de David Cardoso, que o produziu. Também A freira e a tortura, com uma bela - e nua - Vera Gimenez é pouca coisa para o talento do cineasta. Creio que foi quase impossível conseguir cópias de A margem ou Meu nome é Tonho. A foto é de Candeias já no seu outuno crepuscular.


Fiz, nos anos 80, uma entrevista com Candeias para a minha coluna de cinema da Tribuna da Bahia. Nos jardins etílicos do Instituto Goethe no Corredor da Vitória.

2 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Foi um dos responsáveis por um gênero que na época tentaram colocar o nome de "nordestern", alusão ao "western" estadunidense, que, claro, não foi adiante.
Mas o Milton (não me lembro do sobrenome) como Lampião foi marcante. Lembro de um dos seus filmes que o ator, fazendo o papel do "rei do cangaço", virava para seus companheiros e dizia: "Capa esse cabra!".

André Setaro disse...

Caro Olivieri,
O 'Nordestern', como bem você colocou, teve esta denominação dada pelo crítico Salvyano Cavalcanti de Paiva, que, além dos escritos jornalísticos sobre a arte do filme, escreveu alguns livros, entre os quais 'O gangster no cinema'.
Coimbra realizou, tem razão, vários 'nordesterns', como 'A morte comanda o cangaço', que vi na epoca, 1960, e achei, 'para filme brasileiro' (mentalidade que se tinha), bastante movimentado, colorido, 'diferente'. Em 1962, 'Lampião, o rei do cangaço', com um sofisticado personagem título interpretado com a gestualística de Leonardo Villar (mais talhado para um cangaceiro à Tennessee Williams), e Glória Menezes. Podemos aqui nos lembrar também de 'Cangaceiros de Lampião', com Milton Rodrigues, em 1966, ao lado de Vanja Orico, que esteve com Lima Barreto em 'O cangaceiro'. Em 1968, o curioso 'A madona de cedro', que o Canal Brasil passa e repassa, com Villar, Anselmo Duarte, Leila Diniz, Sérgio Cardoso, etc, baseado em livro de Antonio Callado. Ano seguinte, 'Corisco, o diabo louro', com Leila, a Diniz.
Coimbra foi um dos melhores 'carpinteiros' do cinema brasileiro. Nada a ver, porém, com o augusto Candeias.