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15 novembro 2007

Os mais belos de todos os tempos


Entre os mais belos filmes do mundo, escolhidos há pouco pela revista Cahiers du Cinema - cujo site é imperdível e deve estar sempre entre os favoritos dos cinéfilo (http://www.cahiersducinema.com/article1337.html) um filme formador que forneceu um grande impulso na minha impressão da arte do filme pela emoção: Rastros de ódio (The seachers, 1956), de John Ford, belíssimo diria, e não apenas belo. Foram 78 os votantes, escolhidos estes entre os mais renomados críticos, ensaístas e historiadores franceses. Interessante observar, no entanto, que quando Rastros de ódio foi lançado - e o vi na tela grande do cinema nos anos 60 já em reprise, a crítica fez-lhe vista grossa e, exceção de algumas vozes isoladas, a exemplo do crítico carioca Moniz Vianna, foi desprezado por aqueles que se diziam exegetas da sétima arte. Neste particular, os livros de coletâneas críticas dos pensadores do cinema (Paulo Emílio, Walter da Silveira, entre outros) viam grande cinema apenas em determinados cineastas como Eisenstein, Chaplin, Orson Welles, Roberto Rossellini, Antonioni, Bergman... Foi preciso o surgimento da Política dos Autores (Politique D'Auteurs), que emergiu em final dos anos 50, patrocinada pela redação do Cahiers para que grandes realizadores fossem descobertos, a exemplo de Hitchcock, Howard Hawks, Robert Aldrich, John Ford, entre tantos, que eram esnobados pela chamada crítica culta.
A grande surpresa da relação foi o segundo lugar dado a O mensageiro do diabo (The night of the hunter), único filme dirigido pelo ator Charles Laughton, com Robert Mitchum, obra insólita e estranha, é verdade, possuidora de uma poética capaz de causar estranheza, e a estranheza é o mistério que deve conter toda a obra que se quer de arte. O primeiro lugar é de Cidadão Kane, que ainda conserva o seu lugar no topo da lista décadas e décadas depois de sua realização. Realmente o filme de Orson Welles, e o primeiro que fez na vida, é de uma força surpreendente, que traumatizou toda uma geração e modificou a linguagem cinematográfica. Ainda em terceiro - empate técnico - A regra do jogo (La règle de jeu, 1939), de Jean Renoir (que foi o mais votado dos diretores, e, creio, a preferência vem por causa de a maioria dos votantes ser constituída de críticos franceses), obra-prima, filme introdutor com eficácia da profundidade de campo que seria moldada com mais perfeição e dinâmica por Welles em Kane e, depois, em Os melhores anos de nossas vidas, do grande William Wyler.

O quarto, Aurora (Sunrise, 1927), que Murnau fez nos Estados Unidos, aplicando as lições do expressionismo alemão com um resultado admirável, pleno de cinema e de poesia. Murnau é um dos mais importantes diretores do expressionismo, autor de obras definitivas e inovadoras como A última gargalhada, Nosferatu, Fausto... E Jean Vigo, poeta das imagens, ficou com o quinto lugar por O atalante, filme muito apreciado e aclamado. Seguem-lhe: M, o vampiro de Dusseldorf (1930), de Fritz Lang, Cantando na chuva, de Stanley Donen e Gene Kelly, Um corpo que cai, de Alfred Hitchcock, O boulevar do crime (Les enfants du paradis), de Marcel Carné, Ouro e maldição (Greed), de Stroheim, e em décimo Rastros de ódio. A relação completa pode ser conferida no site indicado. Uma curiosidade é que, na França, o título deste filme de Ford é O prisioneiro do deserto enquanto que na tradução do original, Os perseguidores.
Quem quiser ir direto para o site da revista ( o outro link acima vai direto para a lista dos mais belos filmes) que dê um clique aqui: http://www.cahiersducinema.com/site.php3
A imagem que ilustra o post é uma das mais belas da história do cinema (ou talvez mesmo a mais bela). Trata-se do final de Rastros de ódio, quando a câmera, dentro da casa, observa os personagens a entrar nela, contentes com a captura de Debbie (Natalie Wood). Somente John Wayne, o responsável pela sua vinda, é que resta sozinho, na porta, e depois deambula, como um homem sem destino, sem um propósito a cumprir, finda a missão. E a porta se fecha.

3 comentários:

André Setaro disse...

O DVD da edição comemorativa de 'Rastros de ódio' tem dois discos e conserva o enquadramento original em Vistavision. No primeiro disquinho que saiu a imagem está em 'full screen', isto quer dizer: tela cheia. No elenco de 'The seachers', além de John Wayne, Jeffrey Hunter (que foi Jesus Cristo em 'O rei dos reis'/'King of kings', de Nicholas Ray, mas teve morte prematura vitimado por um tumor no cérebro), Vera Miles (esplêndida!), Ward Bond, Harry Carry Jr,Lana Wood (irmã de Natalie, que a interpreta menina, quando sai de casa, na iminência do ataque dos comanches e vai para a lápide com o cachorrinho, momento em que, olhando para cima, depara-se com a figura de Scar, e, com isso, sem mostrar o ataque, Ford realiza uma elipse magistral, um golpe de mestre, pois o ataque dos índios não é apresentado). Natalie Wood, atriz que foi uma sensação, é Debbie, já moça, quando Ethan a encontra, e, ao invés de matá-la, leva-a de volta ao seio familiar. Há vários documentários no DVD comemorativo, e um deles mostra Martin Scorsese, John Milius, Curtis Henson, que fazem uma apreciação de 'The seachers', ressaltando a sua importância e a narrar, também, o impacto que tiveram ao vê-lo pela primeira vez. O cinema é John Ford!!!!!

Jonga Olivieri disse...

Considero esta obra de Jonh Ford, que no Brasil levou o nome de “Rastros de ódio”, uma das mais expressivas de sua também expressiva carreira cinematográfica, que focou no “western” um do seus principais temas.
E tem mais. Julgo muito justa a sua inclusão na citada lista da “Cahiers du Cinema”. E mais ainda, a cena final em que “Duke” dirigi-se à porta e ela se fecha, é magnífica e emocionante em sua singela e agreste beleza poética. E ficou mais ainda quando de sua morte, ocasião em que um certo telejornal habilmente a usou para encerrar a notícia, sobrepondo em seguida o letreiro com o seu nome e as datas: 1907-1979.

walter.blogspot.com disse...

Caríssimo André Setaro

A inclusão do filme Rastros de Ódio na lista da “Cahiers du Cinema” foi uma justiça ao mestre John Ford.

Comentam que Godard sempre chorava quando via a cena em que Ethan (John Wayne) galopa no encalço de Debbie (Natalie Wood). A cena é antológica, revestida de um vigor intenso e, ao mesmo tempo, emocionante.
Esta obra, além de eternizar no cinema as suntuosas imagens do Monument Valley, retrata a solidão de um homem em sua busca interior; na sua odisséia pelo deserto, onde a aridez da terra parece secar sua alma nômade. É difícil caminhar pelo mundo e não ter um lugar para voltar. Ser condenado a um exílio permanente deixa marcas indeléveis. O homem vingador é derrotado pelo seu vazio interior, seguirá no seu mundo de desterro, cavalgando na vastidão da pradaria. Viva Ford!