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Henri Angel, ensaísta francês, acha que o ponto de vista de um filme deve ser sempre o que é adotado pelo cineasta, quer este decida ver o mundo através dos olhos de um dos protagonistas, quer decida manter-se o mais possível exterior à ação narrada. Um caso de identificação autor-personagem é representado por O deserto vermelho (Il deserto rosso, 1964), de Antonioni, onde a realidade é vista pela câmera não como efetivamente é mas como se apresenta aos olhos do protagonista.
Outro caso de identificação autor-personagem está representado em Repulsa ao sexo (Repulsion, 65), de Roman Polansky, onde os pesadelos da protagonista (Catherine Deneuve), apresentados como objetivos, não são mais que o fruto da personagem psicopata, uma manicure sexualmente reprimida que se isola em seu apartamento e vai enlouquecendo.
No polo oposto situam-se, pela sua objetividade extrema, filmes como Nashville, de Altman, uma crônica de cinco dias da vida de uma cidade no Tennessee, Nashville, na hora do show business e de uma campanha eleitoral que serve como um testemunho à beira do desespero sobre os Estados Unidos contemporâneos. Também Lancelot, de Robert Bresson, e Nicht Versohnt, 65, de Jean-Marie Straub, obras centradas numa radical objetividade e construídas de modo a esvaziar qualquer identificação personagem-espectador e, também, redutíveis ao ponto de vista exclusivo do realizador onisciente.
Existem também filmes nos quais os pontos de vista são contraditórios ou contrastantes entre si. Rashomon, 1950, de Akira Kurosawa, filme que projetou o cinema japonês no mercado internacional, é um exemplo bem marcante. A fábula se passa no século XV numa floresta perto de Tóquio, quando um bandido afirma que matou um samurai depois de violentar a mulher dele. A mulher, porém, diz que foi ela quem matou seu próprio marido. Surge, então, a alma do morto que conta a todos, estupefatos, como se suicidou. Mas um açougueiro que a tudo ouvia, dá uma quarta versão. Em Rashomon, portanto, são fornecidos três pontos de vista diferentes do mesmo fato, todos igualmente espectáveis, até emergir deles um quarto que é o verdadeiro.
Há o caso de a ação ser contada por um morto que relata do além a sua história trágica – não existem nem realizador oculto nem personagem visível. É o que acontece em Crepúsculo dos deuses (Sunset Boulevard, 1950), de Billy Wilder, no qual o encenador protagonista conta da sua situação de defunto, o como e porque de sua morte devida à atriz famosa da qual tinha sido hóspede. A ex-estrela é Glória Swanson que, vivendo esquecida num suntuoso palácio antiquado de Hollywood, acompanhada de seu fiel criado (Erich von Stroheim), contrata um roteirista fracassado que se torna seu amante e que ela mata quando ele se recusa a continuar a relação.
A imagem que ilustra o post é de Duas garotas românticas (Les demoiselles de Rochefort, 1966), encantador filme de Jacques Demy, com Françoise Dorleac (que viria a morrer de acidente logo após concluídas as filmagens) e Catherine Deneuve, que eram irmãs na vida real.
3 comentários:
Tentativa as houve. Lembro-me que meu pai, muito tempo atrás, contou-me de um filme narrado pelo personagem, e que a câmera era o olhar do narrador, que não aparecia nenhuma vez.
Não me recordo mais de que filme. Creio que você, sem dúvida deve saber que realização, o ano de sua produçao, etc, etc...
Mas, este ponto da narrativa a partir do personagem fica extremamente estranha no cinema (parece videogame).
Uma coisa que na literatura é muito comum. O cinema, no entanto, do ponto de vista narrativo (portanto literário) também utilisa ou já usou muito desta fórmula.
Linda e saudosa imagem de Françoise Dorleac, de quem a tragédia nos privou tão cedo.
A irmã tornou-se um ícone da beleza e do estrelato no cinema francês.
Lembro-me perfeitamente de uma vez em que esteve no Brasil (1985?), e, durante a entrevista a uma emissora de TV, mordia os lábios inferiores ao ser perguntada sobre alguma coisa.
Uma cena inesquecível de uma das atrizes mais belas que o cinema nos trouxe.
O filme é 'A dama do lago', que tem direção de Robert Montgmery, todo filmado em câmera subjetiva. Se não me engano, é de 1946 ou em torno disso.
Eu sabia que você saberia.
Como costumo dizer: é uma Enciclopédia (assim mesmo com Ë" maiúsculo) ambulante de cinema!
hehehe
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