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05 setembro 2007

...E o cinema é Richard Quine!



Richard Quine, o realizador de Quando Paris alucina, é um grande comediógrafo do cinema americano, príncipe da elegância narrativa, desmistificador das convenções hollywoodianas, cineasta metalingüístico avant la lettre, que começou a se revelar em meados do decurso da década de 50, quando aparece Jejum de amor (My sister Eileen), um filme musical que conta a trajetória de duas irmãs tentando a sorte na selva de pedra nova-iorquina. Uma é bonita (Janet Leight) e a outra, feia (Betty Garret). Conseguindo uma fluência extraordinária para um realizador meio neófito no gênero, e, ainda por cima, com o excelente Jack Lemmon no elenco, figura atípica como integrante de musicais, Quine marcou a sua presença como narrador de rara habilidade e agilidade. A irmã feia quer ser escritora, e a bela conquista marinheiros brasileiros. A coreografia de Bob Fosse é um ponto alto de Jejum de amor.
Em 1956, O cadillac de ouro (The solid gold cadillac) tem a presença esfuziante de Judy Holliday como uma pequena acionista que atrapalha um plano de diretoria desonesta. Filmado em preto-e-branco, conta, porém, com a seqüência final a cores. Trata-se de uma comédia baseada numa peça de George Kauffman e H. Teichman, cuja teatralidade é bastante diluída pela competência de Quine – cineasta com particular habilidade no sentido do espetáculo. Ao lado de Holliday, Paul Douglas. Com a mesma Judy Holliday, neste mesmo ano, com o sucesso de O cadilac de ouro, Quine filma Um Casal em apuros (Full of life), outra comédia, com Richard Conte, na qual um sogro italiano vem morar e atrapalhar a vida de um casal que espera o primeiro filho.
Jack Lemmon volta a trabalhar com Quine (como viria a trabalhar inúmeras vezes) em O baile maluco (Operation mad ball, 57), filme menor na carreira de Quine, mas não desprovido de atributos. Lemmon, que considera este um de seus melhores papéis cômicos, arma, aqui, uma verdadeira operação militar para poder, em época de guerra, namorar uma enfermeira. O elenco é muito bom: Mickey Roooney, Kathy Grant, Ernie Kovacs. Lemmon novamente, e em Sortilégio de amor (Bell, book and cadle, 1958), mas a atenção maior fica com James Stewart e Kim Novak, atriz preferida de Quine e sobre a qual constrói o mito, fazendo, aqui, nesta comédia baseada em John Van Drutten, uma feiticeira em plena Nova Iorque do Século XX, que usa todos os seus poderes para conquistar um editor. Quem pode resistir aos encantos de uma feiticeira vivida por Kim Novak? O filme, apesar de não se incluir entre os mais felizes de Quine, tem a marca deste. E isso não é pouco. Como coadjuvantes, Janice Rule e, novamente, Ernie Kovacs.
Quine é um esquecido. Um cineasta importante, talvez não tanto como Frank Tashlin, mas de uma extraordinário mise-en-scène não mais encontradiça na demência cinematográfica contemporânea. Kovacks,mais Lemmon, acrescida de Doris Day, fazem parte de A viuvinha indomável (It happened to Jane, 59), outra comédia, como de hábito, com os atores preferidos, seguindo o estilo de Frank Capra ao contar a história de uma viúva que processa dono de ferrovia que deixou estragar seu carregamento de lagosta. A obstinação da “viuvinha”, da cidadã consciente de seus direitos, faz com que consiga alcançar seu objetivo.
Uma obra-prima, em 1960: O nono mandamento (Strangers when we meet), filme de envergadura, reflexão sobre o casamento e a paixão, com uma mise-en-scène capaz de provocar a mais pura estesia em cinéfilos admiradores de um Minnelli e de um Quine. É a expressão mais alta de um estilo cinematográfico, de uma maneira de fazer cinema, com uma fluência narrativa que dá à estrutura dramática um toque de musicalidade explícita. Nesta obra absorvente, Kirk Douglas é um arquiteto casado com Bárbara Rush que se apaixona, num ponto de ônibus escolar, por Kim Novak. O aspecto melodramático é diluído pela intensidade dramática da mise-en-scène.
O mundo de Suzie Wong (The world of Susie Wong, 60), que faz bastante sucesso comercial, mostra o relacionamento entre um americano tranqüilo (William Holden) e uma asiática (Nancy Kwan). É um interregno, uma pausa, para Quine se preparar para uma comédia de humor negro insuperável – e que, infelizmente, não é citada como merece: Aconteceu num apartamento, com, novamente, Kim Novak e Jack Lemmon. Vou parar por aqui. Quine fez mais, e filmes inteligentes, bem articulados como Quando Paris alucina e Como matar a sua esposa. Mas páro por aqui. O objetivo deste post é lembrar e exaltar Richard Quine.
Aconteceu em um apartamento, cujo título em português vem em decorrência do sucesso de Se meu apartamento falasse (The apartment, 1960), de Billy Wilder, pois seu original é The notorius Landlady, prova de que a alusão ao filme de Wilder aconteceu somente na distribuição brasileira, é comédia notável. Mas não podia esquecer de outra, de rara inspiração, bom gosto, humor, elegância narrativa (característica de Quine), que é Médica, bonita e solteira (Sex and the single girl, 1964), com Tony Curtis, Natalie Wood, Henry Fonda (será que uma preciosidade assim tem em DVD?). Há um filme de Quine que tem um título quilométrico: Coitadinho de papai, mamãe pendurou você no armário e eu estou tão triste (Oh dad, foor dad, mama's hung you in the closet anda I'm feeling so sad, 1967). O seu último filme foi O prisioneiro de Zenda (The prisioner of Zenda, 1979). A mediocridade, imensa, que já se instalava no cinema, afastou Richard Quine, que morreu amargurado, a pensar na sua linda Kim Novak, que o tinha abandonado há muito tempo. Perdeu a mulher e o cinema. Mas culpa dos tempos pavorosos que então se instalaram.
A imagem é do excelso O nono mandamento, um cartaz da época de seu lançamento.

5 comentários:

Anônimo disse...

Olha, independente de qualquer coisa, vamos falar de Jack Lemmon… sem dúvida um ator, que, a princípio tido como um grande comediante, que um dia fez “Síndrome da China”, e provou que era tão bom ator dramático como comediante o fôra. Depois, em “Missing” o cara simplesmente desbunda. Mas a sua imagem como grande comediante nos deixa saudades.
Já Doris Day, toda vez que falo ou penso nela lembro imediatamente da frase de Groucho em que ele diz que a cnheceu antes dela “ser virgem”. Mas, confesso, era apaixondo por ela em determinada fase da minha vida... era o meu sonho de consumo como a esposa ideal. Ela soube construir muito bem esta imagem.

Anônimo disse...

Desculpe, mas você postou uma matéria muito boa e abranjente sobre a obra de Richard Quine, e eu me ative apenas ao fascínio que tenho sobre a grande figura e ator que foi Jack Lemmon.
Vai aqui a minha ressalva para o fato de Quine ser um dos grandes realizadores do cinema estadunidense, aliás de nascença, e que realizou uma divertidíssima versão de "O prisioneiro de Zenda" com Peter Sellers. Falar nisso, outro inesquecível ator...

André Setaro disse...

Você lembrou bem, Jaoli, 'O prisioneiro de Zenda', com o grande Peter Sellers, que foi o antepenúltimo deste e o último de Richard Quine. Cineasta refinado, com acentos de requinte e sofisticação, não se deu bem com a mudança dos usos e costumes que caracterizou a década de 60. Seu tipo de cinema, elegante, pleno de 'finesse', não teria mais lugar naqueles tempos após a explosão de Woodstock. Os tempos haviam mudado para pior, e Quine, culturalmente formado em outra época, aposentou-se amargurado. Gostava de beber e, como já gostava quando 'in progress', na depressão o 'scotch' foi, realmente, o seu último companheiro da 'farra' de viver. Foi o responsável pelo descobrimento de Kim Novak, com a qual se casou, mas se separou, outro amargor na trajetória desse príncipe da 'sophisticated comedy'.

Stela Borges de Almeida disse...

Lendo e aprendendo com os entusiamado comentários da cinematografia dos anos 60. Kim Novak, Doris Day, William Holden, todos ídolos adoráveis, fiz até um álbum, onde foi parar não sei...

Stela Borges de Almeida disse...

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