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21 agosto 2007

Camelot

Camelot, musical em superprodução, foi realizado já nos estertores do gênero e não conseguiu sucesso, apesar de contar com um diretor eficiente como Joshua Logan (basta dizer que dirigiu Férias de amor/Picnic, um dos mais admirados filmes dos anos 50), e com um elenco acima da média: Richard Harris, Vanessa Redgrave, Franco Nero, Lionel Jeffries, David Hemmings. Durante as filmagens de Camelot, Redgrave se apaixonou por Franco Nero e tiveram um filho. Interessante observar que dois nomes do cast foram retirados de Blow up, de Michelangelo Antonioni: David Hemmings e Vanessa, a bela. Libreto e músicas de Alan Jay Lerner e Frederick Loew, os mesmos de My fair lady.
O gênero musical que tantas obras-primas nos deu, e ao cinema, perdeu a sua simplicidade no apagar das luzes dos anos dourados. Muitos críticos afirmam que o último musical da grande fase é Gigi, 1958, de Vincente Minnelli. Mas na década de 60, se o gênero perdeu a sua singeleza, a sua simplicidade, não deixou, no entanto, de ser explorado, com a diferença de que foi, por assim dizer, superproduzido, a exemplo de West Side Story, A noviça rebelde (The sound of music, 1965), My fair lady, Funny Girl (1968), entre outros. Um dos melhores musicais dos 60 continua sendo, para mim, Positivamente Millie, 1964, de George Roy Hill, com Julie Andrews, e A moedinha do amor, de George Sidney.
A Fox, no ocaso dos anos 60, foi à falência por causa de Hellô Dolly, produzido num momento em que a maior parte das pessoas que ia a cinema, os jovens, já tinha entrado em outra, qual seja a de Woodstock. Dirigido por Gene Kelly, e no papel título Barbra Streisand, que poucos anos sacudira a Academia com o Oscar por Funny Girl, de William Wyler, Hellô Dolly se constituiu num imenso fiasco. Por causa justamente de o gênero musical já ter dado, alguns anos antes, sinais de exaustão e pela emergência de uma nova instrumentalidade sonora: o famigerado rock.
Para ver o cartaz maior e com mais nitidez dê um clique nele.

6 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Mas, no gênero musical, talvez "o último dos moicanos" tenha sido "Xanadu" (1980). Ou será que estou enganado? Com direção de Robert Greenwald (cuja carreira está mais ligado a produções para a TV), tendo no elenco Gene Kelly e Olivia Newton-John.
Tem boas músicas, sendo que o número dos dois (em flashback) é simplesmente esplêndido.
Quanto a "Camelot", o grande sucesso mesmo é do musical da Broadway, protagonizado por nada mais nada menos do que Richard Burton e Julie Andrews.

André Setaro disse...

O musical, para muitos de seus exegetas, acabou na década de 50, sendo seu canto de cisne 'Gigi' (1958), de Minnelli. É verdade que na década seguinte, a de 60, tivemos alguns grandes musicais, a exemplo de 'Amor sublime amor' ('West Side Story', 1961), de Jerome Robbins e Robert Wise, 'My fair lady', 1964, de George Cukor, entre outros.
'Xanadu' me parece uma tentativa de se reviver o musical, mas dentro de uma perspectiva 'pop', que não deu certo. É um filme anacrônico e nada tem do 'espírito' da época de ouro do gênero. Entre os grandes musicais que vi, na minha trajetória de cinéfilo, creio que, tirante o 'hors concurs' 'Cantando na chuva', colocaria 'A roda da fortuna' ('The band wagon', 1953), de Vincente Minnelli.

Anônimo disse...

Um bom artigo para bons cinéfilos. Extrapido do G1: 19/08/2007 - 16h48 - Atualizado em 20/08/2007 - 19h32

Woody Allen: 'Bergman sempre fazia perguntas difíceis'
Em artigo escrito para o 'NYT', Woody Allen diz que Bergman era um gênio.
E diz que pretende publicar a mesma quantidade de filmes que o colega.
Woody Allen

Especial para o 'The New York Times'
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Divulgação
Cena do filme "O Sétimo Selo", de Ingmar Bergman (Foto: Divulgação)Saiba mais

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Recebi a notícia em Oviedo, uma charmosa cidadezinha do norte da Espanha onde estou filmando, de que Bergman tinha morrido. Um amigo em comum telefonou e me deram o recado no set. Bergman disse para mim uma vez que não queria morrer num dia ensolarado, e, como eu não estava lá, posso apenas desejar que ele tenha tido o tempo ameno que todos os diretores preferem.

Já disse isso antes para pessoas que têm uma visão romântica dos artistas e acham que a criação é sagrada: no final, a arte não é capaz de salvá-lo. Não importa quantos trabalhos sublimes você faça (e Bergman nos deu um menu de fantásticas obras-primas do cinema), eles não o protegem da fatal batida à porta que interrompeu o cavaleiro e seus amigos no final de “O Sétimo Selo”. E da mesma forma, num dia de verão de julho, Bergman, o grande poeta cinematográfico da mortalidade, não pôde prolongar seu próprio xeque-mate, e o melhor cineasta do meu tempo se foi.

Fiz piadas sobre a arte ser o catolicismo dos intelectuais, ou seja, uma esperançosa crença na vida após a morte. Melhor do que continuar vivendo nos corações e mentes do público é continuar vivendo no próprio apartamento, é assim que eu vejo. E certamente os filmes de Bergman continuarão a viver e serão vistos em museus e na TV e vendidos em DVDs, mas tendo-o conhecido, isso é apenas uma compensação banal, e tenho certeza de que ele ficaria muito contente em trocar cada um dos seus filmes por mais um ano de vida. Isso o teria dado perto de 60 aniversários a mais para continuar fazendo filmes; uma notável produção criativa. E, na minha imaginação, não tenho dúvidas de que seria dessa forma que ele usaria seu tempo extra, fazendo a coisa que ele mais gostava entre todas as outras, rodando filmes.



Sem preocupação com a bilheteria
Bergman gostava do processo. Ele não se preocupava muito com as respostas aos seus filmes. Ele gostava quando era apreciado, mas como me disse uma vez, “Se não gostam de um filme que eu fiz, fico chateado – por cerca de 30 segundos.” Ele não estava interessado nos resultados das bilheterias, mesmo quando os produtores e distribuidores telefonavam para ele com os números do fim de semana de estréia, que entravam por um ouvido e saíam pelo outro. Ele dizia: “Até o meio da semana o prognóstico extremamente otimista deles vai despencar para nada.” Ele gostava da aclamação da crítica, mas nem por um segundo precisava dela, e apesar de querer que o público gostasse de seu trabalho, ele nem sempre tornou seus filmes mais fáceis de assimilar.

Ainda assim, aqueles que se empenharam um pouco em decifrá-los tiveram seus esforços recompensados. Por exemplo, quando você percebe que ambas as mulheres em “O Silêncio” são de fato apenas dois aspectos conflitantes da mesma mulher, o filme que do contrário é enigmático, abre-se como que por encantamento. Ou, se você estiver por dentro da filosofia dinamarquesa antes de assistir “O Sétimo Selo” ou “O Rosto”, certamente ficará mais fácil, mas os dons de Bergman como contador de histórias eram tão fantásticos que ele conseguia manter o público atento e cativo mesmo com uma obra difícil. Ouvi pessoas saindo de alguns filmes dele dizendo: “Não entendi bem o que acabei de ver mas fiquei colado à poltrona em cada cena.”



A fidelidade de Bergman era com a teatralidade, e ele foi também um grande diretor de palco, mas seu trabalho no cinema não trazia informações só do teatro; tinha influências também da pintura, música, literatura e filosofia. Seu trabalho investigou as preocupações mais profundas da humanidade, fazendo com que seus poemas de celulóide fossem freqüentemente profundos. Mortalidade, amor, arte, o silêncio de Deus, a dificuldade das relações humanas, a agonia das dúvidas religiosas, casamentos falidos, a inabilidade das pessoas em se comunicarem.



O que responder a um gênio?
E apesar disso tudo, era um homem amável, divertido, gostava de fazer piadas, era inseguro quanto a seus imensos talentos, encantado pelas mulheres. Conhecê-lo não era como entrar de repente no templo criativo de um gênio formidável, intimidador, depressivo e introspectivo que entoava complexas epifanias com um sotaque suíço sobre o terrível destino do homem em um universo sombrio. Era mais assim: “Woody, tive esse sonho bobo em que eu apareço no set para fazer um filme e não consigo me decidir onde colocar a câmera; o ponto é, sei que sou bom nisso e que venho fazendo filmes há anos. Você já teve esses sonhos nervosos?” ou “Você acha que seria interessante fazer um filme em que a câmera não se move um centímetro e os atores somente entram e saem de enquadramento? Ou as pessoas simplesmente ririam de mim?”




New York Times
O diretor sueco, Ingmar Bergman (Foto: New York Times)O que alguém responde a um gênio no telefone? Eu não achava que era uma boa idéia, mas nas mãos dele acho que teria saído algo especial. Afinal, o repertório que ele inventou para explorar as profundidades psicológicas dos atores também teria soado absurdo para aqueles que aprendem a filmar de uma forma ortodoxa. Nas escolas de cinema (fui expulso da Universidade de Nova York bem rápido quando fui aluno de cinema lá nos anos 50) a ênfase está sempre no movimento. Essas são fotografias em movimento, ensinam para os alunos, e a câmera deve se mover. E os professores estavam certo. Mas Bergman colocava a câmera no rosto de Liv Ullmann ou de Bibi Andersson e a deixava lá, sem qualquer movimento, e o tempo passava, e mais tempo se passava, e uma coisa estranha e maravilhosa própria de seu brilhantismo acontecia. O espectador era sugado para dentro da personagem e, em vez de entediado, ficava intrigado.

Bergman, por todas as suas idiossincrasias e obsessões religiosas e filosóficas, era um contador de histórias que não sabia deixar de entreter mesmo quando sua mente estava dramatizando as idéias de Nietzsche ou Kierkegaard. Eu costumava ter longas conversas ao telefone com ele. Ele ligava da ilha onde morava. Nunca aceitei seus convites para visitá-lo porque não gostava da idéia de viajar de avião, e não me apetecia voar num avião pequeno para um pontinho no mapa próximo à Rússia para o que eu imaginava que seria um almoço regado a iogurte. Nós sempre discutíamos filmes, e obviamente eu o deixava falar muito mais porque me sentia privilegiado ouvindo seus pensamentos e idéias. Ele projetava filmes para si próprio todos os dias e nunca se cansava de assistí-los. Todos os tipos, mudos e falados. Para dormir ele assistia a algum filme que não o fizesse pensar para relaxar sua ansiedade, às vezes um filme de James Bond.

Como todos os grandes cineastas como Fellini, Antonioni e Buñuel, por exemplo, Bergman recebeu suas críticas. Mas, perdoando alguns lapsos ocasionais, todos os filmes desses artistas ecoaram profundamente em milhões de pessoas ao redor do mundo. De fato, as pessoas que mais conhecem sobre cinema, aqueles que fazem filmes – diretores, escritores, atores, diretores de fotografia, editores – vêem o trabalho de Bergman com a mais alta reverência.

Pelo fato de eu ter elogiado seu trabalho com tanto entusiasmo ao longo de décadas, quando ele morreu muitos jornais e revistas me ligaram para fazer comentários ou dar entrevistas. Como se eu tivesse algo de grande valor para acrescentar às notícias da morte além de mais uma vez simplesmente exaltar sua grandeza. Como ele me influenciou, perguntaram para mim? Ele não poderia ter me influenciado, respondi, ele era um gênio e eu não sou um e a genialidade não pode ser aprendida ou sua mágica ser transmitida.

Quando Bergman surgiu em Nova York como um grande cineasta, eu era um jovem escritor de humor e comediante da noite. Será que o trabalho de alguém pode ser influenciado tanto por Groucho Marx quanto por Ingmar Bergman? Mas consegui absorver uma coisa dele, algo que não depende de gênio nem de talento, mas algo que pode de fato ser aprendido e desenvolvido. Estou falando sobre o que é informalmente chamado de ética de trabalho, mas na verdade é simplesmente pura disciplina.

Aprendi com seu exemplo a tentar fazer sempre o melhor filme que eu sou capaz de fazer naquele momento, nunca me submetendo ao mundo maluco dos sucessos e fracassos ou sucumbindo a interpretar o papel glamouroso do diretor de cinema, mas sim terminando um filme e partindo para o próximo. Bergman fez cerca de 60 filmes em sua vida, eu fiz 38. Pelo menos, se não posso chegar à sua qualidade, talvez possa chegar perto da quantidade.

Tradução: Eloise De Vylder

Anônimo disse...

outro texto tirado do G1 e ótimo para cinéfilos: 19/08/2007 - 16h01 - Atualizado em 19/08/2007 - 17h02

Scorsese: 'Antonioni libertou o cinema'
Em artigo escrito para o 'NYT'', cineasta Martin Scorsese relembra clássicos de Antonioni.
E fala da importância dos filmes para o cinema internacional.
Martin Scorsese

Especial para o 'The New York Times'
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New York Times
O cineasta italiano Michelangelo Antonioni (Foto: New York Times)Saiba mais

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Mil novecentos e sessenta e um... Muito tempo atrás. Quase 50 anos. Mas a sensação de assistir “A Aventura” pela primeira vez ainda continua comigo, como se tivesse sido ontem.

Onde foi que eu assisti? Foi no Art Theater ou no Eighth Street? Ou foi no Beekman? Não me lembro, mas lembro da descarga elétrica que correu através de mim na primeira vez que ouvi o tema musical de abertura – ameaçador, em staccato, com o som das cordas, tão simples, tão duro, como o som que anuncia o próximo “tercio” de uma tourada. E então, o filme.



Veja fotos do diretor Michelangelo Antonioni



Um cruzeiro pelo Mediterrâneo, com o sol brilhando, em imagens em branco e preto em widescreen como eu nunca tinha visto – com uma composição tão precisa, acentuando e expressando... o quê? Um tipo de desconforto muito estranho. Os personagens eram ricos, bonitos de certa forma mas, pode-se dizer, espiritualmente feios. Quem eram eles para mim? Quem eu era para eles?

Eles chegavam em uma ilha. Separavam-se, espalhavam-se, tomavam sol, brigavam. E então, de repente, a mulher interpretada por Lea Massari, que parecia ser a heroína, desaparecia. Da vida de suas colegas personagens, e do próprio filme. Outro grande diretor fez quase que a mesma coisa naquela época, em um filme bem diferente. Mas enquanto Hitchcock nos mostra o que aconteceu com Janet Leigh em “Psicose”, Michelangelo Antonioni nunca explicou o que aconteceu com a Anna de Massari. Teria ela se afogado? Caído nas pedras? Fugido de seus amigos e começado uma nova vida? Nós nunca descobrimos.



História de detetive?
Em vez disso a atenção do filme se transferia para a amiga de Anna, Claudia, interpretada por Monica Vitti, e para seu namorado Sandro, interpretado por Gabriele Ferzetti. Eles começavam a procurar por Anna, e então o filme parecia se tornar um tipo de história de detetive. Mas logo em seguida nossa atenção era desviada da mecânica da busca, pela câmera e pela forma como ela se movia. Era impossível saber para onde ela iria, quem ou o que ela iria seguir. Da mesma forma, a atenção dos personagens se dispersava: na direção da luz, do calor, da noção do espaço. E então na direção um do outro.



Então o filme se tornou uma história de amor. Mas isso também se dissolveu. Antonioni nos fez conscientes de algo estranho e desconfortável, algo que nunca havia sido visto nos filmes. Seus personagens flutuavam pela vida, de impulso em impulso, e tudo era eventualmente revelado como um pretexto: a busca era um pretexto para ficarem juntos, e ficarem juntos era outro tipo de pretexto, algo que moldava suas vidas e os dava algum sentido.

Quanto mais eu assistia a “A Aventura” – e voltei várias vezes ao cinema – mais percebia que a linguagem visual de Antonioni nos deixava focados no ritmo do mundo: os ritmos visuais de luz e sombra, das formas arquitetônicas, das pessoas posicionadas como silhuetas em uma paisagem que sempre parecia terrivelmente vasta. E havia também o ritmo do filme, que parecia estar em sincronia com o próprio ritmo do tempo, movendo-se lentamente, inexoravelmente, permitindo que as falhas emocionais dos personagens, o que fui perceber mais tarde – a frustração de Sandro, a auto-depreciação de Claudia – silenciosamente os condenassem e os empurrassem para uma nova “aventura”, e para outra e mais outra. Exatamente como o tema de abertura, que chegava ao clímax e se dissipava, chegava ao clímax e se dissipava. Infinitamente.



A dor de estar vivo
Enquanto a maioria dos filmes que eu já tinha visto terminava para cima, “A Aventura” terminava para baixo. Faltava às personagens ou a força de vontade ou a capacidade para a verdadeira consciência de si mesmos. Eles tinham apenas algo que se passava por consciência, disfarçando os caprichos e a letargia que eram tanto infantis quanto extremamente reais. E na cena final, tão desoladora, tão eloqüente, uma das passagens mais inesquecíveis de todo o cinema, Antonioni expressou algo extraordinário: a dor de estar simplesmente vivo. E o mistério.

“A Aventura” me proporcionou um dos choques mais profundos que já experimentei no cinema, ainda maior do que com “Acossado” ou “Hiroshima Meu Amor” (feitos por dois outros mestres modernos, Jean-Luc Godard e Alain Resnais, ambos ainda vivos e trabalhando). Ou com “La Dolce Vita”. Na época havia dois grupos, o das pessoas que gostavam do filme de Fellini e das que gostavam de “A Aventura”.



Eu sabia que estava firme do lado da linha de Antonioni, mas se me perguntassem naquela época, não tenho certeza se saberia explicar por quê. Eu adorava os filmes de Fellini e admirava “La Dolce Vita”, mas era desafiado por “A Aventura”. O filme de Fellini me tocava e entretia, mas o filme de Antonioni mudou minha percepção do cinema, e o mundo ao meu redor, e fez com que ambos parecessem sem limites. (Dois anos depois voltei a assistir Fellini, e tive o mesmo tipo de epifania com “Oito e Meio”).

As pessoas que Antonioni retratava, bem semelhantes às personagens dos livros de F. Scott Fitzgerald (de quem mais tarde descobri que Antonioni gostava muito), eram tão estranhas à minha própria vida quanto poderiam ser. Mas no fim isso parecia sem importância. Eu estava hipnotizado por “A Aventura” e pelos filmes subseqüentes de Antonioni, e era o fato de que eles não se resolviam em nenhum sentido convencional que continuava a me fazer assistí-los.



Eles apresentavam mistérios – ou melhor, o mistério de quem somos, o que somos, uns em relação aos outros, a nós mesmos, em relação ao tempo. Pode-se dizer que Antonioni estava olhando diretamente para os mistérios da alma. É por isso que eu continuava voltando ao cinema. Eu queria continuar experimentando esses filmes, divagando através deles. Ainda quero.

Antonioni parecia abrir novas possibilidades a cada filme. Os últimos sete minutos de “O Eclipse”, o terceiro filme de uma trilogia informal que começou com “A Aventura” (o segundo filme é “A Noite”), era ainda mais assustador e eloqüente do que os momentos finais do primeiro filme. Alain Delon e Monica Vitti marcam um encontro, e nenhum dos dois aparece. Começamos a ver coisas, as linhas da faixa de pedestre, um pedaço de madeira flutuando em um barril – e começamos a perceber que estamos vendo os lugares em que eles estiveram, vazios de sua presença. Gradualmente Antonioni nos traz face a face com o tempo e o espaço, nada mais, nada menos. E eles olham diretamente para nós. Era assustador, e libertador. As possibilidades do cinema eram, de súbito, ilimitadas.



As maravilhas de Antonioni
Todos nós testemunhamos maravilhas nos filmes de Antonioni – tanto nos filmes que vieram depois, como nos trabalhos extraordinários que ele fez antes de “A Aventura”, em filmes como “A Dama Sem Camélias”, “As Amigas”, “O Grito” e “Crimes da Alma”, que descobri mais tarde. Tantas maravilhas – as paisagens pintadas (literamente pintadas, muito antes dos efeitos especiais) de “Deserto Vermelho” e “Depois Daquele Beijo”, e a história de detetive fotográfica deste último, que ao final levava cada vez mais para longe da verdade; o final capaz de expandir a mente de “Zabriskie Point”, tão xingado quando estreou, em que a heroína imagina uma explosão que faz com que os detritos do mundo Ocidental escorram pela tela em super slow motion e em cores vívidas (para mim Antonioni e Godard eram, entre outras coisas, verdadeiros grandes pintores modernos); e a notável cena final de “Profissão: Repórter”, em que a câmera se move lentamente para fora da janela e para dentro de um jardim, para fora do drama do personagem de Jack Nicholson e para dentro do grande drama do vento, do calor, da luz, do mundo se revelando no tempo.

Antonioni e eu cruzamos nossos caminhos algumas vezes ao longo dos anos. Certa vez passamos o Dia de Ação de Graças juntos, depois de um período muito difícil em minha vida, e fiz o meu melhor para dizer a ele o quanto significava para mim tê-lo conosco. Mais tarde, depois que ele teve um derrame e perdeu a fala, tentei ajudá-lo a levar adiante seu projeto “The Crew” – um roteiro maravilhoso escrito com seu freqüente colaborador Mark Peploe, como todas as outras coisas que ele já havia feito, e sinto muito que nunca tenha sido realizado.

Mas são suas imagens que eu conheço, muito mais do que o homem propriamente dito. Imagens que continuam a me perseguir, a me inspirar. A expandir meu senso do que é estar vivo no mundo.

Tradução: Eloise De Vylder

Anônimo disse...

Setaro, não sei se vc conhece o texto "O primeiro gole de cerveja", mas se tiver um tempo dê uma passeada em meu blogue "http://contosempre.zip.net" e leia-o; é de autoria do Philippe Delerm, premiado prosador francês. O texto é bem interessante, é é curto. Abr. Carlos Barbosa

Jonga Olivieri disse...

Concordo plenamente quanto ao "Cantando na chuva" ser o melhor musical de sempre.
Quanto a "Xanadú", você tem razão quanto ao filme no todo. O que eu gosto muito é daquele número específico. Bom, talvez seja pela própria presença do Gene Kelly, um dos expoentes da "fase áurea", como você referiu.