Mas você, disse-me um amanuense, está com mania de republicações! Sim, é verdade, confesso, pois o encontro narrado infra já foi publicado neste blog faz algum tempo. Considerando, porém, que este é um país sem memória, poucos, com certeza, haverão de lembrar. Assim, vai outra vez. Para mim, foi um momento significativo, pois James Stewart é um dos atores que mais admiro. Aliás, há poucos dias, vi, no Telecine Cult, um documentário sobre a vida desse intérprete legendário, apresentado pelo seu amigo Johnny Carlson - que, por muitos anos, foi o mestre de cerimônias da festa do Oscar. Mas, mudando de um polo a outro, gostaria de informar que o sítio Coisa de Cinema está com uma nova coluna de minha autoria. Para quem gosta de perder tempo, eis o link: http://www.coisadecinema.com.br/matNotas.asp?mat=2113
Em 1984, a CIC (Cinema International Corporation) – que, depois, se transformaria na UCI, lançou um pacote contendo cinco filmes de Hitchcock que, há vinte anos, se encontravam proibidos de exibição por exigência do mestre – não se sabe lá bem o motivo. O fato é que Janela Indiscreta, Um Corpo que Cai, O Terceiro Tiro, O Homem que Sabia Demais e Festim Diabólico, obras imprescindíveis de Hitch, puderam, duas décadas depois, serem reavaliadas e vistas pela primeira vez por toda uma geração de cinéfilos. Para prestigiar o lançamento do pacote, James Stewart esteve no Rio de Janeiro reunido com jornalistas das principais capitais do Brasil, do Oiapoque ao Chuí. O gerente regional da CIC, em Salvador, resolveu me convidar como o crítico representante da Bahia – tinha, nessa época, uma coluna diária no jornal Tribuna da Bahia, onde entrei em 1974 e, ano passado (2005), cumpridos 31 anos de batente - já se encontra em fase de finalização um livro que reúne as minhas críticas.. Fiquei entusiasmadíssimo, alvoroçado, pela oportunidade que teria de passar, um dia inteiro, com um veterano e mitológico intérprete do cinema americano, uma legenda viva.
A empresa me reservou uma passagem de ida e volta – SSA-Rio-SSA, hotel de cinco estrelas – o mesmo onde ficaria hospedado o homem que matou o facínora, e a promessa de reembolso imediato nos gastos de locomoção e alimentação. Lembro-me bem do dia: 21 de outubro de 1984. Estava chovendo. Vento leste. Medo de voar naquelas condições que se foi vencendo com várias tulipas de chope no barzinho do aeroporto. Para um amante do cinema, um presente de Zeus.
Apertando o cinco, feita a aterrissagem, cheguei ao Galeão, descortinando, antes de pousar, a bela paisagem da Cidade Maravilhosa. O Rio de Janeiro é de uma beleza indescritível. Mas a chuva continuava. Pensava em James Stewart, relembrava seus filmes enquanto sorvia mais algumas tulipas, desta vez no bar do aeroporto do Rio. Telefonei para a CIC, que me mandou pegar um táxi, pois a reserva já se encontrava feita. Num hotel luxuoso em Copacabana – diria mesmo: seis estrelas. Quem sou eu, pobre comentarista de cinema, para gozar de tais mordomias! Gozei-as, entretanto. E como!
Cheguei num domingo. Dia livre, segundo a assessora de imprensa da CIC. Aproveitei para ver, no cinema Veneza, Janela Indiscreta (Rear Window). A sala estava lotada e, antes de entrar, fiquei observando as pessoas que saiam circunspectas, caladas ou comentando. Via pelas suas fisionomias que tinham acabado de assistir a um grande filme. Já na sala escura, as imagens de Janela Indiscreta me provocaram forte emoção – já o tinha visto nos anos 60 antes de sua retirada de circulação (e, contando isso, estou ficando é velho!). Apesar de uma matinée num domingo, havia silêncio na sala, respeito pelo que se estava a ver. Há 21 anos passados. A patuléia – leia-se: os aborrecentes dos complexos de salas Multiplex, porque não nascida, ainda não comandava o espetáculo!
Saindo do cinema, fui andando até o hotel no posto seis de Copacabana. Uma caminhada e tanto. Ia pensando no encontro da segunda, o Dia D, cujas atividades se estenderiam pelo dia todo: de manhã, de tarde e de noite. Atravessei o comprido túnel, e, adentrando a Av. Atlântida, a pé, andei pelas suas calcadas cheias de bares com aquele chopinho único e especial que só se encontra no Rio de Janeiro. Há uma cultura do chope entre os cariocas inexistente, por exemplo, na Bahia. Difícil – ou impossível – se encontrar, aqui, um chope que preste. Assim, não resisti, cervejeiro que sou –e que, naquele tempo, jovem e disposto, era mais ainda, e sentei-me, lembro-me bem, no Cabral 1500. Impossível se ficar em apenas um chopinho, que desce com uma leveza impressionante e, por isso, as tulipas se multiplicaram. Quando me levantei, a noite, ainda que uma criança, dava sinais de que precisava parar e ir para o hotel descansar para o grande dia.
Acordei com o dia e por causa de um telefonema da assessora, Hannath de não-sei-o quê. Ela me disse que ficasse esperando uma caminhonete no saguão do hotel. Para ir ao centro da cidade à cabine da Paramount. Quando desci, encontrei um monte de gente também esperando: os críticos de outros estados que, a julgar pelos seus gestos e palavras, estavam eufóricos. Um, de Manaus, estava com vários colares e cocares indígenas para presentear James Stewart.
Chegando à cabine, uma sala de projeção com poltronas de veludo, James Stewart estava lá ao lado da assessora de imprensa, que nos apresentou, um a um, explicando a ele o que as pessoas faziam e de onde vinham. Entramos na cabine onde ia ser exibido Um Corpo que Cai (Vertigo). O filme se iniciou com a fabulosa perseguição pelos telhados e, em seguida, a apresentação dos créditos feita por Saul Bass, uma novidade. De repente, minha atenção se perturbou, pois James Stewart se sentou, por acaso, a meu lado. Enquanto via-o na tela, sentia a sua presença. Não assistiu ao filme até o fim, retirando-se no primeiro terço e, na hora de sair, bateu em meu ombro e disse: “I see you later” (“Eu vejo você mais tarde”) Referia-se à grande entrevista coletiva que ia acontecer no salão do hotel no horário vespertino.
A tarde chegou cedo e o meu tempo, o psicológico, por fugaz, fez com que, mal terminada a projeção, já estivesse a postos no grande salão onde se realizaria a entrevista. Os lugares, todos marcados com os nomes dos jornalistas e, em cada cadeira, uma pasta contendo dados sobre os filmes e sobre Stewart, além de muitas fotografias. Lembro-me de Ruy Castro, que, naquele tempo, era free-lance da Folha de S. Paulo Cada jornalista tinha de esperar a sua vez. Quando chegou a minha, perguntei a Stewart qual o seu filme preferido de Hitch. Olhando-me com aqueles dois olhos azuis resplandecentes, respondeu-me que Janela Indiscreta, fazendo longas considerações pelo motivo de sua preferência.
À noite, um jantar no hotel. Conversei um pouco com Stewart, que, nessa ocasião, me apresentou à sua esposa, Gloria, de longa data. Fiquei de olho em Stewart e nas bandejas circulantes dos garçons, que continham copos, gelo abundante e scotch. Depois da quarta dose, aproximei-me dele, que estava em pé, disponível, ao lado da intérprete. Foi então que conversamos mais. Ele me falou de sua infância difícil, da conquista, nos anos 40 do Oscar de melhor ator, que o enviou ao pai, dono de uma loja comercial, que colocou a estatueta na vitrine. Falou-me de Hitch, de Capra, de John Ford (tinha medo de trabalhar com Ford e só entrou no cast de O Homem que Matou o Facínora por insistência de John Wayne, mas Ford gostou dele, convidando-lhe para mais filmes).
Dentro do avião de volta, peguei a Folha de S.Paulo para ler. Fui direto à Ilustrada, que estampava: “O melhor filme de Hitch para Jimmy é Janela Indiscreta”. Minha pergunta foi roubada, pensei com meus aflitos botões. Mas era tarde demais. Naquele tempo não havia computador, e-mails, e minha reportagem somente veio a ser publicada dias depois.
A empresa me reservou uma passagem de ida e volta – SSA-Rio-SSA, hotel de cinco estrelas – o mesmo onde ficaria hospedado o homem que matou o facínora, e a promessa de reembolso imediato nos gastos de locomoção e alimentação. Lembro-me bem do dia: 21 de outubro de 1984. Estava chovendo. Vento leste. Medo de voar naquelas condições que se foi vencendo com várias tulipas de chope no barzinho do aeroporto. Para um amante do cinema, um presente de Zeus.
Apertando o cinco, feita a aterrissagem, cheguei ao Galeão, descortinando, antes de pousar, a bela paisagem da Cidade Maravilhosa. O Rio de Janeiro é de uma beleza indescritível. Mas a chuva continuava. Pensava em James Stewart, relembrava seus filmes enquanto sorvia mais algumas tulipas, desta vez no bar do aeroporto do Rio. Telefonei para a CIC, que me mandou pegar um táxi, pois a reserva já se encontrava feita. Num hotel luxuoso em Copacabana – diria mesmo: seis estrelas. Quem sou eu, pobre comentarista de cinema, para gozar de tais mordomias! Gozei-as, entretanto. E como!
Cheguei num domingo. Dia livre, segundo a assessora de imprensa da CIC. Aproveitei para ver, no cinema Veneza, Janela Indiscreta (Rear Window). A sala estava lotada e, antes de entrar, fiquei observando as pessoas que saiam circunspectas, caladas ou comentando. Via pelas suas fisionomias que tinham acabado de assistir a um grande filme. Já na sala escura, as imagens de Janela Indiscreta me provocaram forte emoção – já o tinha visto nos anos 60 antes de sua retirada de circulação (e, contando isso, estou ficando é velho!). Apesar de uma matinée num domingo, havia silêncio na sala, respeito pelo que se estava a ver. Há 21 anos passados. A patuléia – leia-se: os aborrecentes dos complexos de salas Multiplex, porque não nascida, ainda não comandava o espetáculo!
Saindo do cinema, fui andando até o hotel no posto seis de Copacabana. Uma caminhada e tanto. Ia pensando no encontro da segunda, o Dia D, cujas atividades se estenderiam pelo dia todo: de manhã, de tarde e de noite. Atravessei o comprido túnel, e, adentrando a Av. Atlântida, a pé, andei pelas suas calcadas cheias de bares com aquele chopinho único e especial que só se encontra no Rio de Janeiro. Há uma cultura do chope entre os cariocas inexistente, por exemplo, na Bahia. Difícil – ou impossível – se encontrar, aqui, um chope que preste. Assim, não resisti, cervejeiro que sou –e que, naquele tempo, jovem e disposto, era mais ainda, e sentei-me, lembro-me bem, no Cabral 1500. Impossível se ficar em apenas um chopinho, que desce com uma leveza impressionante e, por isso, as tulipas se multiplicaram. Quando me levantei, a noite, ainda que uma criança, dava sinais de que precisava parar e ir para o hotel descansar para o grande dia.
Acordei com o dia e por causa de um telefonema da assessora, Hannath de não-sei-o quê. Ela me disse que ficasse esperando uma caminhonete no saguão do hotel. Para ir ao centro da cidade à cabine da Paramount. Quando desci, encontrei um monte de gente também esperando: os críticos de outros estados que, a julgar pelos seus gestos e palavras, estavam eufóricos. Um, de Manaus, estava com vários colares e cocares indígenas para presentear James Stewart.
Chegando à cabine, uma sala de projeção com poltronas de veludo, James Stewart estava lá ao lado da assessora de imprensa, que nos apresentou, um a um, explicando a ele o que as pessoas faziam e de onde vinham. Entramos na cabine onde ia ser exibido Um Corpo que Cai (Vertigo). O filme se iniciou com a fabulosa perseguição pelos telhados e, em seguida, a apresentação dos créditos feita por Saul Bass, uma novidade. De repente, minha atenção se perturbou, pois James Stewart se sentou, por acaso, a meu lado. Enquanto via-o na tela, sentia a sua presença. Não assistiu ao filme até o fim, retirando-se no primeiro terço e, na hora de sair, bateu em meu ombro e disse: “I see you later” (“Eu vejo você mais tarde”) Referia-se à grande entrevista coletiva que ia acontecer no salão do hotel no horário vespertino.
A tarde chegou cedo e o meu tempo, o psicológico, por fugaz, fez com que, mal terminada a projeção, já estivesse a postos no grande salão onde se realizaria a entrevista. Os lugares, todos marcados com os nomes dos jornalistas e, em cada cadeira, uma pasta contendo dados sobre os filmes e sobre Stewart, além de muitas fotografias. Lembro-me de Ruy Castro, que, naquele tempo, era free-lance da Folha de S. Paulo Cada jornalista tinha de esperar a sua vez. Quando chegou a minha, perguntei a Stewart qual o seu filme preferido de Hitch. Olhando-me com aqueles dois olhos azuis resplandecentes, respondeu-me que Janela Indiscreta, fazendo longas considerações pelo motivo de sua preferência.
À noite, um jantar no hotel. Conversei um pouco com Stewart, que, nessa ocasião, me apresentou à sua esposa, Gloria, de longa data. Fiquei de olho em Stewart e nas bandejas circulantes dos garçons, que continham copos, gelo abundante e scotch. Depois da quarta dose, aproximei-me dele, que estava em pé, disponível, ao lado da intérprete. Foi então que conversamos mais. Ele me falou de sua infância difícil, da conquista, nos anos 40 do Oscar de melhor ator, que o enviou ao pai, dono de uma loja comercial, que colocou a estatueta na vitrine. Falou-me de Hitch, de Capra, de John Ford (tinha medo de trabalhar com Ford e só entrou no cast de O Homem que Matou o Facínora por insistência de John Wayne, mas Ford gostou dele, convidando-lhe para mais filmes).
Dentro do avião de volta, peguei a Folha de S.Paulo para ler. Fui direto à Ilustrada, que estampava: “O melhor filme de Hitch para Jimmy é Janela Indiscreta”. Minha pergunta foi roubada, pensei com meus aflitos botões. Mas era tarde demais. Naquele tempo não havia computador, e-mails, e minha reportagem somente veio a ser publicada dias depois.
2 comentários:
Setaro,
Gostei muito do seu relato sobre o encontro que teve com James Stewart, ator também de minha grande admiração. Stewart é uma lenda do cinema, uma figura emblemático que ficou, para sempre, no imaginário do século XX. Apesar de sempre conservar aquele seu jeitão peculiar, dava-se bem em qualquer gênero: comédia, westerns, aventuras, policiais. Veja, por exemplo, o advogado de 'Anatomia de um crime', de Otto Preminger. Ou o violento cowboy de 'Região de ódio', de Anthony Mann. Ou, entre tantos!, o forasteiro de 'O homem que matou o facínora', de Ford, que, como você mesmo escreveu, além de uma obra-prima, é obra crepuscular de um gênero nos seus estertores. Um grande abraço do admirador Rodrigo.
O bom e velho "Jimmy".
Sem dúvida uma das expressões do cinema em todos os tempos.
De aspecto tímido, um homem comum.
Um andar desajeitado e uma voz de Pato Donald.
Mas, nas mãos de um Capra, e, principalmente do mestre Hitch, um dos maiores atores que o cinema exibiu.
Deve ter sido uma emoção indescritível ter estado com ele. Essa é para contar pros netinhos.
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