No crepúsculo dos anos 50, influenciados pelo êxito retumbante de ‘O cangaceiro’ (1953), de Lima Barreto, que ganhou, antes de ‘O pagador de promessas’, uma Palma de Ouro em Cannes, com a chanchada em seus estertores, ainda que viva, e o Cinema Novo a plantar suas sementes, surgiu, no cinema brasileiro, um filão que conquistou, de imediato, o público: o do filme de cangaço ou ‘nordestern’, como bem definiu o crítico Salvyano Cavalcanti de Paiva. O primeiro filme que alavancou, por assim dizer, o filão foi ‘A morte comanda o cangaço’ (1960), de Carlos Coimbra, uma produção de Aurora Duarte com o indefectível Milton Ribeiro. Seguiram-se-lhe: ‘Lampião, o rei do cangaço’ (1962), do mesmo Coimbra, com uma caricata performance de Leonardo Villar no papel título, ‘Nordeste sangrento’ (1962), de Wilson Silva, ‘Três cabras de Lampião’, de Aurélio Teixeira, ‘O cabeleira’ (1963), de Milton Amaral, entre outros. O esquema narrativo dos filmes se estruturava no do ‘western’ americano, mas o que fazia o encantamento da platéia estava na indumentária, nas músicas, apesar do esquema simplório no estabelecimento do desenvolvimento do conflito.
O cangaço, no entanto, se despertou um público expressivo para o cinema brasileiro, nunca foi contemplado com um estudo mais profundo, uma análise mais perfuratriz do seu filão. O livro de Maria do Rosário Caetano, articulista do Estado de S, Paulo e grande defensora do cinema brasileiro (autora de uma revista digital que condensa quase tudo pertinente à cinematografia que se faz por aqui, o ‘Almanaque’), ‘Cangaço: O Nordestern no Cinema Brasileiro’, editado pela Avathar (Brasília), vem, em boa hora, resgatar o tempo perdido. Pode-se dizer que é a obra mais significativa que trata do assunto, com a mais ampla abordagem sobre o fenômeno do cangaço no cinema nacional. Dedicado a Miguel Torres (1926/1962), ator e roteirista apaixonado pelas histórias do cangaço, a publicação, organizada por Rosário, contém uma seleção primorosa de ensaios de pesquisadores qualificados. O livro pode ser encontrado, aqui em Salvador, naquela grande livraria situada na rua Direita da Piedade.
O espaço não permite fazer maiores considerações sobre a obra, mas, assim mesmo, num ‘vol d’oiseaux’, ‘Cangaço: O Nordestern no Cinema Brasileiro’, vale ressaltar, não é um livro destinado apenas à leitura, mas obra para se guardar, pois de referência e que aborda um tema quase esquecido na bibliografia do cinema brasileiro.O ensaio de Walnice Nogueira Galvão, ‘Metamorfoses do sertão’, é primoroso, pois uma descrição iconográfica de um cangaceiro. O texto pioneiro, no entanto, quase um elemento deflagrador de um outro olhar sobre o cangaço, é o escrito a quatro mãos por Lucila Ribeiro Bernardet ((1935-1993) e Francisco Ramalho Junior, ‘Cangaço: Da vontade de se sentir enquadrado’, que, no caso de Rosário, deflagra realmente, porque fonte inspiradora do livro. Escrito em 1966, há, portanto, 39 anos, permaneceu inédito por todo esse tempo e foi ao lê-lo que a chama se acendeu em Rosário para dar ao cangaço a dimensão que o filão estava por merecer.
Dois baianos fazem parte da antologia: o cineasta e pesquisador José Umberto, autor de ‘A musa do cangaço’, que escreve sobre o filme que retrata Lampião feito por Benjamim Abraão em 1936, e Alberto Freire, que faz uma comparação entre o célebre ‘O cangaceiro’, de Lima Barreto, e seu ‘remake’, feito nos anos 90 por Aníbal Massaini Neto. Sobre ser uma análise arguta e competente sobre os dois filmes, não se pode deixar de acrescentar, aqui, que o filme de Massaini é um pálido reflexo do de Barreto, e se poderia dizer mesmo um grande retrocesso no filão e obra anacrônica. Nada a ver, no entanto, com a investigação comparativa de Alberto Freire.
Ruy Guerra escreve sobre o homem que matou Corisco, Luiz Zanin Oricchio sobre este, como um cangaceiro paradoxal, Marcelo Dídimo revisita, com brilho, o cangaço em ‘O baile perfumado’ (que considero um dos melhores filmes da chamada retomada do cinema brasileiro), Rosário observa o fenômeno nos documentários da Blimp Filmes, e Luis Felipe Miranda (autor de um excelente dicionário sobre cineastas nacionais), com um olhar de historiador, faz um paralelo entre o cinema e cangaço. Além da introdução da autora, há, no final do livro, uma filmografia e uma biblografia, e, ainda, um perfil dos autores.
‘Cangaço: O Nordestern no Cinema Brasileiro’ já pode ser considerado uma referência para todos aqueles que queiram estudar o fenômeno e o filão. Dando uma olhada na filmografia, o mais clássico dos filmes de cangaço feitos no Brasil é, sem dúvida, ‘O cangaceiro’ (que Glauber Rocha tanto criticou em ‘Revisão crítica do cinema brasileiro’ e, depois, arrependido, foi pedir desculpas a Lima Barreto). O melhor, sem dúvida, pois ‘Deus e o diabo na terra do sol’ entra na categoria de ‘hors concurs’. Porque, talvez, vistos na adolescência, colocaria em destaque ‘A morte comanda o cangaço’ e ‘Entre o amor e o cangaço’ (1965), de Aurélio Teixeira, em cinemascope e preto-e-branco, que considerei, na época, um filme envolvente (visão de menino).
O cangaço, no entanto, se despertou um público expressivo para o cinema brasileiro, nunca foi contemplado com um estudo mais profundo, uma análise mais perfuratriz do seu filão. O livro de Maria do Rosário Caetano, articulista do Estado de S, Paulo e grande defensora do cinema brasileiro (autora de uma revista digital que condensa quase tudo pertinente à cinematografia que se faz por aqui, o ‘Almanaque’), ‘Cangaço: O Nordestern no Cinema Brasileiro’, editado pela Avathar (Brasília), vem, em boa hora, resgatar o tempo perdido. Pode-se dizer que é a obra mais significativa que trata do assunto, com a mais ampla abordagem sobre o fenômeno do cangaço no cinema nacional. Dedicado a Miguel Torres (1926/1962), ator e roteirista apaixonado pelas histórias do cangaço, a publicação, organizada por Rosário, contém uma seleção primorosa de ensaios de pesquisadores qualificados. O livro pode ser encontrado, aqui em Salvador, naquela grande livraria situada na rua Direita da Piedade.
O espaço não permite fazer maiores considerações sobre a obra, mas, assim mesmo, num ‘vol d’oiseaux’, ‘Cangaço: O Nordestern no Cinema Brasileiro’, vale ressaltar, não é um livro destinado apenas à leitura, mas obra para se guardar, pois de referência e que aborda um tema quase esquecido na bibliografia do cinema brasileiro.O ensaio de Walnice Nogueira Galvão, ‘Metamorfoses do sertão’, é primoroso, pois uma descrição iconográfica de um cangaceiro. O texto pioneiro, no entanto, quase um elemento deflagrador de um outro olhar sobre o cangaço, é o escrito a quatro mãos por Lucila Ribeiro Bernardet ((1935-1993) e Francisco Ramalho Junior, ‘Cangaço: Da vontade de se sentir enquadrado’, que, no caso de Rosário, deflagra realmente, porque fonte inspiradora do livro. Escrito em 1966, há, portanto, 39 anos, permaneceu inédito por todo esse tempo e foi ao lê-lo que a chama se acendeu em Rosário para dar ao cangaço a dimensão que o filão estava por merecer.
Dois baianos fazem parte da antologia: o cineasta e pesquisador José Umberto, autor de ‘A musa do cangaço’, que escreve sobre o filme que retrata Lampião feito por Benjamim Abraão em 1936, e Alberto Freire, que faz uma comparação entre o célebre ‘O cangaceiro’, de Lima Barreto, e seu ‘remake’, feito nos anos 90 por Aníbal Massaini Neto. Sobre ser uma análise arguta e competente sobre os dois filmes, não se pode deixar de acrescentar, aqui, que o filme de Massaini é um pálido reflexo do de Barreto, e se poderia dizer mesmo um grande retrocesso no filão e obra anacrônica. Nada a ver, no entanto, com a investigação comparativa de Alberto Freire.
Ruy Guerra escreve sobre o homem que matou Corisco, Luiz Zanin Oricchio sobre este, como um cangaceiro paradoxal, Marcelo Dídimo revisita, com brilho, o cangaço em ‘O baile perfumado’ (que considero um dos melhores filmes da chamada retomada do cinema brasileiro), Rosário observa o fenômeno nos documentários da Blimp Filmes, e Luis Felipe Miranda (autor de um excelente dicionário sobre cineastas nacionais), com um olhar de historiador, faz um paralelo entre o cinema e cangaço. Além da introdução da autora, há, no final do livro, uma filmografia e uma biblografia, e, ainda, um perfil dos autores.
‘Cangaço: O Nordestern no Cinema Brasileiro’ já pode ser considerado uma referência para todos aqueles que queiram estudar o fenômeno e o filão. Dando uma olhada na filmografia, o mais clássico dos filmes de cangaço feitos no Brasil é, sem dúvida, ‘O cangaceiro’ (que Glauber Rocha tanto criticou em ‘Revisão crítica do cinema brasileiro’ e, depois, arrependido, foi pedir desculpas a Lima Barreto). O melhor, sem dúvida, pois ‘Deus e o diabo na terra do sol’ entra na categoria de ‘hors concurs’. Porque, talvez, vistos na adolescência, colocaria em destaque ‘A morte comanda o cangaço’ e ‘Entre o amor e o cangaço’ (1965), de Aurélio Teixeira, em cinemascope e preto-e-branco, que considerei, na época, um filme envolvente (visão de menino).
Um comentário:
Setaro,
Parabéns pela sua resenha do livro "Cangaço-O Nordestern no Cinema Brasileiro", .
"O Cangaceiro" de Lima Barreto pertence à minha memória fílimica e afetiva. Apesar de todas as críticas que recaem sobre ele, a sua permanência histórica como o genuíno filme brasileiro aida deve durar algumas gerações.
Grande abraço,
Alberto Freire
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