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18 dezembro 2013
16 dezembro 2013
O Imaginário de Juraci Dórea no Sertão/Veredas
| O jornalista e cinéfilo Dimas Oliveira, o cineasta Tuna Espinheira, Juraci Dórea e outro da equipe. |
Terça, dia 17, às 21 horas, numa das salas dos confortáveis cinemas recém-inaugurados do Shopping Barra, a avant-première do mais novo filme de Tuna Espinheira: O Imaginário de Juraci Dórea no Sertão/Veredas. O texto abaixo tem como escrevinhador o próprio Tuna, velho de guerra.
"Era uma vez o sertão que virou museu a céu aberto, ao sol, a
chuva, ao tempo, ao vento... tudo se fez precisamente assim, quando o artista,
Juraci Dórea, teve a ideia do Projeto Terra e
arrumou seu matulão para cair no mundo, fazendo às vezes do pregador
bíblico, João Batista, adentrando as veredas do sertão baiano, descortinando
suas icônicas esculturas, de madeiras vestidas de couro, com uma linguagem
contemporânea, desconhecida naqueles ermos, bradando no deserto. Logo/logo, viriam as exposições itinerantes,
ciganas, de quadros de pintura, de porte razoável de tamanho, com motivos
populares, viriam a alegar as retinas cansadas dos viventes da região. Um
festão em cada lugar por onde passava. E assim foi que, estas semeaduras de
arte, em léguas tiranas , no agreste, através de documentações fotográficas, chegaram
à mídia, escrita, falada, televisada, chamou a atenção, de um público vário,
por todo canto, principalmente, os críticos das artes plásticas, entre eles
Frederico Morais, o que tornou visível aquela épica, emblemática e indômita forma do fazer arte em
dialogo interativo com um mundo invisível. E deu-se que, o trabalho do artista
ganhou botas de sete léguas e asas de albatroz, e, invertendo a normalidade do
processo, saiu do assombroso museu a Deus dará, para os espaços emblemáticos
das Bienais, São Paulo, Veneza, Cuba... e as inúmeras exposições, Brasil afora
e além fronteiras... E o Sertão virou mar...
Nosso projeto de um filme/documentário, assim foi em busca
de contar esta estória cuja gênese é o distante 1982, tempo abissal, sobretudo
para encontrar vestígios das esculturas pioneiras, urdidas como arte efêmera,
sobretudo as esculturas, construídas com madeiras e vestidas com o couro,
expostas ao tempo, sujeita aos predadores naturais ( o couro é precioso e de
grande utilidade naqueles meios), o que justificava a sua morte anunciada.
Juraci Dórea embarcou nesta canoa, foi um dos mais indômitos membros da equipe,
botou a mão na massa, além de personagem desta estória, em imagem em movimento,
agiu, todo o tempo como cúmplice do nosso fazer. Plantamos, de Feira de
Santana, passando por Monte Santo e Canudos, quatro novas e enormes esculturas,
conversamos com muita gente sertaneja... À mercê do calor da hora, fomos
colhendo material... O possível e impossível para contar a saga deste
estranhíssimo Projeto Terra, catando, aqui e açula, o combustível necessário
para que La Nave Vá... E ela foi..
e-mail: tuna.dandrea@gmail.com
15 dezembro 2013
Dupla homenagem: Alexandre e Sílvio Robatto
Pioneiro do cinema baiano, Alexandre Robatto, Filho, começa a fazer filmes, nos anos 30, com uma câmera de 8mm, registrando os ainda incipientes sistema de abastecimento d'água da cidade de Salvador.Antes dele, tem-se notícias de alguns nomes como os de Diomedes Gramacho, José Dias da Costa, mas cujos filmes desapareceram - conta-se que Gramacho, desesperado com um incêndio em seu laboratório, jogou todo o seu trabalho nas águas da Bahia de Todos os Santos. Alexandre Robatto, Filho, desenvolveu melhor o seu pendor cinematográfico, quando partiu para a bitola de 16mm nos anos 40, e se dedicou ao registro documentário (A guerra das boiadas talvez seja o exemplo mais acabado desta fase). Vale ressaltar, que o trabalho cinematográfico feito por Robatto é um trabalho de aventura e heroísmo, considerando que na Bahia não existiam laboratórios que pudessem revelar os filmes, nem mesas de montagem, equipamentos para mixagem, enfim, nada: tudo tinha que ser feito, fora as filmagens, no Rio de Janeiro. É na década de 50 que realizou seus filmes esteticamente mais elaborados, a exemplo de Entre o mar e o tendal (1953), Xaréu e Vadiação (1955).
Robatto registrou acontecimentos e eventos marcantes da velha província da Bahia, a exemplo de Quatro séculos em desfile, quando da comemoração gigantesca dos 400 anos da fundação da cidade em 1949, um desfile monumental que se não tivesse sido filmado pelas lentes do cineasta ficaria apenas na memória de alguns sobreviventes ou nos arquivos empoeirados dos jornais. Chianca di Garcia, já uma celebridade, foi o organizador geral da manifestação cívica. Também no mesmo ano, na ocasião em que os restos mortais de Ruy Barbosa vieram do Rio para serem alojados no então recém-inaugurado Fórum, que dá nome ao ilustre jurista, o desfile que acompanhou o carro está retido nas imagens de A volta de Ruy.
Os refrigerantes Fratelli Vitta produziram O regresso de Marta Rocha, em 1955, quando da volta à Bahia da formosa baiana que não conseguiu o pódio de Miss Universo por causa de "uma polegada a mais", como fala célebre música popular. Robatto, neste documentário precioso, mostra desde a chegada de Marta, num acanhado aeroporto provinciano, a sua passagem em carro aberto pelas ruas do centro histórico, uma festa em sua homenagem no Clube Bahiano de Tênis, e uma visita à fábrica de refrigerantes patrocinadora, que, além destes, fabricava também cristais da melhor qualidade e que eram, inclusive, exportados.
Seu filho, Sílvio Robatto sempre o acompanhou no itinerário da captação das imagens em movimento e é autor de alguns curtas, entre os quais, Igreja.
Dentista por profissão, o cinema era um hobby, que se tornou, com o passar do tempo, em importante referência para a história do cinema baiano. Não seria exagero dizer que Barravento (1959/1962), primeiro filme de Glauber Rocha no longa metragem, tem uma certa influência da estética robattiana.
Entre os dias 17 e 21 de dezembro, realiza-se, no Teatro Vila Velha, a Mostra Alexandre e Sílvio Robatto, com uma exposição de fotos e o lançamento de Sílvio Robatto, um homem feliz, escrito por Symona Gropper, além da exibição de dois filmes de Robatto e o documentário Os filmes que eu não fiz, de Petrus Pires.
14 dezembro 2013
Lançamento de livros no Centro dos Correios
Os escritores Samarone Lima, Wellington de Melo, Plácido Villanova e Bernardo Almeida lançam seus livros, dia 18 de dezembro, quarta, no Centro Cultural Correios. A conferir.
11 dezembro 2013
"O Nono Mandamento", de Richard Quine
Há melodramas e melodramas. Muitos beiram ao dramalhão, ao apelo excessivo aos sentimentos, outros são refinados, sofisticados, chegam a nos causar estesia, como podem servir de exemplos os melodramas de Vincente Minnelli, Douglas Sirk, entre outros. Richard Quine, príncipe da sofisticação e da elegância, é um realizador notável, quer nas comédias, quer nos melodramas - Sortilégio do amor, Como matar sua esposa, Aconteceu num apartamento, Quando Paris alucina... Em O nono mandamento (Strangers when we meet, 1960), vídeo que está aqui na página, um arquiteto casado (Kirk Douglas) apaixona-se pela vizinha também do mesmo estado civil. Além dos dois principais, Barbara Rush e Walter Matthau, Ernie Kovacs. Partitura de excelência de George Dunning.
10 dezembro 2013
"Nasce uma estrela" reinventa o CinemaScope
A Warner lançou, já há alguma tempo (e parece que está esgotado), no
mercado um DVD duplo contendo a versão restaurada de Nasce uma Estrela (A Star is Born, 1955), de George Cukor, com
interpretações inexcedíveis de Judy Garland e James Mason. Quando do lançamento
do filme nos anos 50, a
Warner, por achar excessivo um musical com três horas de duração, cortou 27
minutos, desfigurando, com isso, esta obra-prima. Há pouco mais de dez anos, um
abnegado pesquisador do American Film
Institut pediu ajuda à Academia de Artes e Ciências de Hollywood a fim de que
esta solicitasse à Warner uma permissão para que o pesquisador desse uma busca
nos depósitos da companhia. Atendido ao pedido, este começou a procurar e
acabou por encontrar os 27 minutos cortados. Estragados, precisou restaurá-los,
ficando três minutos apenas em fotos fixas pela impossibilidade de revivê-los
no celulóide. Esse DVD duplo, portanto. é uma preciosidade, pois o resgate de
um filme extraordinário, que assinala a maior interpretação de Judy Garland no
cinema. Ela, na época, estava profundamente depressiva - sempre dependendo de
álcool e barbitúricos e, para conseguir trabalhar no filme, fez um esforço
enorme para se livrar das drogas. Tem um desempenho maravilhoso como Vicky
Lester, a cantora que, descoberta por Norman Mailer (James Mason, soberbo),
ator famoso de Hollywwod, e que se apaixona por ela, ascende ao estrelato
enquanto Mailer, derrotado pelo alcoolismo, vê a sua decadência. Enquanto ela
sobe, ele cai. É a segunda versão - e a melhor - dessa história - a primeira,
dos anos 30, foi feita por William Wellman, com qualidades inegáveis já que
este diretor era um especialista, mas a terceira, de Frank Pierson, com Barbra
Streisand, de 1975, é um lixo.
O cinemascope, que a
Fox introduzira em 1953 em
O Manto Sagrado (The Robe), mas que já havia sido
inventado pelo francês Henri Chrétien há algumas décadas, não tinha ainda sido
utilizado com um propósito estético e linguístico determinado até que Cukor
fizesse Nasce uma Estrela. O cineasta
revolucionou o cinemascope e mostrou uma utilização extraordinária de sua
amplitude retangular em função do tecido dramatúrgico. O que pode ser
verificado no número no qual Garland conta a sua trajetória - um dos maiores e
melhores da história do cinema, que dura 18 minutos e foi, na versão anterior,
cortado pela Warner, mas que na cópia do DVD está completamente restaurado. É
preciso, porém, que a versão do DVD contemple toda a extensão da tela anamórfica,
ou, então, seja formatado. Tudo em
A Star is Born é uma promoção do encantamento,
da beleza, apesar do tom trágico do final. É um filme sobre a mise-en-scène e, também, sobre o drama
do alcoolismo, que se estende, aqui, para o drama da própria condição humana.
Por pensar em Nasce uma estrela, há filmes que podem ser vistos em DVD sem perder, por assim dizer, a sua 'aura'. E outros que, no disquinho, são maltratados, perdem a sua integridade, havendo interferência no espaço da totalidade de seus enquadramentos. A experiência de se estar numa sala escura, e de ver um filme na tela grande, é fundamental. Quando se assiste ao DVD, há, no processo de comunicação entre a emissão e a recepção, 'ruídos indesejáveis - a pequenez da tela, pessoas que passam, o telefone que toca, um familiar que pergunta, que fala etc. No 'texto' imagético propriamente dito, há os problemas da diminuição e da preparação psicológica daquele que vê o vídeo. Numa sala escura, o espectador prepara-se para ela. É verdade que existem os aficionados mais atentos - como este comentarista - que, por respeito à obra cinematográfica e porque acha que toda atenção é pouca, não assistem ao vídeo em sala de estar familiar, reservando-se para a calada da noite, quando todos estão nos braços de Morfeu. E podem ficar, sozinhos, a fruir o espetáculo. Mas como se ia dizendo, há filmes que satisfazem em vídeo e outros que são destruídos. Exemplos: filmes realizados em planos fechados e que se passam em interiores podem ser vistosem vídeo. Já obras que
exploram grandes espaços, têm muitos planos gerais e de conjunto são
prejudicadas na fita magnética. E existe o problema do filme originariamente
filmado em
cinemascope. Como sentir 2001, Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick, na pequenez do
aparelho doméstico? É simplesmente impossível. Neste caso, tem-se, apenas, uma
idéia do filme.
Por pensar em Nasce uma estrela, há filmes que podem ser vistos em DVD sem perder, por assim dizer, a sua 'aura'. E outros que, no disquinho, são maltratados, perdem a sua integridade, havendo interferência no espaço da totalidade de seus enquadramentos. A experiência de se estar numa sala escura, e de ver um filme na tela grande, é fundamental. Quando se assiste ao DVD, há, no processo de comunicação entre a emissão e a recepção, 'ruídos indesejáveis - a pequenez da tela, pessoas que passam, o telefone que toca, um familiar que pergunta, que fala etc. No 'texto' imagético propriamente dito, há os problemas da diminuição e da preparação psicológica daquele que vê o vídeo. Numa sala escura, o espectador prepara-se para ela. É verdade que existem os aficionados mais atentos - como este comentarista - que, por respeito à obra cinematográfica e porque acha que toda atenção é pouca, não assistem ao vídeo em sala de estar familiar, reservando-se para a calada da noite, quando todos estão nos braços de Morfeu. E podem ficar, sozinhos, a fruir o espetáculo. Mas como se ia dizendo, há filmes que satisfazem em vídeo e outros que são destruídos. Exemplos: filmes realizados em planos fechados e que se passam em interiores podem ser vistos
Se não fosse pelo
aparelho de DVD, o cinema do pretérito somente poderia ser visto em cinematecas. E como
aqui na Bahia não existem estas, o baiano ficaria a ver navios. Se, por um
lado, a visão de um filme em digital não se pode comparar à sua contemplação na
sala escura de um cinema, por outro, o cinéfilo tem a oportunidade de ver
em DVD - em alguns casos - quase toda a
obra de um realizador importante, de estudá-la, de repetir as cenas, as
seqüências, etc. Há, no mercado, quase três dezenas de fitas de Alfred
Hitchcock. A nova geração, sem o advento do vídeo, estaria condenada a
desconhecer grandes e imprescindíveis clássicos do cinema. Além do DVD, uma
perspectiva se abre com as televisões a cabo e por assinatura que possuem
canais especializados em filmes bons e importantes, funcionando como
verdadeiras cinematecas. Já passou o tempo em que se faziam sacrifícios
memoráveis para se ver um filme por acaso perdido no circuito.
08 dezembro 2013
De John Frankenheimer: estilo e espetáculo
Diretor americano que ainda não recebeu a necessária
valorização, a ser confundido (1930/2002), muitas vezes, como um realizador
mediano e comercial, John Frankenheimer é um cineasta possuidor de um invejável
sentido de composição plástica, dominando formalmente o veículo, com um ritmo, timing, surpreendente. Na engrenagem da
indústria cinematográfica, todavia, vê-se obrigado a aceitar encomendas ditas
comerciais, o que faz oscilar a sua filmografia entre grandes e menores
momentos, nunca, entretanto, mesmo nos filmes mais fracos, sem deixar de apor a
sua marca de realizador eficiente e impactual - é verdade que, no fim da vida,
comete alguns pecados imperdoáveis, excetuando-se Ronin, como Amazônia em chamas, entre outros.
Assim, Frankenheimer, quando um roteiro bom lhe é entregue, desenvolve-o com
maestria na exposição de suas imagens em movimento. É um cineasta, portanto,
que precisa ser melhor investigado para se poder conhecer as suas constantes
temáticas e estilísticas. E isso, por ignorância de uma crítica somente capaz
de enxergar os autores consagrados, ainda não aconteceu, excetuando-se alguns
exegetas franceses que, diga-se de passagem, souberam captar a sua grandeza. No
Brasil, porém, este diretor precisa, e urgentemente, ser redescoberto.
Este desconhecimento de Frankenheimer é bem revelador de uma crítica modista incapaz de investigar os filmes, se estes não chegam já firmados e devidamente cultuados, pois Frankenheimer não é um cineasta modista, não incursiona por termas “pós-modernos” e nem se preocupa com os assuntos que fazem a festa da patuléia (ou de uma certa patuléia) contemplativa. Seus filmes, sobre ser obras de construção dramática de uma funcionalidade extrema, podem ser considerados reflexões sobre a violência do homem contemporâneo. Que se veja aqui, portanto, a sua trajetória.
Este cineasta audacioso e impactuante - talvez, pelo domingo,
esteja a exagerar um pouco, que dota a sua mise-en-scène de um fascínio crepuscular, nasce em Nova Iorque em 1930,
estuda na Academia Militar de La
Salle e faz parte da geração oriunda da tv nos anos 50, tendo
sido assistente de Sidney Lumet (Doze homens e uma sentença). Começa a dirigir em 1956,
com 26 anos de idade, emv No labirinto do
vício (The Young Stranger), com James MacArthur e Kim Hunter.
Passa, então, vários anos sem realizar um longa, o que só acontece em 1961 em Juventude selvagem (The Young savages),
com Burt Lancaster e Dina Merril. É o mesmo Lancaster que faz, em 62, o
papel-título de O Homem de
Alcatraz (Birdman of Alcatraz), um
filme não sobre a prisão, mas, importante, sobre a idéia da prisão; obra
humanista e de fôlego. Nesse mesmo ano, considerado pelos produtores pela sua
demonstração de talento, faz outro filme: O anjo violento
(All fall down), com Eve Marie Saint e Warren Beatty. Findo este,
ainda em 62, realiza um de seus melhores trabalhos, uma audaciosa previsão dos
assassinatos Kennedy em Sob o domínio do
mal (The mandchurian candidate), que provoca polêmica por causa de
seu tom premonitório. Dinâmico, vigoroso, um thriller surpreendente, com Frank Sinatra,
Janet Leigh e Laurence Harvey. Em 1963 descansa e não dirige nada para voltar,
em 64, com outra análise dos bastidores do poder estadunidense: Sete dias de maio (7 days in may), com,
novamente, Burt Lancaster e Kirk Douglas (um par de atores admirável) Substitui
Arthur Penn e chega ao final de O trem (The train)
e seu ator preferido, Burt Lancaster, ao lado de Jeanne Moreau (então uma musa
do cinema europeu), encabeça o elenco.
Talvez a obra-prima de John Frankenheimer seja este filme realizado em 1966: O segundo rosto (Seconds), com um Rock Hudson irreconhecível como um intérprete seguro e eficiente. Estranho,Seconds mergulha no problema da crise do homem e do tempo, com um personagem que realizando uma operação plástica, muda de rosto, “deixando” a velhice para aparentar um quarentão. Obra de impacto quando de seu lançamento e que merece muitos elogios, mas filme completamente esquecido e que serve de demonstração do faro de Frankenheimer.
Ano rico, o de 1966, para Frankenheimer, pois neste período
realiza Grand Prix, um filme fascinante sobre corrida de
automóveis (quem pode esquecer o plano de detalhe dos olhos de Eve Marie Saint
na grandiosidade dos 70mm?). Este filme foi exibido no cine Tupy logo após sua
reforma em 1968 quando passou a projetar a bitola de 70mm.
Três anos de inatividade. O projeto de Grand Prix se torna demasiado puxado. Fica fora do ar por um tempo para, em 1969, construir uma comédia non sense bastante inventiva: O extraordinário marinheiro (The extraordinary seaman), com David Niven e Faye Dunaway. Logo em seguida um filme político e de denúncia: O homem de Kiev (The fixer), com Alan Bates e Dirk Bogarde. Ainda em 69, uma gozação e um trunfo como comediógrafo: Os pára-quedistas estão chegando (The gipsy moths), trazendo de volta Burt Lancaster ao lado de Deborah Kerr (uma atriz maravilhosa, aliás, que fez com Lancaster a famosa cena da praia de A um passo da eternidade, pois a mulher contemporânea, aputalhada, não tem mais a classe, a finesse, de uma Deborah Kerr, embora isto seja outra história).
A década de 70 se inicia com um Frankenheimer menor - mas que menor é este se é ainda muito bom?: O pecado de um xerife (I walk the line), com um Gregory Peck maduro e apaixonado pela quase ninfeta Tuesday Weld. Nesse mesmo ano, um épico menor: Os cavalheiros de Buskashi (The horsemen), com Omar Shariff e Leigh Taylon Young. Um inédito no circuito comercial, mas que aparece exibido na TV. História de uma história de amor (Impossible object, 72), com Alan Bates e Dominique Sanda, que são dois atores estupendos e ao que se pode perceber algo muito interessante para ver, embora se ficou proibido de ver pelas injunções do mercado exibidor. Em 1973, outro inédito: The iceman cometh, com Lee Marvin e Fredric March. Até o ultimo disparo (99 and 44%dead), exibido no antigo Bristol, é divertido e simpático, com produção datada de 74.
Frankenheimer aceita dirigir a sequência de Operação França e surge The french connetion II (75) mas, ao invés de um filme de ação
(como fizera William Friendkin no primeiro), Frankenheimer mistura esta com
devaneios à la Antonioni ,
principalmente no enfoque da angústia de Gene Hackman, o detetive Popeye. Domingo Negro (Black sunday), 77, filme que segue a crise
existencial de Popeye, trata do terrorismo internacional e é de um impacto
absoluto.
Reconheço que já no ocaso de sua vida, John Frankenheimer, sem o
apoio de um sistema de estúdio eficiente, perde, também, força de metteur-en-scène, embora o esforço, a
perspectiva de um novo filme que viesse a superar o outro, a tenacidade, e a
coragem. Mas outros tempos. O melhor de Frankenheimer está, realmente, na
década de 60, e não seria exagero dizer que O segundo rosto é uma obra-prima.
04 dezembro 2013
Crítica de cinema? O que é isso?
“A função do crítico não é trazer numa bandeja de prata uma verdade que não existe, mas prolongar o máximo possível, na inteligência e na sensibilidade dos que o leem, o impacto da obra de arte.”
ANDRÉ BAZIN
Creio que a tarefa dos críticos especializados em cinema – não considerando, aqui, os comentaristas meros aficionados – é a de atuar como mediadores entre a obra cinematográfica e o espectador comum, oferecendo um modelo de leitura da primeira e sublinhando os eventuais valores poéticos nela presentes. Refiro-me aos críticos que atuam em jornais e revistas ou que escrevem em suplementos culturais cujo público alvo não se restringe ao meio acadêmico. A função daqueles que escrevem sobre cinema é ajudar – e não complicar – ao leitor a percorrer o itinerário do filme com um mínimo de conhecimento lingüístico – de modo a permitir que se reconheça, durante o trajeto, aquilo que é importante e o que não o é. Uma função, portanto, que, mesmo antes de se reportar à apreciação estética da obra considerada no seu conjunto, incide sobre a sua sucessiva racionalização, quer dizer, a tradução em termos lógico-discursivos do sentido poético que ela exprime através dos procedimentos de significação que lhe são próprios.
(Percorro um itinerário de colunista no jornal Tribuna da Bahia desde agosto de 1974. Três décadas, que se completam no ano em curso. Neste período, tenho tentado escrever para o leitor, mas sempre procurando salientar que o filme somente pode se consolidar como obra expressiva, se houver, por parte do realizador, um ato criador na manipulação dos elementos da linguagem cinematográfica. De boas intenções, de boas idéias, o inferno está cheio. Um bom roteiro somente pode ser transformado em filme dotado de qualidades específicas quando existe o talento natural do cineasta na manipulação do processo sintático da lingüística fílmica. Se a crítica do passado – incluindo, aí, nomes como Paulo Emílio Salles Gomes, Alex Viany, entre outros, exceção se faça a Moniz Vianna, Almeida Salles e José Lino Grunewald – sempre estava a procurar o elo semântico da obra cinematográfica, a crítica a partir dos anos 60, compreendendo, afinal, que o cinema é uma linguagem, concentrou-se na procura do elo sintático.)
Sempre que não se queira ficar pelo desempenho de uma mera atividade de informação cronística – como sói acontecer no fracassado e desesperado jornalismo cultural baiano, o crítico de cinema deve valorizar a obra examinada, fazendo emergir, dela, as suas valências ocultas e interpretando-as em ligação com o macrocontexto cultural em que a primeira vê a luz. Na condição, naturalmente, de que tal ação seja desempenhada com uma certa discrição a fim de garantir o respeito pelo texto fílmico contra o perigo de leituras forçadas e de distorções generalizadas – muito comum, aliás, nos neófitos que se arvoram em críticos nesta província da Bahia. De resto, a própria polivalência que caracteriza o filme, como sistema orgânico de sinais susceptível de múltiplas leituras, favorece a pluralidade interpretativa. Portanto, se o espectador normal se limita geralmente a ver um filme, o crítico lê-opor ofício e ajuda o primeiro a fazer outro tanto.
Porém, nesta sua função de intérprete e guia, o crítico de cinema deve contar com uma dificuldade resultante da natureza não-homogênea da linguagem escrita por ele utilizada relativamente à linguagem visual empregada pelo filme. Dificuldade esta que o intérprete dos textos literários não conhece, podendo entremear tranqüilamente o seu discurso crítico com o do texto analisado em virtude da identidade lingüística que preside a ambas as manifestações expressivas. Isto se mostra tanto mais intrigante quanto mais presente se tiver o caráter narrativo do filme, caráter assente nas outras artes visuais que também têm as suas práticas críticas correspondentes, não obstante serem igualmente irredutíveis às formas da linguagem verbal. A complicar ainda mais o caso está a natureza de linguagem sem língua – como gostam de dizer os semiólogos – que é típica do filme. De fato, a partir do momento em que não existe um sistema abstrato preeexistente ao filme, mas, apenas, obras fílmicas isoladas, não parece possível – como acontece, pelo contrário, na análise dos textos literários – estimar o eventual afastamento, entre a parole-film e a langue-cinema, afastamento do qual derivaria a poeticidade do texto fílmico. Trocando em miúdos: é impossível distinguir entre um uso banal ou cotidiano da linguagem cinematográfica e uma sua utilização que obedeça a propósitos artísticos, e isto pela simples razão de que no filme o plano de denotação coexiste sempre com o da conotação e que, por conseguinte, não existe um grau zero da escrita fílmica a partir do qual se possam avaliar os eventuais afastamentos efetuados em sentido expressivo pela linguagem examinada.
(O que tento explicar acima me embasei em rudimentos de semiótica que são bem racionais no tratamento da crítica, embora reconheça valor naquela impressionista feita por homens cultos e inteligentes. Ainda que sem emitir, mas, nas entrelinhas, já emitindo, juízos valorativos, não acredito numa cientificização da crítica cinematográfica, quando o analista mais se assemelha a um cientista pacientemente a procurar significados na obra cinematográfica e, com isso, destruindo não apenas a emoção do filme – essencial em toda obra que se queira de arte – como também o prazer de ler o resultado da investigação. Sigo, desde sempre, as palavras do eminente jurista Vicente Rao – sou também formado em Direito e advogado de carteirinha, embora não saiba entrar nos labirintos forenses, quando escreveu no volume 60 de seus comentários ao Código de Processo Civil: “A clareza tem o direito de fazer parecer superficial, mas que não se infira desse aviso a conveniência de ser obscuro para parecer mais profundo.”)
(O grande crítico José Lino Grünewald gostava de dizer: 'Cinema se aprende indo ao cinema'. Há de se adquirir o hábito de ver filmes, assim como se adquire o hábito de ler. É um processo que leva tempo o conhecimento cinematográfico. Existe, no curso universitário, uma disciplina chamada Crítica Cinematográfica, destinada aos alunos de Comunicação Social, que tem como objetivo precípuo a ilustração sobre o que isto significa e, também, para dar a conhecer os textos dos grandes críticos e pensadores da arte do filme. Mas, interessante observar, muitos alunos pensam que, num semestre, podem se tornar, fazendo-a, críticos de cinema. Ledo e ivo engano. Serve, para aqueles que realmente se interessam, como um primeiro passo, um empurrão, no sentido do despertar os vocacionados. A necessidade de se ter a habitualidade da contemplação fílmica é fundamental e para se conhecer cinema é preciso ver filmes e filmes. O que leva tempo. E ver com atenção, procurando estar sempre antenado com leituras paralelas de críticos qualificados - no Brasil, entre outros, e correndo o risco de omissão, considero Inácio Araújo, da Folha de São Paulo, um dos mais lúcidos e conscientes, pois possui, como poucos, sentido aguçado dos procedimentos cinematográficos, do timing e, principalmente, da natureza específica da arte cinematográfica. Poderia dizer que Luiz Carlos Merten, este do Estadão, também é um excelente crítico. E na área propriamente dita da Teoria Cinematográfica o grande mestre é Ismail Xavier, ensaísta de erudição - seu livro O discurso cinematográfico é exemplar raro e quase ninguém no Brasil pensou a natureza do cinema como ele, ainda que se possa discordar de seus pontos de vista.)
Em suma, deve-se deixar à viagem fílmica toda a sua componente de prazer se quisermos que não se transforme num calvário em direção à crucificação final da fábula e do respectivo discurso. O academismo e o preconceito são tão mortais para o cinema como para a vida.
01 dezembro 2013
O Processo de (des)integração social em quatro filmes brasileiros
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| Vidas secas, de Nelson Pereira dos Santos |
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