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06 abril 2012

Curso Cinema Total


CINEMA TOTAL- CURSO DE CINEMA –  INÍCIO 21 DE MAIO. WALTER WEBB MINISTRA CURSO DE PRODUÇÃO, ROTEIRO E DIREÇÃO. Cineasta premiado em Cannes com mais de 50 anos de experiência em cinema. Trabalhou com nomes como Francis Ford Coppola, John Booman, Roberto Faenza, Nicholas Ray, Anthony Mann entre outros. Ao lado de Glauber Rocha, Roberto Pires e Rex Schindler, participou ativamente do movimento que originou o Cinema Novo. Informações e Inscrições: www.nucleoderedacao.com.br
Telefones: (71)3492-2735/9249-2746
Sitorne- Estúdio de Artes Cênicas - rua deputado cunha bueno, 55- rio vermelho-ssa/bahia
Data: 21 maio a 01 de junho/2012
Horários: Turmas à tarde e à noite
Cliquem na imagem para vê-la maior e mais nítida

05 abril 2012

"A filha de Ryan", de David Lean

David Lean, realizador inglês, é visto com certa reserva pela crítica por causa, talvez, dos acentos melodramáticos em suas obras. O ingrediente melodramático, quando usado com parcimônia e inteligência, é, no entanto, o sal da terra para muitos filmes. Hitchcock gostava de dizer que um filme sem um pouco de melodrama fica insípido. E tem razão. O que não se deve confundir é melodrama com dramalhão. Diretor de grandes sucessos, sempre superproduções, Dr. Jivago, Lawrence da Arábia, A ponte do rio Kwai, entre outros, David Lean se notabilizou ainda nos anos 40 com Desencanto, e um filme notável que tem como cenário a bela Veneza, pano de fundo para o romance entre Rossano Brazzi e Katherine Hepburn em Quando floresce o amor (Summertime). O vídeo que posto aqui é de A filha de Ryan (Ryan's daughter, 1970), obra menos conhecida e talvez a mais esquecida do cineasta. A ação se desenrola na Irlanda em 1916. A esposa (Sarah Miles) de um professor (Robert Mitchum) pacato de uma aldeia preconceituosa se apaixona por um oficial britânico. Roteiro de Robert Bolt baseado muito livremente em Madame Bovary, de Gustave Flaubert. Fotografia deslumbrante de Freddie Young e música de Maurice Jarre. Ainda no elenco, os notáveis Trevor Howard, John Mills, Cristopher Jones, Leo McCarey.Exibido em 70mm com 195 minutos de projeção.

04 abril 2012

As noites de Cabíria

Cabíria (interpretação chapliniana de Giulietta Massina) é uma pobre prostituta romana, que, ingênua em relação a seus semelhantes, vê-se vítima de um homem pelo qual está envolvida sentimentalmente, mas que a atira, depois de roubar-lhe o dinheiro, ao rio. Em seguida, na sua peregrinação para alcançar a felicidade, ainda que o ambiente no qual se encontra inserida seja sórdido, é enganada novamente por um célebre ator cinematográfico (Amadeo Nazzari). E, finalmente, mais uma grande decepção, quando pensa que encontra a felicidade. O namorado, que Cabíria idealiza como companheiro, após roubá-la, a abandona brutalmente. Mas, humilhada, ainda encontra forças para sorrir, quando de volta à avenida noturna, fica a apreciar jovens montados em bicicletas a percorrer as ruas de Roma. Momento sublime e de indescritível beleza.


Nesta história patética, Fellini descreve sua prostituta com a nobreza quixotesca do ser que sobrevive em meio dos egoísmos sociais, a radicalizar, por outro lado, a exemplaridade do personagem, não-realista senão inventado dentro de uma história real. O autor, desde A estrada da vida, vinha sendo acusado, a receber severas críticas de seus pares, de ter se afastado dos postulados neo-realistas. Fellini respondeu que seus filmes procuravam o "neo-realismo interior" esgotada já a fase áurea do movimento. Sua ideologia, por assim dizer, se encontra imersa no mistério, a predestinação e a Graça, e encontra, aqui, em As noites de Cabíria, campo para a exposição de um personagem-símbolo, embora não tão distante da Gelsomina-Carlitos (de A estrada da vida), que agora atinge o nível de uma Cabíria-Carlitos. Há, no filme, o registro da vida das prostitutas, a histeria religiosa, mas, por outro lado, um vislumbre das zonas irracionais de um catolicismo que não deixa, porém, de ser inconformista em muitos de seus aspectos.
Na filmografia de Federico Fellini, iniciada em Mulheres e luzes (Luci del varietà, 1950), pode-se distinguir três fases: a primeira, que se caracteriza por um cinema de imagens surpreendentes, mas dentro de um esquema narrativo tradicional que tem na sua força poética a transcendência do academicismo. Ou, por outras palavras: o elo sintático (a linguagem) ainda se encontra a serviço do elo semântico (o conteúdo).
Significativos dessa fase, além de As noites de Cabíria (Le notti di Cabiria), Abismo de um sonho (Lo sceicco bianco, 1952), Os boas-vidas (I vitelloni, 1953), A estrada da vida (La strada, 1954), e A trapaça (Il bidone, 1955).
A segunda fase tem início em A doce vida (La dolce vita, 1960), magistral afresco moralista e premonitório sobre a decadência da civilização ocidental ainda quase em meados do seu decurso. Aqui já não há uma continuidade dramática nos moldes tradicionais, pois não existe uma união de seqüências pelas formas habituais, uma linha condutora e sua unidade se opera somente no fundo. É o elo sintático que se mantém rigorosamente unido ao elo semântico num processo que se assemelha ao mosaico. A doce vida inaugura não somente uma outra fase na carreira de seu autor, mas, também, e principalmente, um corte longetudinal na história da arte do filme, que ficaria mais radical em Oito e meio (Otto e mezzo, 1963). Neste, a geografia da ação se encontra esfacelada e o que a comanda é o tempo psicológico.
Mestre absoluto, a partir daí o grande "regista" começa a estilizar o seu próprio estilo. Mas ainda consegue romper o conceito da obra-prima (que sempre é uma para cada artista, a sua melhor, a sua obra mestra), com outros filmes que podem ser considerados obras-primas, a exemplo de "Fellini-Amarcord" e "Fellini-Casanova".
Há em La notti di Cabiria um desejo de transposição metafórica da noite para o dia, a prostituta a tentar abandonar o noturno trágico da prostituição pela claridade do cotidiano tranqüilo e familiar.
Neste ponto, dá-se, aqui, a palavra a Walter da Silveira (Fronteiras do cinema, 44/45): "Esse jogo antitético da noite para o dia, com maior valorização dramática e plástica da primeira, não poderia deixar de provir de quem, ao menos por paradoxo, inclui entre as raras peças literárias que o influenciaram o tratado da magia de Eliphas Levi ou, entre as criaturas que desejaria encontrar, Cagliostro e São Francisco de Assis. Ou seja: de quem admira e aspira o sentimento mágico da vida."
É Walter ainda quem fala: "Tal sentimento aparece no tema e na forma de "As noites de Cabíria": o amor ao próximo que distinguia o "poverello" de Assis; o encantamento, que assinalava Cagliostro. Na substância, Fellini gostaria que todos os homens iguais, mesmo que todos os seres fossem irmãos, em vez de cruéis e falsários. Na sintaxe, Fellini estimaria que todas as idéias, mesmo que todas as emoções, se revelassem sem os artifícios da construção técnica, com a simplicidade misteriosa do despojamento das origens"
Se vivo, Fellini estaria a fazer 92 anos, pois nasceu em 20 de janeiro de 1920

03 abril 2012

Gosto não se discute


A ausência de um repertório cinematográfico e/ou literário e cultural mais amplo, a pressa sistemática do consumo, a superficialidade com que são vistas as coisas, determinam a miséria cultural dos corações e mentes contemporâneos. Para se ter o conhecimento de alguma coisa é necessário tempo e dedicação. No caso específico do cinema, o tempo é fundamental. Adquire-se um repertório cinematográfico através da visão criteriosa de filmes, e com o passar do tempo. Não a visão superficial, consumista, ligeira, como se a obra cinematográfica fosse mais uma mercadoria que se está a consumir num shopping, a ponto de se dizer que o ir ao cinema atualmente é, praticamente, e apenas, uma das fases do shoppear. Gosta-se de De pernas pro ar como se gosta da pipoca que se come, da camisa comprada num shopping, de um perfume, de um sapato, de um colar, enfim, de qualquer objeto do desejo estimulado pela perversa propaganda consumista. Acredito que, se o cinema fosse constituído, em sua maioria, de mixórdias do tipo de De pernas pro ar, tenho certeza de que nunca mais entraria numa sala de exibição cinematográfica. Nunca mais iria ao cinema. Mas, estranho é o mundo, De pernas pro ar é um filme até sofisticado se comparado às bobajadas vistas diariamente no Big Brother Brasil (BBB). No caso do filme, a arte cinematográfica, que virou linguagem de televisão, nunca foi tão maltratada. No caso do programa, a televisão, desde a sua inauguração por Assis Chateaubriand, em 1950, nunca alcançou nível tão baixo, tão rasteiro. Mas, infelizmente, há quem curta e goste. E gosto não se discute, como se diz por aí.
Um dos maiores diretores do cinema brasileiro, Roberto Farias, é um dos poucos realizadores que possuem pleno domínio formal do veículo, da estrutura narrativa. Revi, há poucos dias, Assalto ao trem pagador (1961), que saiu em DVD patrocinado pelo Ministério da Cultura e Funarte na primeira metade dos anos 2000. Trata-se, sem dúvida, de um dos grandes filmes do cinema nacional, ágil, eletrizante, que conta o famoso assalto ao trem pagador ocorrido no Rio de Janeiro. Quando do seu lançamento, o sucesso foi estrondoso. Mas a moçada do Cinema Novo não lhe deu a devida importância, porque o filme não se afinava com a cartilha cinemanovista. A importância de Assalto ao trem pagador está sendo dada agora, principalmente após a sua restauração em DVD, que conta com os depoimentos dos principais atores, diretor e produtores do filme. Eliezer Gomes impressiona no papel de Tião Medonho. Helena Ignês está belíssima como a grã-fina paquerada por Reginaldo Faria. Jorge Dória, impecável como o delegado. Farias, que começou com uma chanchada, Rico ri à toa, com Zé Trindade, realizou em seguida um filme de impacto que permanece desconhecido: Cidade ameaçada, com seu irmão Reginaldo no papel principal, obra já reveladora de um excelente artesão.
E, verdade seja dita, poucos os artesãos competentes do cinema brasileiro, poucos aqueles que sabem desenvolver um plot com eficiência dramática. A compulsão autoral, estimulada pelo Cinema Novo (nada tenho contra ele e entre meus favoritos se encontram muitos filmes cinemanovistas), acabou sendo contraproducente, gerando geniozinhos que, a título de uma impostação autoral, criaram verdadeiros monstros da aporrinhação e do tédio. Roberto Farias é um exemplo de artesão competente (outros: Alberto Pieralisi, José Carlos Burle, J. B. Tanko, José Padilha, Flávio Tambellini, entre outros), mas não se poderia classificá-lo como autor, porque não possui constantes temáticas e estilísticas quando examinada a sua filmografia.
Revendo Assim estava escrito (The bad and the beautiful, 1953), de Vincente Minnelli, mais uma vez a constatação de estar diante de uma obra-prima do cinema. A tomada final, antes que os créditos assumam e ascendam, pondo termo ao filme, é uma das mais fascinantes da história do cinema. Contada assim não tem muita graça, mas a tomada, um dos mais significativos exemplos de como encerrar um filme com engenho e arte, apresenta Lana Turner, Dick Powell, e Barry Sullivan, ao sair do escritório de Walter Pidgeon, após este receber uma ligação internacional de Kirk Douglas, o malvado produtor que prejudicou a todos. Quando os três saem, há um telefone postado fora do prédio, e Lana Turner não resiste em pegar o fone para ouvir, na extensão, a voz de Douglas, porque, apesar de um canalha, um sedutor. À medida que Lana ouve o que Douglas fala, Powell e Sullivan não resistem e colocam, cada um em lados opostos, seus rostos encostados no da atriz esfuziante. O filme termina com os rostos dos três personagens como que grudados na tentativa de captar as palavras de Kirk Douglas. E se dá o retumbante the end, para, em seguida, a ascensão dos créditos que nominam os personagens. Filme emblemático, um dos pontos altos da carreira de Minnelli, visão ácida e amarga da indústria de Hollywood, The bad and the beautiful é puro estilo e mise-en-scène. Teria uma espécie de continuação, em 1962, em A cidade dos desiludidos (Two weeks in another town), outro momento belo e cativante da trajetória de Minnelli. Martin Scorsese, em seu livro Viagem pessoal pelo cinema americano, que foi editado pela CosacNaify, cita os dois filmes como fundamentais para a compreensão do processo de criação cinematográfico do cinema made in Hollywood.
A fonte inspiradora de Jean-Luc Godard em O desprezo (Le mépris, 1963) é Romance na Itália (Viaggio in Itália, 1953), de Roberto Rossellini, com Ingrid Bergman e George Sanders como um casal desiludido com o matrimonio em profunda crise de incomunicabilidade que procede a uma viagem pela Itália profunda e, no percurso, ao constatar as ruínas de Pompéia, e a desolação de outras cidades, resolve se reconciliar. O filme abole o roteiro ascendente e a narrativa crescente. É o ponto de partida de desteatralização, da desdramatização, que seria aprofundada, anos depois, por Michelangelo Antonioni. O desprezo é também um filme sobre Brigitte Bardot ou, melhor, sobre o mito BB. Um dos melhores de Jean-Luc Godard em toda a sua carreira. O recente Cópia fiel, de Abbas Kiarostami, é fortemente influencia por esse filme de Rossellini.

01 abril 2012

Robert Altman: humor ácido e requintado


Em inícios dos anos 70, a comédia americana - que teve seu apogeu nos anos 30, 40 e 50, a Idade de Ouro de Hollywood - dava mostras de esgotamento, principalmente por causa da aposentadoria de alguns de seus próceres, e os que ainda a continuavam não conseguiam renová-la. É neste despertar dos 70 que aparece no panorama internacional uma comédia diferente, satírica, ácida, irreverente: "M.A.S.H.", de Robert Altman. Localizada a ação na Guerra da Coréia, tem uma clara referência à do Vietnã que então se encontra no auge e no clamor dos protestos da sociedade americana. Conta a película a vida de soldados no front bélico, onde dois cirurgiões (Elliot Gould e Donald Sutherland) fazem o diabo para costurar os feridos. Tudo feito na base da anarquia criativa, com um dinamismo estrutural, rapidez de diálogos, que muitos críticos consideram que, neste filme, há uma renovação na comediografia cinematográfica. Sally Kellerman se revela como a oficial séria e ríspida que tem sua cortina devassada quando toma banho numa sequência memorável.
Altman, por "M.A.S.H.", e apenas por este, se torna, logo, um "cult" de uma hora para outra, ainda que já com uma filmografia cujo início se dá muito antes, em 1957, com "Os Delinqüentes" ("The Delinquents") e, neste mesmo ano, "The James Dean Story", um documentário sobre o mito que há poucos anos tinha sido vitima de um acidente automobilístico. Os produtores não gostam de "Os Delinqüentes" e, quanto ao documentário, não o consideram palatável comercialmente. De pires na mão, Altman procura um produtor - naquela época não se usava a famigerada captação de recursos - e, desempregado, custa a arranjar, e mesmo assim na televisão, um emprego como diretor de fitinhas sem importância - que os críticos franceses, dando uma busca nos arquivos televisivos, conseguem encontrar, nestas fitinhas, o "touch altmaniano".
Dez anos se passam até que Altman encontra um produtor com mania de risco, de investir em projetos condenados. E realiza "No Assombroso Mundo da Lua" ("Countdown", 1968), ficção-científica que rende alguns trocados na bilheteria e faz os produtores acreditarem que Altman "era diferente" e, assim, deviam lhe dar uma segunda chance. Esta foi um sucesso, ainda que relativo de público, mas entusiasmado da crítica: "Uma Mulher Diferente" ("That Cold Day in the Park", 1969), um thriller de extremado rigor sobre a solidão de uma mulher (Sandy Dennis) numa grande cidade (Nova York). Filme marcante, com uma mise-en-scène baseada nos acordes musicais e no silêncio. A seguir, o estrondo de "M.A.S.H."
Espera o diretor quarenta e cinco anos para se ver reconhecido como cineasta (nasce em 1925, morre em 2006, aos 81). Após a sátira devastadora sobre o Vietnã travestido de Coréia, os produtores começam a lhe oferecer projetos. Altman, como sempre muito exigente e muito à margem do "sistema" hollywoodiano, procura construir uma carreira de autor. Tem tanta presença a sua assinatura que mesmo quando pega um roteiro alheio, e do qual não gosta, o resultado é sempre um filme de Robert Altman. O que constrói o cineasta após "M.A.S.H."? A resposta vem no mesmo ano: "Voar é com os pássaros" ("Brewster McCloud"), com Bud Cort - o menino que contracena com Ruth Gordon em "Ensina-me a Viver". Fracasso. Humor sofisticado demais. Um garoto tem o desejo de voar como Ícaro. E parte para a ação num aparelho de madeira complicado. Apesar de rejeitado pelo público, é um grande filme, difícil, é verdade, pois de configuração diferente dos padrões de Hollywood. Em seguida, "Quando os Homens São Homens" ("Mc Cabe and Mrs Miller", 1971), com Warren Beatty e Julie Christie, um anti-western, pois sem a essência do gênero, o conflito em movimento. Altman opta pela inação, e, ainda por cima, numa paisagem cheia de neve. Outro fracasso. Mas a crítica recebe os filmes de braços abertos. E os produtores arrancam os cabelos de raiva.
Mostra ser um cineasta temperamental, difícil, incapaz de se dobrar às solicitações de uma platéia convencional. Os filmes seguintes dão ao realizador um passaporte para a rua da amargura. "Imagens" ("Images", 1972), reavaliação do terror como componente do "impulso cinemático", com Suzannah York, e após este, um estudo crítico de gêneros, desmistificando-os como fórmulas: o filme noir em "Um perigoso adeus" ("The long goodbye", 1973), com Elliot Gould, e o thriller com a tônica no gangsterismo em "Renegados até a última rajada" ("Thieves like us", 1974), com Keith Carradine. Desse modo, a revisão de gêneros, que a chamada pós-modernidade se apodera, tem em Altman um precursor.
Um estilo que se caracteriza pela preocupação em desmontar a lógica que precede o discurso cinematográfico, subvertendo, sempre, o diapasão de seu itinerário. A grande arma de Altman é o humor, ácido, por vezes cruel, mas sempre refinado, requintado, um humor para o sorriso interior, mas, quase nunca, para a explosão de gargalhadas - exceto em "M.A.S.H." Sua linguagem se concentra num "texto" e num "subtexto", em tons e subtons. Altman, definitivamente, não pode ser admirado pela horda selvagem multiplexiana, pela patuléia que comanda o espetáculo de horror - que é ir a uma "matinê" numa das salas dos complexos dominantes.
Por causa dos apupos da crítica, um produtor, que não tem medo de negócios arriscados, banca Altman. E, ainda em 1974, faz "Jogando com a sorte" ("Califórnia split"), com Elliot Gould, ator preferido na época, e George Segall, uma viagem altmaniana sobre os deserdados da sorte e a "feérie" da jogatina. Mas até o produtor, que lhe banca os filmes, quis dar o fora, pois o dinheiro investido não retorna a contento. Mas Altman arranjou produção e, num golpe de sorte, acerta em "Nashville" (1976), que muitos consideram sua obra-prima. Retrato da América, o filme se concentra num festival de música country.
Segue outro anti-western, com Paul Newman: "Oeste Selvagem" ("Buffalo Bill and the indians or Sittings Bull's history lesson", 1976), celebrado em Berlim. O sucesso de "Nashville" compensa as perdas internacionais. "Sittings Bull" é outra desmistificação, desta vez do heroísmo de Buffalo Bill, tão cultuado nos Estados Unidos, mostrando-o como um homem de caráter duvidoso e comportamento ambíguo. A paisagem do oeste, selvagem, como diz o título original, e a ausência total de uma "clicheria" não contentam os amantes do gênero.
Um estudo da alma feminina feita com sensibilidade e emoção neste filme que considero um de meus preferidos do realizador de "Assassinato em Godsford Park". Janice Rule, Sissy Spacek e Shelley Duvall estão inexcedíveis como as personagens de "Três mulheres" ("Three Women", 1977), criaturas atormentadas pela angústia do existir e que se debatem no inferno de suas existências. Obra rara e severa, mas difícil de encontrar para uma revisão.
O espaço chegando ao fim e eu, aqui, ainda com Altman na década de 70. Que fazer? É dizer logo que "Cerimônia de casamento" ("A Wedding", 1978), afresco notável sobre os comportamentos hipócritas numa festa de casamento burguesa, é um sucesso. Elenco fabuloso, que inclui Vittorio Gassman e Lillian Gish e Carol Burnett. Nunca a burguesia é tão bem radiografada quanto neste "A Wedding". Grande filme, mas também assinala o começo de sua decadência nos anos 80 cuja reabilitação somente se dá em 1992 com "O Jogador" ("The Player"). Se em 1970 tem início o culto a Altman, 1980 assinala a sua descida ao inferno com "Popeye", com Robin Williams e a magricela Shelley Duvall como Olívia. Os produtores são, literalmente, enganados. Ao invés de um filme para agradar as platéias populares, Altman prefere a caricatura, a desmistificação - como sempre o olhar irônico, o riso que se multifaceta nas entrelinhas. O público quer gargalhar com Williams no papel de Popeye e se depara, sem entender nada, a piada oculta.
Antes deste elabora um filme que particularmente não gosto, "Quinteto" ("Quintet", 1979), com Paul Newman, novamente, e também trazendo de volta Gassman - cujo desempenho em "A Wedding" deixa Altman entusiasmado. "Um Casal Perfeito" ("A Perfect Couple") é simpático, mas sem o brilhantismo habitual. E com o afundamento de "Popeye" as portas se cerram para o realizador. Realiza o que quer, no entanto, nos anos 70, e somente por esta safra o título de grande cineasta já lhe poderia ser dado.
Enfraquecido, sem crédito, Robert Altman desaparece de circulação. Nenhum filme seu estréia mais no circuito. Aos poucos, na década de 80, vai sendo substituído no culto por outros realizadores, como Wim Wenders. A maior parte dos filmes que o diretor de "Godsford Park" faz nesta década nada prodigiosa para ele não foi distribuída no Brasil, como, por exemplo, "Come back to the Five and dime, Jimmy Dean", com Karen Black - que fim levou essa atriz? e Cher, e "Além da terapia" ("Beyond therapy", 1986), com Glenda Jackson e Tom Conti, sátira à psicanálise, ou "Fool for love" (1985), com Sam Shepard e Kim Bassinger. O único Altmam com alguma notoriedade nos 80 é "O exército inútil" ("Streamers", 1983), por causa de prêmio internacional dado a todo o elenco na categoria "melhor ator". Baseado em peca teatral, segue ao pé da letra as torrentes verbais, constituindo-se quase que num teatro filmado desenvolvido em planos-sequências e movimentos de câmera inteligentemente manipulados.
Finalmente, os anos 90 lhe abrem novamente as portas: "O Jogador", "Short Cuts" (este, uma obra-prima), "Prêt À Porter", "Kansas City", "A Fortuna de Cookie", o admirável "O Assassinato em Godsford Park", e "A última noite", seu canto de cisne. A sua narrativa polifônica marca época e influencia uma geração de cineastas, principalmente a encontrada em "Nashville" e "Short Cuts".

31 março 2012

Garland em "Meet me in St.Louis" cantando "The trolley song"

The trolley song é, sem dúvida, um dos momentos mais sublimes da carreira de Judy Garland. Faz parte de Agora seremos felizes (Meet me in St.Louis, 1944), de Vincent Minnelli, um dos maiores musicais de todos os tempos.

Judy Garland em "Nasce uma estrela"

Não é preciso dizer que Judy Garland é puro encantamento. Aqui, em Nasce uma estrela (A star is born, 1955), de Goerge Cukor, está simplesmente esplendorosa. O vídeo do You Tube, porém, apresenta uma versão sem o cinemascope original - o que é uma pena. Mas, de qualquer forma e de qualquer maneira, dá para apreciar Judy, ainda que, em outras cenas, a falta da tela larga se faça patente.

29 março 2012

28 março 2012

"Teorema", de Pier Paolo Pasolini


Lançado no desaparecido cine Liceu da rua Saldanha da Gama (de saudosa memória), em Salvador, Teorema, de Pier Paolo Pasolini, se constituiu quase num escândalo pela maneira despojada e direta com que o cineasta italiano trata o tema. Controverso, ainda que realizado em plena ebulição de um ano em transe como o de 68, o filme de Pasolini causou rumorosas objeções, chegando, inclusive, a ser proibido em alguns países. No Brasil, pós Ato Institucional número 5, monstruosidade jurídica do Ministro Gama e Silva, do governo ditatorial de Costa e Silva, Teorema, cuja estréia se deu em 1969, não se sabe por que razão, passou incólume pela censura.
Pasolini teve morte trágica em novembro de 1975, despedaçado pelas rodas de um carro, restando, seu corpo, irreconhecível. Desapareceu na periferia de Roma, numa zona freqüentada por homossexuais e, pelo que se sabe, um deles atacou o cineasta, que, já morto, foi totalmente esmagado pelo automóvel do assassino. Homossexual assumido, Pier Paolo Pasolini já anuncia, como numa premonição, a sua morte em sua derradeira obra, Saló ou Os 120 dias de Sodoma, baseado em relatos do Marquês de Sade adaptados para a Itália fascista dos anos quarenta. O filme é uma verdadeira descida ao inferno e, nele, patentes, o desespero, a desesperança, o ceticismo do autor de Teorema.
Um rico industrial, casado, dois filhos, recebe, de repente, a visita de um anjo, que, elemento deflagrador, provoca, com a sua presença, uma crise familiar. O anjo, que não se sabe de onde veio, tem relações sexuais com todos os familiares. Estes ficam totalmente atônitos e começam a ter comportamentos esquisitos. A mãe (interpretada pela deusa Silvana Mangano) sai pelas ruas de Roma à cata de homens para satisfazer suas fantasias, com um gosto insólito pelos tipos mais rudes e grossos. O filho vira artista abstrato numa pulsação quase maníaca. A sua irmã, chocada, fica catatônica, enquanto o pai, desesperado, corre pelo deserto após doar a sua fábrica aos operários. Apenas a criada (Laura Betti) é que é salva pelo autor, pois sai da casa onde trabalha e se dirige ao vilarejo natal, quando levita e fica parada no firmamento. Objeto de culto e veneração.
O anjo, interpretado por Terence Stamp, é um personagem bem típico dos filmes cujas fábulas apontam pelo aparecimento de um elemento deflagrador que provoca uma crise de identidades ou um pandemônio quando se instala. Geralmente um forasteiro, como o Shane de Os brutos também amam, western grandioso de George Stevens, que, ao chegar a uma cidade, muda seus rumos e o de seus habitantes.
Assim também William Holden, o forasteiro que, em Férias de amor (Picnic) , provoca os ânimos de uma sociedade aparentemente ordeira, mas altamente preconceituosa. Stamp, revelado por William Wyler em O colecionador (1964), logo virou, pelo seu carisma, pelo seu olhar angelical, pela sua maneira de ser, um ator cobiçado pelos mestres do cinema, a exemplo de Federico Fellini que o destacou para o quadro principal de seu curta incluso no longa Histórias extraordinárias, filme pouco visto do cineasta de La dolce vita, com um sabor insólito e surrealista.
O elenco de Teorema é excelente. Além de Stamp e La Mangano, Laura Betti, que faz a servente, atriz combatente, militante e amiga de Pasolini, que, até hoje, preserva a sua memória e trabalha no sentido de que sua morte seja revelada como um assassinato político. O industrial é Massimo Girotti. Rever Teorema é uma exigência nesses tempos pós-modernosos nos quais os filmes como que pararam de investir no desnudamento das idiossincrasias do homem, preocupados apenas com as suas ações exteriores. Teorema, de Pier Paolo Pasolini, é um filme aparentemente estranho para aqueles não acostumados à poética do autor. Mas, indiscutivelmente, uma obra de arte.
Parábola cristã sobre a graça, Teorema, para Pasolini, numa entrevista ao jornal Jeune Cinema número 33 (outubro de 1968), disse o seguinte: "Numa família burguesa chega um personagem misterioso, que é o amor divino. É a intrusão do metafísico, do autêntico, que vem destruir, transformar uma vida inteiramente inautêntica, mesmo que cause pena, mesmo que possa ter momentos de autenticidade nos sentimentos".
A partitura, deslumbrante, é do maestro Ennio Morricone. E a luz, que parece pentecostal, vem da sensibilidade de Giuseppe Ruzzolini.
Marxista, ateu, Pasolini, pouco antes de Teorema, filmou a melhor vida de Cristo no cinema, que foi O evangelho segundo São Matheus, que dedicou ao Papa João XXIII. Além de cineasta, poeta, romancista, articulista, homem de combate, Pasolini revela, em suas obras, o seu sentido humanístico que aflora através de parábolas como Gaviões e passarinhos, entre outros. Um sentido que se perde, porém, nos últimos anos de vida, quando a descrença, o ceticismo, e a revolta parecem tomar-lhe conta como expõe muito bem seu canto de cisne chamado Saló.

25 março 2012

"As ervas daninhas", de Alain Resnais


Les herbes folles tem nos pensamentos dos personagens a sua mola propulsora. São os pensamentos que detonam os atos e as situações. Alain Resnais é um realizador cinematográfico que tem como característica sempre a investigação da mente do ser humano. O que eleva sobremaneira seus filmes é a sua capacidade de apresentar, cinematograficamente, as angústias, os desejos, as hesitações de seus personagens. Há, em Les herbes folles, um trabalho original no que concerne ao tratamento da fragilidade do homem frente as suas circunstâncias. Evitando qualquer tipo de psicologia banal, o filme é sobre o mecanismo de funcionamento paradoxal da mente humana. Kubrick, em De olhos bem fechados(Eyes wide shut, 1999), ainda que uma obra a respeitar, tornaria este seu derradeiro filme numa obra-prima se possuísse os recursos resnaisianos ou, melhor a dizer, se Resnais filmasse De olhos bem fechados daria, a ele, uma funcionalidade e uma expressão que o gênio kubrickiano tentou, mas não conseguiu, a considerar que também aqui se trata dos desvarios da mente humana num processo de obsessão.
Além do mais, As ervas daninhas é um exercício cinematográfico puro no qual a lógica e a psicologia se explodem num redemoinho. A mise-en-scène é de tirar o fôlego (como um movimento de câmera para frente - travelling - na sequência do almoço na casa de Dussolier quando este, que aparece sentado num sofá, de repente, com a continuação, aparece já sentado na mesa, havendo, um deslocamento não somente da máquina de filmar como também dos personagens em cena num tour de force admirável. O recurso resnaisiano dos lances de memória é usado com eficiência na estrutura narrativa: a bolsa amarela roubada em câmera lenta, o plano de detalhe da carteira perdida debaixo de um dos pneus do carro, os close ups de Sabine Azéma, os pacientes a sofrer na cadeira de dentista de Marguerite etc. É o imaginário controverso dos seres em movimento que dá margem à fabulação desse extraordinário Les herbes folle.
Marguerite Muir (interpretada com a elegância de Sabine Azéma, companheira, na vida real, de Resnais) é uma dentista que tem fascinação pelos sapatos exclusivos de uma loja parisiense. Depois de comprá-los, ao sair do estabelecimento, sua bolsa amarela é-lhe roubada. Georges Palet (André Dussolier, ator constante dos últimos filmes do cineasta) após comprar um relógio num centro comercial acha a carteira de Marguerite, que fora jogada fora pelos ladrões e se encontra embaixo de seu carro no estacionamento do shopping center. Curioso, verifica os documentos e descobre que a dona da carteira tem brevê de piloto, o que o fascina, porque, desde tenra idade, tem mania por aviões e seu sonho seria ter se tornado um aviador. É bom observar que a ação de Les herbes folles se estabelece a partir dos pensamentos de seus personagens, como já foi dito. Palet, por exemplo, ainda no estacionamento do shopping, fica revoltado com uma mulher que usa uma calcinha preta e tem desejo súbito de matá-la. É neste cipoal de desejos paradoxais e esquisitos que se estrutura o filme, baseado em O incidente, de Christian Gailly, com roteiro de Alex Reval.
Palet entra em obsessão para conhecer Marguerite e imagina várias formas de entrar em comunicação com ela. A cena na qual ele está dentro do carro, e imagens laterais vão sendo mostradas como soluções hipotéticas, é bem ao feitio resnaisiano. De repente, durante um almoço familiar (Palet é casado há 30 anos com Suzanne/Anne Consigny e tem três filhos), recebe uma ligação de Marguerite para agradecer a devolução da carteira (não sem antes ter ido à polícia para entregá-la e fazer os trâmites legais com o comissário interpretado por Mathieu Amalric, que se desorienta com as hesitações dele). É quando tem início a idéia fixa de Palet em entrar em contato, custe o que custar, com Marguerite. É a pulsão de um desejo na estrutura mental de Palet que aciona os mecanismos fabulatórios de Les herbes folles, que, para evitar o spoiler, deixa-se, aqui, de contar o resto.
Se ainda pudesse existir uma, por assim dizer, lógica narrativa, esta explode no final numa apologia à liberdade da mise-en-scène. Resnais propõe, na parte final, a apologia do espetáculo puro, do cinema em plena autonomia de vôo, quando a fábula dá lugar à narrativa imaginária, à disposição do específico cinematográfico. Os leitmotivs (como que refrões) que permeiam o filme (as ervas daninhas das circunvizinhanças e que adentram a casa de Palet, a bolsa amarela em câmera lenta...) se desatam num processo único. A tal ponto que é a celebração do cinema que se verifica com o passeio aéreo que pontua a obra-prima. A partir mesmo, antes disso, do momento em que Marguerite vai procurar Palet, que se encontra num cinema de bairro a ver As pontes de Toko-Ri (The bridges of Toko-Ri, 1954), com William Holden e Grace Kelly, por ser um filme de guerra e de aviões em combate. Mas, em verdade, não são apenas os tormentos mentais dos personagens que se constituem o móvel de Les herbes folles, mas, também, as formas de expressá-los de maneira puramente cinematográfica.
Duas vezes a bela fanfarra da Fox, a pontuar a fantasia que é o cinema: tocada, com aquela ênfase que fez a emoção dos antigos frequentadores das salas de exibição, no neon do cinema onde Palat se escondera para ver os aviões de As pontes de Toko-Ri, e, quando ele se encontra com Marguerite e a beija no hangar. O filme, na terceira parte, toma um rumo surpreendente, a transformar as hesitações iniciais dos personagens em decisões. A rigor, não há rumo a tomar em Les herbes folles, ainda que haja o rumo do roteiro a seguir, a se fazer cinema pela varinha mágica de Resnais. Mas os personagens, as criaturas resnaisianas, não o têm. Como a vida.
Impressionante o poder de convencimento que passa as interpretações de André Dussolier (que tem neste filme a maior performance de sua carreira) e de Sabine Azéma, além de todos os outros intérpretes, buscados, a maioria deles, na excelência do cast da Comédie Française.
Celebração ao cinema e ao imaginário, como bem acentua a interrogação aparentemente infantil do garoto, na última tomada do filme, que pergunta à mãe: "Quando eu for gato, posso comer a ração do gato?".