Seguidores

01 julho 2009

Telha sobre telha


O texto que vai abaixo é de autoria de um connaisseur da arte do filme, o meu amigo Ronaldo Barreto Leite Filho. Bom divertimento!


"Assistir a um filme contemporâneo é muito mais do que apreciar uma obra cinematográfica específica. Como acontece em praticamente toda arte, uma obra carrega muito do que foi feito antes, dentro da mesma forma de expressão. Pelo menos assim diria Mikhail Bakhtin, o pensador russo do Dialogismo, segundo o qual uma obra – se referindo principalmente à literatura – sempre dialoga com outras; as diversas obras interagem, havendo sempre mais de uma voz (polifonia) num texto, a despeito das intenções do autor ou mesmo de operações mais explícitas de dialogismo, como a paródia ou a paráfrase. O fato é que no cinema isso também acontece com frequência, não obstante o fenômeno seja muito mais claro em certas obras, mais sofisticadas, do que outras.

Este preâmbulo serviu pra falar justamente de como o espectador pode se surpreender – e se divertir – vendo certos filmes depois de ter visto certos outros filmes. Outro dia este escrevinhador reviu Sangue Negro (There Will Be Blood, 2007), obra maiúscula do – já muito mais do que um jovem promissor – cineasta contemporâneo Paul Thomas Anderson. Autor de Magnólia (1999) e Embriagado de Amor (Punch-Drunk Love, 2002), o norte-americano realizou um filme vigoroso, destacável que seria em qualquer época da história do cinema. O caso é que revendo este filme, que já considerava grande, percebi que o era não só pelo talento e criatividade do autor, já mostrada em filmes anteriores, mas também por andar de mãos dadas com os grandes do passado. Qual não foi a boa surpresa que tive ao sentir nele eflúvios de Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), de Orson Welles? Sim, aquele mesmo tal filme que aparece invariavelmente nas listas pelo mundo como o maior filme de todos os tempos. A começar pela moral do filme, cuja história mostra o lado humano e o lado negro de homens capitalistas e ambiciosos. O Plainview de Daniel Day-Lewis (em atuação inexcedível) se aproxima bastante do Kane de Welles (diretor-protagonista): ambos, após um passado sofrido, se tornam máquinas que vão atrás de um objetivo sem que nada lhes faça parar, nem o bom senso nem os entes queridos. Parecem sempre estar tentando provar algo e alternam entre atos de bondade e ternura com atos de pura mesquinharia e ganância, mostrando-se no fim das contas serem verdadeiros solitários: de self-made men a lonely men. Personagens confusos e controversos, que no caso de Kane, a narrativa em puzzle, por meio de flashbacks, só explicita este caráter nebuloso. Após o fim de ambos os filmes achamos os protagonistas ao mesmo tempo tão familiares e tão distantes. Isso, sem contar aspectos não semelhantes, porém análogos, como fotografias e trilhas sonoras expressivas, grandes atuações e ritmos (timing) perfeitos, sem um segundo a sobrar ou faltar.

E qual seria a cara de Cidadão Kane se não houvesse acontecido antes o Expressionismo Alemão, com seus cenários distorcidos e sua fotografia em fortes contrastes de claro e escuro? Estilo de fotografia este que, embora pouco usado hoje em dia, foi característica forte do cinema americano dos anos 40, principalmente nos filmes noir, aqueles filmes de trama policial, femme fatale, clima de decadência e cinismo, e mistério a ser solucionado ao final.

Então, rever Sangue Negro e reencontrar Kane me levou a associações aparentemente desencadeadas, mas não fora desse espírito. Quem, mesmo sem conhecer bem o filme, nunca escutou a trilha sonora de Tubarão (Jaws, 1975) do Midas Steven Spielberg? O autor desta trilha, Mr. John Super-Indiana-ET-Nas_estrelas Williams, que tinha o inigualável Bernard Herrmann como referência, inspirou-se no conceito da igualmente famosa trilha sonora de Psicose (Psycho, 1960), de Alfred Hitchcock, para dar aquele clima de tensão e violência iminente no filme – em que o tubarão propriamente dito demora bastante a aparecer e, no fim das contas, mata poucas pessoas. Falando no mestre gordo inglês, no mesmo Tubarão, Spielberg teve como referência outra grande obra hitchcockiana, Os Pássaros (The Birds, 1963). Hitchcock praticamente inaugurou o filme-catástrofe com Os Pássaros, mas sem cair no ridículo da maioria que foi feita posteriormente: filme em que a natureza se volta inexplicavelmente contra o homem, que pouco pode fazer além de tentar sobreviver. Assim também é Tubarão, em que um exemplar da espécie se torna misteriosamente sádico e sanguinário. Nenhum dos dois filmes se preocupa em dar explicações pseudo-científicas para o fenômeno – Hitchcock faz é piada com isso na cena do café, com a velha ornitóloga – e ambos são aulas de suspense, de como saber elevar a tensão ao ápice, alternando com momentos de relaxamento e até humor.

Alfred Hitchcock, por sinal, foi um dos cineastas mais influentes da história do cinema. Assim como Orson Welles – e cada um ao seu modo – soube assimilar o que de mais importante já havia sido feito até sua época, construiu um estilo próprio e rico, marcando para sempre o cinema, e influenciando cineastas mesmo os que não pensam conscientemente no autor de Janela Indiscreta. Aliás, a consciência do autor de ter como referência algo do passado talvez seja o que menos importa, pois quem se expressa é a obra, ela que dialoga com outra, e as influências estão no ar, na época, no conhecimento de mundo, no estudo, na vivência e na bagagem cultural do artista, é algo muito mais difuso e espontâneo do que o caso mais óbvio de uma referência como a que faz Brian De Palma em Os Intocáveis (Untouchables, 1987), na cena da estação de trem, que parafraseia a antológica seqüência das escadarias de Odessa, de O Encouraçado Potenkim (Bronenosets Potyokim, 1927), do pioneiro da montagem Sergei Eisentein. Este, outro cineasta de influência crucial para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica, que marcou profundamente, por exemplo, a obra de Alfred Hitchcock. Realmente muito pequeno este mundo... E já que citei De Palma, este é o cineasta ainda na ativa de maior e mais assumida influência de Hitchcock, notadamente em filmes como Dublê de Corpo (Body Double, 1984), Vestida para Matar (Dressed to Kill, 1980) e Um tiro na noite (Blow Out, 1981) – o primeiro, uma espécie de mistura entre Um Corpo que cai (Vertigo, 1958) e Janela Indiscreta (Rear Window, 1955), e o segundo, uma referência clara a Psicose.

E o que teria sido do cinema senão uma mera forma de fotografar o movimento ou no máximo uma diversão circense não fosse por D.W. Griffith, que mostrou de uma vez por todas que o cinema se prestava à narratividade? Ele que encaixou no filme o hoje óbvios início-desenvolvimento-clímax e a narrativa paralela? Forma de narrar clássica, linear, essencialmente americana, que figuras como John Ford e William Wyler levaram à quintessência, algum tempo depois, há que se lembrar.

Assim foi. A partir da descoberta da narrativa o cinema foi aprendendo gradativamente coisas novas, aprendeu muito mais do que narrar. Imbricar é o verbo. Assim é construída a estética do cinema, como um telhado."


Clique na imagem para vê-la maior e mais bela.

28 junho 2009

Quando James Stewart veio ao Rio de Janeiro

Publicado no dia 23 de junho de 2009 na revista eletrônica Terra Magazine.
Em 1984 - e lá se vão trinta e cinco anos, quando, para mim, o que vou narrar, parece que foi ontem - a CIC (Cinema International Corporation) - que depois se transformou na UIP (United International Pictures), lançou um pacote contendo cinco filmes de Hitchcock que há vinte anos se encontravam proibidos de exibição por exigência do mestre - não se sabe lá bem o motivo.

O fato é que Janela Indiscreta, Um Corpo que Cai (considerado pela Cahiers du Cinema um dos mais belos filmes de todos os tempos), O Terceiro Tiro, O Homem que Sabia Demais e Festim Diabólico, obras imprescindíveis de Hitch, relançadas em cópias novas, duas décadas depois, estavam livres, afinal, para serem reavaliadas e vistas pela primeira vez por toda uma geração de cinéfilos.

Para prestigiar o lançamento do pacote, James Stewart esteve no Rio de Janeiro reunido com jornalistas das principais capitais do Brasil. O gerente regional da CIC, em Salvador, resolveu me convidar como o crítico representante da Bahia - tinha, para quem não sabe, uma coluna diária e enorme na Tribuna da Bahia.

Fiquei entusiasmadíssimo, alvoroçado, pela oportunidade que teria de passar, um dia inteiro, com um veterano e mitológico intérprete, uma legenda do cinema americano. A empresa me reservou uma passagem de ida e volta - SSA-Rio-SSA, hotel de cinco estrelas - o mesmo onde ficaria hospedado o homem que matou o facínora, e a promessa de reembolso imediato nos gastos de locomoção e alimentação.

Lembro-me bem do dia: 21 de outubro de 1984. Estava chovendo. Vento leste. Medo de voar naquelas condições que se foi vencendo com várias tulipas de chope no barzinho do aeroporto. Para um amante do cinema, um presente de Zeus. Apertando o cinto, feita a aterrissagem, cheguei ao Galeão, descortinando, antes de pousar, a bela paisagem da Cidade Maravilhosa.

O Rio de Janeiro é de uma beleza indescritível. Mas a chuva continuava. Pensava em James Stewart, relembrava seus filmes enquanto sorvia mais algumas tulipas desta vez no bar do aeroporto do Rio. Telefonei para a CIC e me mandaram pegar um táxi, pois a reserva já se encontrava feita. Num hotel luxuoso em Copacabana - diria mesmo: seis estrelas. Quem sou eu, pobre comentarista de cinema, para gozar de tais mordomias! Gozei-as, entretanto. E como!

Cheguei num domingo. Dia livre, segundo a assessora de imprensa da CIC. Aproveitei para ver, no cinema Veneza, Janela Indiscreta (Rear Window). A sala estava lotada e, antes de entrar, fiquei observando as pessoas que saiam circunspectas, caladas ou comentando. Via pelas suas fisionomias que tinham acabado de assistir a um grande filme.

Já na sala escura, as imagens de Janela Indiscreta me provocaram forte emoção - já o tinha visto nos anos 60 antes de sua retirada de circulação. Apesar de uma matinée num domingo, havia silêncio na sala, respeito pelo que se estava a ver. Há vinte e cinco anos passados. A patuléia, porque ainda não nascida, ainda não comandava o espetáculo!

Saindo do cinema, fui andando até o hotel no posto seis de Copacabana. Uma caminhada e tanto. Ia pensando no encontro da segunda, o Dia D, cujas atividades se estenderiam pelo dia todo: de manhã, de tarde e de noite. Atravessei o comprido túnel, e, adentrando a Av. Atlântida, a pé, andei pelas suas calçadas cheias de bares com aquele chopinho único e especial que só se encontra no Rio de Janeiro (na Bahia não há chopp que preste, porque, na maioria das vezes, as pessoas não possuem o savoir-faire para tirá-lo). Há uma cultura do chopp entre os cariocas inexistente, por exemplo, em Salvador. Difícil - ou impossível - se encontrar, aqui, um chopp que possa ser bebido com tanto prazer como em relação ao carioca.

Assim, não resisti, cervejeiro que sou - e que, naquele tempo, jovem e disposto, era mais ainda, e sentei-me, lembro-me bem, no Cabral 1500. Impossível se ficar em apenas um chopinho. Este desce com uma leveza impressionante e, por isso, as tulipas se multiplicaram. Quando me levantei, a noite, ainda uma criança, dava sinais de que precisava parar e ir para o hotel descansar para o grande dia.

Acordei com o dia e por causa de um telefonema da assessora, Hannah de não-sei-o quê. Ela me disse que ficasse esperando uma caminhonete no saguão do hotel. Para ir ao centro da cidade à cabine da Paramount. Quando desci, encontrei um monte de gente também esperando: os críticos de outros estados que, a julgar pelos seus gestos e palavras, estavam eufóricos. Um, de Manaus, estava com vários colares e cocares indígenas para presentear James Stewart.

Chegando à cabine, uma sala de projeção com poltronas de veludo, James Stewart estava lá ao lado da assessora de imprensa que nos apresentou, um a um, explicando a ele o que as pessoas faziam e de onde vinham. Entramos na cabine onde ia ser exibido Um Corpo que Cai (Vertigo). O filme se iniciou com a fabulosa perseguição pelos telhados e, em seguida, a apresentação dos créditos feita por Saul Bass, uma novidade.
De repente, minha atenção se perturbou, pois James Stewart se sentou, por acaso, a meu lado. Enquanto o via na tela, sentia a sua presença. Não assistiu ao filme até o fim, retirando-se no primeiro terço e, na hora de sair, bateu em meu ombro e disse: "I see you later" ("Eu vejo você mais tarde").

Referia-se à grande entrevista coletiva que ia acontecer no salão do hotel no horário vespertino. A tarde chegou cedo, e o meu tempo, o psicológico, por fugaz, fez com que, mal terminada a projeção, já estivesse a postos no grande salão onde se realizaria a entrevista. Os lugares, todos marcados com os nomes dos jornalistas e, em cada cadeira, uma pasta contendo dados sobre os filmes e sobre Stewart, além de muitas fotografias.

Lembro-me de Ruy Castro, que, naquele tempo, era free lance da Folha de S. Paulo. Cada jornalista tinha de esperar a sua vez. Quando chegou a minha, perguntei a Stewart qual o seu filme preferido de Hitch. Olhando-me com aqueles dois olhos azuis resplandecentes, respondeu-me que Janela Indiscreta, fazendo longas considerações pelo motivo de sua preferência.

À noite, um jantar no hotel. Conversei um pouco com Stewart, que, nessa ocasião, me apresentou à sua esposa, Gloria, de longa data. Fiquei de olho em Stewart e nas bandejas circulantes dos garçons, que continham um delicioso scotch. Depois da quarta dose, aproximei-me dele, que estava em pé, disponível, ao lado da intérprete.

Foi então que conversamos mais. Ele me falou de sua infância difícil, da conquista, nos anos 40 (por A Mulher Faz o Homem/Mr.Smith goes to Washington, 1939, de Frank Capra) do Oscar de melhor ator, que o enviou ao pai, dono de uma loja comercial, que colocou a estatueta na vitrine. Falou-me de Hitch, de Capra, de John Ford (tinha medo de trabalhar com Ford e só entrou no cast de O Homem que Matou o Facínora por insistência de John Wayne, mas Ford gostou dele, e o convidou para mais filmes).

Dentro do avião de volta, peguei a Folha de S.Paulo para ler. Fui direto à Ilustrada, que estampava: "O melhor filme de Hitch para Jimmy é Janela Indiscreta". Minha pergunta fora roubada, pensei com meus aflitos botões. Mas já era tarde demais.

Naquela época não havia internet e a matéria que fiz para o jornal, que tomou toda a capa do segundo caderno, foi batida à máquina, quando já de volta ao lar.
A foto mostra James Stewart ao lado de Grace Kelly, ambos envelhecidos.

27 junho 2009

Da bela Sophia Loren

Na minha adolescência, entre as musas Brigitte Bardot e Marilyn Monroe, existiam várias atrizes encantadoras, divas, como gostava de chamá-las o escritor Octávio de Faria (Uma tragédia burguesa, livro importante e pouco citado da literatura brasileira). E uma delas era Sophia Loren, esplendorosa, magnífica, deslumbrante. Vim a verificar que em setembro próximo a bela Sophia completa 75 primaveras. Acompanhei passo a passo a carreira dela, excetuando-se os filmes da primeira metade dos anos 50, que os vi depois, a exemplo de Ouro de Nápoles (L'oro di Napoli, de Vittorio De Sica), A mulher do rio (La donne di fiume, de Mario Soldati), ambos de 1954, Pão, amor e fantasia (Pane, amore e...de Dino Risi, 1955), entre outras deliciosas comédias à la italiana.
Casada com o rico produtor Carlo Ponti, foi, por este, impulsionada para o estrelato internacional. De repente, estava atuando ao lado dos astros e estrelas de Hollywood: Anthony Quinn (Orquídea negra/The black orchid, 1958, de Martin Ritt, A jogadora infernal/Heller in pink tights, 1960, de George Cukor), Cary Grant e Frank Sinatra (Orgulho e paixão/The pride and the passion, 1957, de Stanley Kramer e, apenas com Grant, Tentação morena/Houseboat, 1958, de Melville Shavelson), William Holden (A chave/The key, 1958, de Carol Reed), Maurice Chevalier e John Gavin (Escândalo da princesa/A breath of scandal, 1960, de Michael Curtiz), Clark Gable (Aconteceu em Nápoles/It started in Naples, 1960, de Melville Shavelson), Tab Hunter (Mulher daquela espécie/That kind of woman, 1959, de Sidney Lumet), Peter Sellers (Com milhões e sem carinho/The millionairess, 1960, de Anthony Asquith - com quem faria depois Lady L), Charlton Heston (El Cid, 1962, de Anthony Mann), entre outros, como Charles Chaplin (A condessa de Hong Kong)
Em meados dos anos 60 em diante fez vários filmes italianos com seu amigo Vittorio DeSica (Matrimonio à italiana, Os girassóis da Rússia, estes ao lado de Marcello Mastroianni, A viagem, com Richard Burton, último filme do realizador de Ladrões de bicicleta), entre filmes de outros cineastas europeus, como Lina Wertemuller (Fatto di sangue fra due uomini per causa di una vedova - si sospettano moventi politici, 1978), este último inédito no Brasil.
Bem, não estou aqui para fazer um levantamento filmográfico de Sophia Loren. Vim fazer uma simples homenagem. Apenas. Clique na imagem para tê-la maior e mais bela.

25 junho 2009

Do Filme-Carroça e do Filme-Trem

François Truffaut divide os filmes em duas categorias: os filmes de personagens e os filmes de situações. E diz que a grande diferença entre os filmes europeus e os filmes de Hollywood (da boa Hollywood, digo eu, não esta do lixo cultural que aí está) é que os filmes realizados na Europa são, em primeiro lugar, filmes de personagens, ao passo que as produções americanas são filmes de situações.

Copio um trecho de seu livro Os filmes de minha vida, editado aqui no Brasil pela Nova Fronteira lá pelos idos dos 90: "Na França, respeitamos muito a verossimilhança, a psicologia, que os americanos apenas roçam, preferindo tratar a situação com vigor, sem desviar-se do ponto de partida. Como, afinal de contas, um filme não passa de uma fita de celulóide de dois mil metros desfilando diante de nossos olhos, é permitido compará-lo a um percurso. Diria então que o filme francês avança como uma carroça ao longo de um caminho tortuoso enquanto o filme americano rola como um trem sobre trilhos." Filme-carroça e filme-trem, portanto.

A julgar pela velocidade estúpida dos filmes contemporâneos, nos quais as tomadas são cada vez mais curtas, os filmes atuais são filmes-trem-bala. O cinema da indústria cultural está inassistível. Reinam, absolutos, os
filmes-lixo.

Os filmes contemporâneos se assemelham a games, não passam de jogos, de efeitos. Pessoalmente, não tenho mais paciência para o lixo que se está a oferecer no circuito comercial. É verdade, porém, que, de vez em quando e de quando em vez, aparecem alguns filmes bons e até excelentes, a exemplo de Gran Torino, de Clint Eastwood, Sangue negro, de Paul Thomas Anderson, Antes que o diabo saiba que você está morto, de Sidney Lumet (que faz hoje, dia 25 de junho, 85 anos de idade), etc.

Mas para suavizar a crise, uma imagem de um belo momento do cinema: Gigi (1958), de Vincente Minnelli, com a belíssima Leslie Caron (que, nos anos 90, apareceu num filme de Louis Malle, creio que Perdas e danos (Domage) e assustou seus fãs. O tempo sempre é implacável. Ela está simplesmente um monstro de feiura. Clique na imagem para vê-la na sua dimensão exata.

Comprei, há alguns anos, o DVD de Gigi, mas qual não foi minha surpresa ao constatar que se encontrava no abominável formato full screen (tela cheia), quando o original é em cinemascope. Irritado, não cheguei a vê-lo, tirei-o do aparelho e, com um martelo, dei-o ao lixo, não sem antes estilhaçá-lo em mil pedacinhos. A Coleção Folha anuncia o lançamento de Gigi, mas é preciso saber se o formato está em cinemascope, porque caso contrário não valeria a pena adquiri-lo, apesar da beleza desse canto de cisne do filmusical clássico americano.

A Coleção da Veja é muito boa, os filmes são excelentes, embora alguns descartáveis, mas tem um inconveniente: o envelope que guarda o disquinho é meio apertado e estraga o conteúdo, como bem me alertou o cinéfilo e publicitário Jonga Olivieri, que teve o seu Quanto mais quente melhor danificado.

E Gigi, afinal de contas, seria um filme-carroça ou um filme-trem?

24 junho 2009

"Todas as mulheres do mundo", de Domingos Oliveira


Elogio à beleza da mulher amada e ao amor, crônica da vida ociosa de Ipanema e Leblon no ápice de seu encantamento como paraíso da alegria de viver, Todas as mulheres do mundo (1967), de Domingos Oliveira, pode ser considerada como uma das melhores comédias do cinema nacional em todos os tempos. Realizada nos sisudos tempos do Cinema Novo, quando a discussão da problemática do drama do homem brasileiro surgia como preocupação principal dos cineastas, Domingos Oliveira, aqui em sua obra de estréia como realizador, nada contra a corrente e propõe o retrato de uma geração, na sua busca pelo amor, visto no filme como uma necessidade vital. A inspiração, veio-lhe de Leila Diniz (que poucos anos depois se tornaria uma figura emblemática da vida carioca), que fora sua mulher por um tempo, mas houve a separação, dolorosa para Domingos, porque ainda a amava. Segundo declarações do cineasta, Todas as mulheres do mundo é um filme feito com o propósito de reconquistá-la. Se o filme se tornou um êxito, o realizador, porém, não alcançou sucesso no seu objetivo precípuo.
O cinema de Domingos Oliveira é um cinema que reflete as relações afetivas e amorosas. O realizador sabe construir seus textos em função da explicitação dos mistérios do amor. Todas as mulheres do mundo, surpreendentemente em se tratando do primeiro filme de Oliveira, possui uma estrutura narrativa ágil e inteligente, diálogos ricos, engraçados e envolventes. Apesar de uma produção realizada com pouco orçamento, com as locações feitas em casas de amigos e no próprio apartamento do autor, além das externas em pontos do Rio de Janeiro, o filme se realiza dentro das restrições impostas pela produção. Há uma dinâmica rítmica que faz lembrar alguns filmes do inglês Richard Lester nessa fase. O filme revela que Domingos Oliveira estava a par das últimas novidades conquistadas pela linguagem cinematográfica naqueles anos efervescentes dos 60. Assim, materiais de diversas procedências se inserem no desenrolar da narrativa, como livros abertos, desenhos, e uma fala coloquial nova no cinema brasileiro da época.O cineasta, após o sucesso de Todas mulheres do mundo, fez vários outros filmes ainda na mesma década: Edu, coração de ouro (1968), As duas faces da moeda (1969), e, ainda, um documentário sobre um fenômeno da época: É Simonal. (filme pouco referido quando se comenta a filmografia desse realizador) A década de 70 lhe propiciou uma obra atípica: A culpa, entre outras. Depois de um lapso de tempo sem fazer cinema, voltou em 1998 com Amores, que se aplica a tratar do relacionamento amoroso entre os indivíduos, assim como outros que se lhe seguiram: Separações (2002), Feminices (2004), e Carreiras, e Juventude. Todos realizados com pouca verba e no sistema de cotas, compartilhadas pela equipe.
Em Todas as mulheres do mundo, dois amigos se encontram. Um, Flávio Migliaccio, é celibatário, não acredita no amor. O outro, Paulo José, pensa o contrário, e conta a sua história. O filme, portanto, desenrola-se em flash-back, a mostrar o encontro de Paulo com Leila Diniz, que vem a conhecer numa festa. O filme é o retrato apaixonado do relacionamento dos dois: o cotidiano deles, suas brigas e separações. Mas o seu amor por ela fez com que ele abandonasse ‘todas as mulheres do mundo.’ É a celebração de Leila Diniz, mulher bela, cativante e de esfuziante personalidade que veio a se tornar uma celebridade dos agitados anos 60. Envolvente, belo, Todas as mulheres do mundo é uma obra que, além de marcar uma época, retratando-a, é também, uma análise arguta e bem humorada dos sentimentos humanos.

21 junho 2009

"Teorema", de Pier Paolo Pasolini

Cartaz japonês (ou será que é chinês) de Teorema, de Pier Paolo Pasolini, que mostra a esplendorosa diva do cinema italiano Silvana Mangano. Este filme, quando lançado na segunda metade da década de 60, provou frisson, a despertar, aqui e ali, polêmicas. A família burguesa de um industrial (Massimo Girotti) recebe o comunicado da chegada de um anjo (Terence Stamp). Estabelecido este no seio familiar, tem início, então, a um processo de desintegração. O anjo tem relações carnais com todos os elementos da casa, inclusive com a empregada (Laura Betti). A estrutura narrativa obedece ao arquétipo do elemento deflagrador, quando um personagem desconhecido chega a determinado lugar e provoca transformações, a causar uma espécie de desintegração de certos preceitos estabelecidos. Vê-se isso, e para ficar em poucos exemplos, em filmes dos mais variados gêneros e dos mais diferentes autores. Em Os brutos também amam (Shane, 1953), de George Stevens, clássico do western, o pistoleiro interpretado por Alan Ladd surge, de repente, e sua presença vem como um justiciamento para uma terra sem lei. William Holden em Férias de amor (Picnic, 1956) também abala preconceitos arraigados com a sua chegada e a sua presença viril. Geralmente esses personagens chegam e vão embora a deixar, com suas presenças, uma marca para nunca mais ser esquecida. Vê-se também o elemento deflagrador, como mola propulsora do processo de esfacelamento, em filmes baianos, como é o caso de O anjo negro (1973), de José Umberto, quando um negro (Mário Gusmão), tal qual o anjo pasoliniano, chega não se sabe de onde e provoca uma aguda crise de identidade numa família colonial e barroca.
A família de Teorema é constituída de um pai, uma mãe (Silvana Mangano), e dois filhos: um homem e uma mulher, além da empregada. Após a carnal knowledge com o filho, este entra em conflito e começa a pintar quadros abstratos. A filha entra em estado de catatonia. A mãe sai, pelas ruas de Roma, à procura de amantes numa sede de sexo insaciável. O industrial, o chefe da família, doa a sua fábrica aos operários e corre nu, e desesperado, pelo deserto. A única que se salva, por assim dizer, é a empregada, que se retira da casa em direção a sua aldeia e entra em levitação, admirada como santa pelos habitantes do lugarejo.
Teorema foi realizado logo depois de O evangelho segundo São Matheus, que pode ser considerado um dos mais belos filmes sobre a vida de Cristo. A crítica ficou perplexa pela beleza de suas imagens e também pelo fato de Pasolini, marxista convicto, materialista, ter feito um filme de tanta religiosidade, dedicado, inclusive, ao Papa João XXIII, idealizador da reforma da Igreja com o Concílio do Vaticano dos anos 60.
A escrita pasoliana é muito original e dotada de uma grande sensibilidade na apreensão dos gestos insólitos do homem do povo, dos párias da vida.

20 junho 2009

Morre Perry Salles

Morreu, há dias atrás, o ator e diretor Perry Salles, 70 anos, de câncer, cujo corpo foi cremado no cemitério do Cajú, Rio de Janeiro, mas, antes de seu último suspiro, pediu que suas cinzas fossem jogadas no mar bravio de Trancoso (localidade perto de Porto Seguro, Bahia). Salles, nos anos 90, arrendou o Teatro Gamboa em Salvador e veio morar na Bahia, indo sempre passar longas temporadas em Trancoso. Pessoa anárquica (no bom sentido), demolidor, de visão irônica exemplar, era uma figura sui generis. Uma vez, estando o cineasta José Umberto a fazer um documentário para televisão em Monte Santo, Salles apareceu por lá a espantar as beatas e a dizer que Deus tinha morrido e substituído pela ciência. Monte Santo, como se sabe, é a cidade que serviu para algumas locações de Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha - sequência da subida da colina por Geraldo D'El Rey com uma pesadíssima pedra na cabeça, a matança dos beatos por Antonio das Mortes, etc.
Ainda que separado de Vera Fischer, com a qual viveu longos anos, mantinha com ela um forte laço de amizade. Quando de sua agonia final, a atriz o hospedou em seu apartamento no Leblon. No cinema, dirigiu Intimidade (1975) em parceria com o diretor inglês Michael Sarne, filme baseado em história de Carlos Heitor Cony e estrelado por Vera Fischer, além de ter sido o seu produtor. Era um ator, contudo, essencialmente teatral.com forte presença cênica. Em 1982, realizou Dora Doralina também com a bela Fischer ao lado de Cleyde Yáconis.
Trabalhou em algumas novelas da Globo (Os gigantes, Mandala...) e apareceu em diversos filmes nacionais desde a chanchada Os donos da bola, de J. B. Tanko, com Ronald Golias e Grande Otelo, em 1961, Assassinato em Copacabana, de Eurípides Ramos, em 1962, com Maria Pétar e John Herbert, A Super Fêmea (1973), de Anibal Massaini Neto, que lançou Vera Fischer, As delícias da vida (1974), de Maurício Rittner, entre muitos outros.
O blog faz aqui singela homenagem à figura de Perry Salles, que conheci na sua temporada baiana.

18 junho 2009

Tuna Espinheira à guisa de esclarecimento


O realizador cinematográfico baiano Tuna Espinheira, em artigo que publicou neste blog (e também publicado na coluna de Opinião do jornal soteropolitano A Tarde) no dia 2 de março do ano em curso, que tomou o título Para Tuna, a indignação bate mais forte, foi, segundo ele, mal interpretado na designação de uma pessoa do meio cultural baiano. Solicita-me a sua republicação, que é seguida de um desabafo e da nota que confundiu os alhos com os bugalhos de autoria de Samuel Celestino. Faço o que ele pede à guisa de esclarecimento e para que os pontos possam, devidamente, ficar nos seus is. A imagem que ilustra este post é de Cascalho, seu primeiro longa metragem, versão cinematográfica do romance homônimo de Herberto Salles.
Eis o texto republicado:
“La Nave Vá...” Esta seria a doce resposta que daríamos aos que nos perguntam sobre olançamento de Cascalho. Os ditames das circunstâncias nos impedem de retrucar com esta placidez de espírito.É uma situação embaraçosa exercitar explicações suficientes para dirimir que, embora “Lá Nave Vá”, segue enfrentando uma atroz calmaria.
Não seria muito difícil escrevinhar um relatório sobre as mazelas inerentes a uma produção de baixo orçamento, mas isto não passaria de uma tentativa de requentar um assunto velho e indigesto, correndo o sério risco de cair no “Muro das Lamentações”, desaguando em mágoas e outras inúteis perquirições no campo da metafísica.
Mas, em meio a tantas perguntas que me fazem, uma acerta agônicamente e, praticamente, me emudece: “Porque não passou no escurinho do cinema Glauber Rocha?” Decifrar este enigma que o diabo amassou realmente me devora!
O Complexo que trás o nome do luminoso Cineasta, possui quatro salas de exibição, com equipamentos de última geração, contando-se aí, projetores para filmes em película e Mídia Digital (o Código Raien). Coincidentemente, o nosso filme em questão, possui os dois formatos. Ralou para ficar pronto. Hoje está apetrechado, com todos os requisitos técnicos exigidos para toda e qualquer requintada projeção comercial.
O Complexo de Cinemas Iguatemi, brindou o nosso filme com uma luminosa festa de pré-estréia, cedeu uma sala em Salvador e outra em Feira de Santana. Quase um mês depois veio a inauguração deste outro “Complexo”ao qual estamos nos referindo, portanto em pleno lançamento da nossa fita, fizemos o devido contato, reiteramos, por incrível que pareça, nada foi respondido, perpetrou-se o mais completo e abominável “Ouvido de Mercador”.
O filme barrado no baile é um produto genuinamente baiano, 80% dos técnicos e atores são prata da casa, sua produção deve-se a um Edital promovido pelo Governo Estadual. Neste 2009-DC estamos comemorando o cinquentenário do Cinema Baiano (de longa metragem) que se iniciou com o filme, Redenção, de Roberto Pires ( o verdadeiro Borba Gato do cinema baiano), Cascalho completa este período emblemático. É uma mera convenção, mas faz parte das comemorações de cinqüenta em cinqüenta anos, acontece agora com Redenção e Cascalho.
A Bahia sempre teve os seus burocratas da cultura, agora temos um “coronelete” de plantão, uma raça julgada extinta. Censor, porteiro kafkiano, entrincheirado sob os podres poderes, enodoando o nome do libertário Glauber Rocha. Vai chegar o dia em que o personagem, António das Mortes, descerá das telas para prestar contas com este dito cujo. Da nossa parte, sem entrar no mérito do valor, podemos afirmar: Cascalho não é um filme datado. O silencio imposto pela inexplicável e cruel proibição no espaço que resultou da briga do cinema baiano como um todo, não vai ofuscar o direito à vida desta fita, ficará apenas como sendo uma espécie de marca da maldade.
Missiva ao Fundo de Cultura
Sr. Ciro Nunes Sales,
Acabo de receber um comunicado participando a negativa do Fundo de Cultura, ao projeto Produção do DVD do Filme Longa Metragem Cascalho, de Tuna Espinheira. O que causa estranheza é a ausência de explicações do nível baixo de cada votante desta Comissão. Ora, formada por pessoas de alto nível de conhecimento dos assuntos ligados ao cinema, como seria de esperar, seus membros não teriam nenhuma dificuldade em apontar as razões para a não aprovação, sobretudo em caráter de “pré-seleção”, como está dito no comunicado. Temos convicção de que apresentamos um projeto honesto, bem fundamentado, bem justificado com vistas a festejada inovação de aceitamento intitulado “Natureza Espontânea”.

Um filme genuinamente baiano, longa metragem produzido com a agônica circunstancia do baixo orçamento, ser vetado ao legítimo direito de poder ser distribuído/difundido através da comercialização democrática dos DVDs, é algo cruel, fere a combalida cultura, como um todo, da cinematografia baiana.
Paira dúvidas sobre uma efetiva análise técnica do projeto em questão, ou as pessoas que o julgaram são PHD em outros saberes e não nas questões pertinentes ao cinema! Seria de bom alvitre, para dirimir este imbróglio, que a Comissão, através do relator, apresentasse os motivos que embasaram a recusa ao primo-canto da pré-seleção.
Atenciosamente,
Tuna Espinheira
Eis o seu desabafo recente:
Mais realistas que o Rei
"A missiva acima, dirigida ao Fundo de Cultura, foi elaborada no calor da hora, pelo sim e pelo não, não desdigo nada, não movo uma vírgula do lugar. Mas, hoje, um dia depois, resolvi clarear os porquês das minhas dúvidas levantadas (postas na referida missiva) quanto ao julgamento sumário, uma espécie de guerra sem quartel, do meu projeto. Para evitar suspense, também vou sentenciar ( à moda do Fundo...) sumariamente: Meu nome é que foi julgado, não o meu projeto.

O “causo” eu conto, como o “causo” foi. Algum tempo atrás, na labuta agônica do lançamento do meu filme, genuinamente baiano, CASCALHO, o gerente do Complexo UNIBANCO-GLAUBER ROCHA, fazendo ouvido de mercador às tentativas dos produtores para uma negociação para que o filme tivesse sua hora e sua vêz no sagrado espaço que leva o nome do cineasta maior do Brasil. A resposta obtida foi o veto silencioso, com cheiro de desprezo.
Como nunca fui um bom cabrito, (mesmo porque sou de Capricórnio), botei a boca no trombone, veiculando o meu berro no jornal A Tarde, na austera e democrática coluna Opinião. O artigo causou um certo frisson, provocando, ao mesmo tempo alguns mal entendidos, parte pela razão de que me neguei a citar o verdadeiro nome do personagem tristemente principal do meu texto, preferindo na data e hora que escrevi, chamá-lo de “coronelete”. Como o Cão atenta, quem quiser que duvide! Naquele período histórico a bola da vez, ou melhor o Judas da vez, era o Secretário da Cultura, Marcio Meireles. Estorava desintelingencias em vários segmentos da área cultural. Inúmeras pessoas, de níveis diferenciados, (talvez eu tenha pecado por um ato falho de comunicação do meu escrito), entenderam que o dito cujo, “coronelete”, só poderia ser o gestor da Secretária de Cultura.
Como quem avisa amigo é, não me faltou conselhos para tornar público que a bala que lancei certeiramente, não podia fazer às vezes de bala perdida, ou torna-se um legitimo “causo” digno da historieta: “Atirou no que viu e acertou no que não viu”. Para encolher estes dizeres vou xerocar e replicar (abaixo deste) as duas matérias que atraíra, pela lei da gravidade, meu nome para o rol dos morféticos. Trata-se simplesmente do meu já relatado artigo e de uma nota postada pelo mais ilustre cronista político, Samuel Celestino, em seu próprio blog, onde seus escritos costumam ser garimpados à luz de lupas pela classe política.

Este relato espantoso, que poderia ser cordelizado se assemelha aquela máxima do Governador Mangabeira: “Pense no maior o absurdo... Pois na bahia já aconteceu”. A bajulice congênita dos mais realistas do que o Rei, levou meu nome, já na categoria de morfético, Pela incúria, engano, e má fé) a julgamento, o projeto ficou de fora. A morte anunciada do projeto só não do meu conhecimento. “Triste Bahia”.
Em tempo: Para não dizer que não falei de flores, o nome do “coronelete” (gênese deste furdunço) é Claudio Marques, nenhum parentesco com o genial autor de O Capital, muito menos com os irmãos Marx"

Eis a nota que saiu no blog de Samuel Celestino:
Antonio das Mortes contra Márcio Meirelles
"O cineasta Tuna Espinheira, nome de referência nacional e um dos expoentes da intelectualidade baiana, com o artigo "Cascalho, o Filme em Cartaz", que publica hoje na terceira página de A Tarde, reserva um parágrafo devastador contra o secretário Márcio Meireles, da Cultura, corvo que pousou também sobre o filme que realiza. Diz: "A Bahia sempre teve os seus burocratas da cultura, agora temos um "coronelete" de plantão, uma raça julgada extinta. Censor, porteiro kafkiano, entrincheirado sobre os podres poderes, enodoando o nome do libertário Glauber Rocha. Vai chegar o dia em que o personagem Antônio das Mortes descerá das telas para prestar contas com este dito cujo." Bem, de minha parte que Antônio das Mortes seja breve, rápido e certeiro."

16 junho 2009

"O Amigo da Onça", de Péricles: inesquecível

Imagens históricas


A foto superior mostra Marlon Brando a fumar - num tempo em que não havia, ainda, a psicose antitabagista, decorrente de uma obsessão politicamente correta que está a ameaçar a liberdade do homem, e, na de baixo, Rock Hudson, Cary Grant, Brando e Gregory Peck. Atores que fizeram o imaginário de uma geração de cinéfilos que frequentou as salas exibidoras nos anos 50 e 60. Quando jovem, via em Rock Hudson a imagem perfeita do homem viril - e, vejam só, queria ser como ele. Qual não foi a minha surpresa ao vim a saber, décadas depois, que era uma bicha (com todo o respeito por elas) das mais escandalosas. Realizava verdadeiras orgias em sua casa, fantasiado de grego, e, nas horas vagas, seu hobby preferido era fazer tricô para dar de presente aos namorados (o que está dito consta de sua biografia publicada em torno de 1985). Quando esteve no Rio, Assis Chateaubriand, persuadido pela Universal, montou uma farsa para aparecer em O Cruzeiro, com Rock a ser flagrado numa praia deserta com uma mulher belíssima, porque, naquela época, seus fãs não poderiam saber de sua condição de homossexual. Nada contra. Apenas constato fatos.

14 junho 2009

"Viva o palhaço!", de Michael Kidd

Há filmes que, vistos uma vez, desaparecem de circulação para não mais voltar, restando, apenas, nos arcanos da memória. Um deles Viva o palhaço! (Merry Andrew, 1958), dirigido pelo grande coreográfo Michael Kidd (Hello Dolly!, 7 noivas para 7 irmãos...), que vi em tenra idade, mas nunca mais me esqueci. Nunca passou na televisão (nem dublado) e não há cópias em VHS ou DVD. Há números musicais extraordinariamente coreogrados e uma história singela sobre um professor-escola (Danny Kaye) que, em viagem arqueológica, descobre a alegria do amor e da vida circense com uma acrobata (Pier Angeli) pela qual se apaixona. Trata-se de uma deliciosa comédia musical produzida por Sol C. Siegel. Mas, quem se lembra ainda de Danny Kaye (1913/1987)? Recebeu dois Globos de Ouro e um Oscar honorário em 1955 da Academia de Artes e Ciências de Hollywood. Participou de alguns filmes que foram sucessos em sua época, como este, Merry Andrew, A lágrima que faltou, O Inspetor Geral, O homem do Dinner's Club (The Man from the Diners' Club, 1963), de Frank Tashlin, Escândalo na Riviera, entre outros.
Minha homenagem, aqui, a Merry Andrew, jóia desaparecida, e a Danny Kaye.

Basta chover no molhado e/ou Assinar nosso fracasso


Recebi, via internet, de um amigo, este artigo polêmico que deve ser lido. Tomo a ousadia de transcrevê-lo. É ler e refletir. Sem mais. O autor, Valério Bemfica, que o intitula A nova retomada do Cinema Brasileiro: farsa em três atos

VALÉRIO BEMFICA
Vendo o título acima, talvez o leitor ache que estejamos sendo pessimistas. Recentemente uma película, rodada no Brasil, com elenco e diretor brasileiros, rompeu a marca dos seis milhões de espectadores. Pode parecer uma notícia alvissareira, mas não é. É apenas uma exceção, com muitas particularidades, em um cenário trágico. E note-se bem que não dissemos "um filme brasileiro": trata-se, na verdade, daquilo que os modernosos costumam chamar de "produto" ou "conteúdo audiovisual", não um filme. Uma associação escancarada entre os integrantes do cartel da indústria cultural, destinada a fechar um pouco mais o espaço para uma cinematografia nacional, autônoma e criativa. Nosso objetivo não é aqui fazer uma crítica estética ao filme, mas descrever o ponto em que está o cinema brasileiro, prestes a receber o golpe de misericórdia. No final o leitor compreenderá não apenas o título, mas também como o último produto global colabora para o processo de aniquilamento de nosso cinema. Vamos aos atos.

PRIMEIRO ATO - A Redução da Cota de Tela(Ou: a parte que nos cabe no latifúndio)Em qualquer país do mundo são comuns medidas de estímulo à produção local -em todos os setores da economia. E elas são particularmente necessárias em setores estratégicos e nas áreas onde o poder econômico dos concorrentes estrangeiros é muito forte. O cinema se enquadra nos dois casos. É estratégico - como todo o campo cultural - por tratar com o imaginário das pessoas, por ajudar a configurar a identidade nacional. E o poderio econômico da indústria cultural estadunidense é gigantesco. Por conseguinte,inúmeros países adotam medidas para garantir a existência de uma cinematografia nacional. A principal delas é a chamada cota de tela, ou seja, a reserva de um número determinado de dias para a exibição da produção local.No Brasil esse mecanismo começou a ser adotado da década de 30 do século passado. Obviamente surtiu efeito e o cinema brasileiro começou a se desenvolver, revelar novos talentos, ganhar espaço no gosto popular. Nos anos 50 a cota chegou a 42 dias de exibição anual. Na década de 60 alcançou os 112 dias por ano e, no auge da atuação da Embrafilme, na década de 70, atingiu a marca de 140 dias/ano. Se alguém achar exagerado, é nesse patamar(aproximadamente 40% do espaço de exibição) que estão, hoje em dia, países como a França. Mas no Brasil a história foi diferente. A política de arrasa quarteirão de Collor fechou a Embrafilme e deixou à míngua os realizadores do país, que não mais contavam com uma estrutura de distribuição que lhes permitisse concorrer com o produto estrangeiro. Ainda assim, chegamos ao final do século passado com uma cota de tela de 49 dias, ou 13,5% do espaço para exibição de filmes. Era pouco, mas a produção brasileira também estava pequena (28 filmes em 1999). E também seria vã esperança achar que nos anos de ouro do neo-liberalismo o cinema nacional fosse ganhar alguma proteção. O século XXI inicia com a redução da cota para 28 dias, número que permaneceu inalterado até o final do mandato de FH. A chegada de Lula ao poder coincide com a maior bilheteria do cinema nacional nos últimos 15 anos: em 2003 foram 21,5 milhões de espectadores, para uma cota de tela de 35 dias e 29 filmes lançados. Seria de se esperarque a partir de então o governo popular, escolhido para enterrar o entreguismo vigente, tratasse de ampliar o espaço para o nosso cinema,aumentando o tempo de exibição obrigatório e enfrentando os mecanismos dedominação do mercado impostos pelo cartel estrangeiro. Mas, infelizmente, a direção dos órgãos de cultura do país - Ministério da Cultura e Agência Nacional do Cinema em particular - foram entregues a cidadãos que tem mais identidade com a indústria cultural do que com a nação. O monopólio da exibição-distribuição foi tratado como aliado preferencial. Os incentivos àprodução - que em sete anos triplicaram o volume de filmes lançados -revelaram-se uma mera estratégia para acalmar a classe. E a cota de tela, depois de algumas variações, voltou ao patamar da época tucana: 28 dias. Só que, se antes eram produzidos menos de 30 filmes por ano no Brasil, atualmente são produzidos mais de 80. Após seis anos de postura agachada do Minc e da Ancine perante as majors do "entertainment" continuamos confinadosa 10% de nosso próprio mercado.

SEGUNDO ATO: O Artigo Terceiro (Ou: Entregando o ouro ao bandido)
Se a direção dos órgãos de cultura no Brasil permaneceu com a cabeça (e, às vezes chegamos a imaginar, com os bolsos) na época do neoliberalismo e se os apetites dos oligopólios do cinema são insaciáveis, era de se esperar que a coisa piorasse. E piorou mesmo. Eles não podem se conformar nem com uma cota de tela ridícula como a que temos hoje. Como acabar com ela é difícil -seria a confissão cabal da subserviência das autoridades aos seus interesses- resolveram também dominá-la.O caminho para isso tem um nome bastante burocrático: "artigo 3º da lei 8.685/93". É hoje o principal instrumento de dominação da indústriacinematográfica nacional por empresas estrangeiras. Mas vamos a um exemplo concreto, para que o leitor possa ter a dimensão exata do estrago. O filme"Batman - O Cavaleiro das Trevas" arrecadou, em 2008, cerca de 33 milhões dereais no Brasil. Do valor, cerca de 50%, ou R$ 16,5 milhões, são destinados ao distribuidor e ao produtor (a Warner, em ambos os casos). Digamos que tenham sido gastos, com divulgação, cópias, lançamento e manutenção da filial brasileira, R$ 6,5 milhões. O resto - R$ 10 milhões - será remetido para a matriz. Sobre esse valor, a Warner deverá pagar 25% de imposto de renda, a bagatela de R$ 2,5 milhões. Mas, segundo o referido artigo da lei do audiovisual, a empresa pode optar por abater 70% do imposto (no caso, R$1,75 milhões) para investir em produções e co-produções nacionais. Ou seja, usar o dinheiro que seria pago ao governo brasileiro na forma de impostos para se tornarem sócias de filmes nacionais. Algum ingênuo - como estão sendo muitos dos realizadores nacionais - poderá pensar: "Que mal há nisso? É mais dinheiro para o cinema!". O mal é: aassociação entre majors de produção e distribuição estrangeiras detém 80% domercado brasileiro. As cadeias estrangeiras de exibição possuem mais de um quarto de todas as salas de cinema do país. Juntas, determinam o que será visto ou não pelos brasileiros. A única coisa que lhes escapava era a cota de tela, por ser uma obrigação legal. Com o artigo terceiro, passam a poder escolher o que será produzido ou não pelos cineastas brasileiros, passam a determinar quem ocupará a cota de tela - dentre aqueles que se associaram com eles. Veja bem, caro leitor, a completa inversão da lógica capitalista tradicional, em benefício dos setores monopolistas. Em qualquer país domundo, taxa-se o estrangeiro como forma de impedir que ele faça o que quiser com o mercado interno. Aqui estamos isentando o estrangeiro para que ele possa moldar o mercado à sua imagem e semelhança. Vamos a alguns números que comprovam a nossa tese.Entre 2005 e 2007 (últimos dados que a Ancine disponibiliza), foram lançados 192 filmes nacionais. O público desses filmes foi de cerca de 30 milhões de espectadores. Apenas 36 deles levaram mais de 100 mil pessoas ao cinema. Só3 deles não receberam dinheiro via artigo terceiro. Dois são da Globo Filmes que, quando realiza a produção é impedida de captar incentivos fiscais. A única exceção verdadeira (O Cheiro do Ralo, com 172 mil espectadores), só serve para confirmar a regra. São 36 filmes (18,75% do total) que concentram 90% do público. Ou seja, ocupam toda a cota de tela reservada ao cinema brasileiro, apesar de serem filmes produzidos por estrangeiros. Mas façamos a conta de outro modo. Das 9 maiores bilheterias de filmes brasileiros em 2007, 8 foram bancadas pelo artigo terceiro. A única exceção foi um filme da Globo (A GrandeFamília). Concentram 83,36% dos espectadores, enquanto os demais se contentam com o resto. Em 2006 o quadro é o mesmo. A única diferença é que a concentração é ainda maior: 87,75% para os 10 maiores e o resto para os demais 60 filmes lançados. Em 2005 todos os 10 filmes de maior bilheteriasão filhos do artigo terceiro, detendo 93,11% do público. E nem é preciso dizer que, em 27 das 30 maiores bilheterias desses três anos, a distribuidora era uma empresa multinacional. Em resumo: às majors norte-americanas, que antes eram obrigadas a tolerarcerca de 10% de filmes que não eram delas nos cinemas do país, foi dado o direito de utilizar o nosso dinheiro para ficarem sócias de filmes brasileiros. Passaram a ter o direito de decidir quais filmes ocuparão a cota de tela. A pré-condição para isso, claro, é dar-lhes sociedade e serem distribuídos por elas. O resultado é que o espaço para a cinematografia realmente independente reduziu-se ainda mais. Os cineastas nacionais só podem sonhar em chegar de verdade às telas caso se submetam - sabe-se lá aque custo - a um casamento forçado com seu principal inimigo. Se durante muitos anos o cinema nacional careceu de uma estratégia de desenvolvimento, não teve uma verdadeira política, agora tem. O único problema é que ela éestabelecida nos EUA, pela Sony, Fox, Warner, Buena Vista, Paramount eUniversal, em benefício delas mesmas e em detrimento da cultura nacional.

TERCEIRO ATO: O Mercado é que decide (Ou: o tiro de misericórdia)
A vida já estava bastante boa para o cartel do "entertainment": dominavam, sem contestação das autoridades competentes, 90% do mercado cinematográfico.Os restantes 10% também eram ocupados principalmente por eles, co-produzindo filmes com o dinheiro dos outros (ou seja, com o dinheiro do povo brasileiro). O que mais eles poderiam querer? Eliminar os intermediários. Esse pessoal do Minc e da Ancine, apesar de seu capachismo à toda prova, gosta de posar de defensor do cinema nacional. Assim sendo, acaba deixando que se façam filmes sem o aval das majors. É bem verdade que não vão passarem lugar nenhum, que ninguém vai vê-los. Mas depois os diretores ficam reclamando, mendigando uma telinha, fazendo escândalo na imprensa. O jeito seria transferir ao cartel o direito de decidir diretamente o filme que será feito ou não. Inclusive decidindo onde o governo vai colocar o seu próprio dinheiro.O leitor irá concordar que isso já seria demais. Pena que o pessoal do Minc e da Ancine não achou. Gostou da idéia e já começou a colocá-la em prática(em nome, é claro, da transparência e da democracia). Desde 2008 a Ancine passou a contar com o Fundo Setorial do Audiovisual, criado para ser oprincipal mecanismo de financiamento da indústria cinematográfica brasileira. Mas como decidir para onde vai a grana? Vamos a mais um exemplo concreto, para que o leitor não ache que nossa imaginação é fértil demais. No primeiro concurso aberto pelo FSA, inscreveram-se 217 incautos. Desses, 102 foram desclassificados, perdidos nos meandros da burocracia cultural. Sobraram 115, que concorrerão a 30 vagas e R$ 15 milhões. Os felizardos serão escolhidos após uma análise, que determinará o número de pontos do projeto. Vejamos alguns dos critérios. "Interesse e adequação da proposta ao público": ou seja, não interessa se o artista tem algo de interessante a dizer, interessa é se o público quer ouvir. Mas como saber de antemão o que o público quer? "Desempenho comercial das obras produzidas": isto é, já fez sucesso antes? "Valores auferidos em negociações internacionais" /"experiência da distribuidora": quer dizer, já tem contrato de distribuição com alguma multi? "Capacidade dos integrantes da equipe principal e do elenco principal": em outras palavras, tem gente da Globo no meio? É fácilpara o leitor dar-se conta de quem são os maiores interessados em estabelecer critérios bizarros como esses: filmes fáceis, que não façam pensar, com nomes consagrados e contratos de distribuição com as majors. É óbvio que são elas mesmas. Mas, para o monopólio ainda não basta. Desta forma, resolveram também entrar na comissão de seleção. Foram contratados pela Ancine 18 consultores. Uma comissão formada por um consultor da Ancine, um funcionário da Finep(gestora do FSA) e dois consultores decidirá a pontuação dos filmes. Dos 18, sete são exibidores e dois são diretamente ligados às distribuidoras. Só não há distribuidores porque eles não poderiam julgar os filmes dos quais são sócios. O Presidente da Ancine, todo pimpão, afirma que tais mecanismos visam "reintroduzir o compromisso com o risco na atividade". Risco de quê,Mané? Só se for risco de ver o cinema brasileiro afundar de vez, de ter acota de tela invadida por baboseiras, de encher ainda mais as burras do cartel da indústria cultural norte-americana (deixando algumas migalhas para seus asseclas locais). Para as múltis acabou o risco de ter um filme que não seja de seu agrado nas salas brasileiras. Resumo da ópera: não satisfeitos em usar livremente o que deveriam pagar de impostos para ocupar o que restava de mercado ao cinema nacional, ainda garantem que os outros filmes não chegarão nem a ser feitos. Só falta agora ocuparem as comissões de seleção de projetos da Petrobras, da Eletrobrás, doBNDES, pois no Minc e na Ancine já estão mandando.

EPÍLOGO: O sucesso deles é o nosso fracasso(Ou: com o dinheiro dos outros é mais gostoso...)
Bem, perguntará o leitor, ficou comprovado que quem está mandando no cinema brasileiro fala inglês. Mas o que tem a ver com isso o simpático filme de Daniel Filho? Tudo. Dissemos antes que as produções da Globo Filmes eram exceções no uso do artigo terceiro. Mas a turma já deu um jeitinho da se arrumar com o pessoal do Jardim Botânico. O filme não é produção da Globo, apesar de elenco, diretor e equipe trazerem o símbolo da emissora tatuado na testa, mas da Total Entertainment e da empresa do diretor. Assim pode entregar tranqüilamente sua distribuição à Fox Filmes do Brasil e pegar uma graninha do artigo terceiro. A Globo também tira sua casquinha, como co-produtora, fazendo a divulgação e o merchandising. E, para ninguém ter de meter a mão no seu próprio bolso, o filme conta com o generoso patrocínio (público) do BNDES. No final o diretor leva a fama de competente, que leva muita gente ao cinema, os demais são considerados apoiadores do cinema brasileiro, e todos enchem o bolso com o nosso dinheiro. Nessa brincadeira, como a bilheteria do filme já ultrapassouos R$ 50 milhões, a Fox deve ter embolsado mais ou menos R$ 10 milhões, sobre os quais deveria pagar R$ 2,5 milhões de impostos, mas generosamente destinará R$ 1,75 milhões ao cinema nacional... e começa tudo de novo.

10 junho 2009

Petrobras corta o patrocínio para a Jornada Baiana



A Petrobras cortou, nos seus gastos, o patrocínio à Jornada Internacional de Cinema da Bahia. Há muitos anos, patrocionadora do evento, neste, e sem nenhuma justificativa, cancelou os recursos que lhe eram destinados. Transcrevo aqui a indignação de dois cineastas: Noilton Nunes e Tuna Espinheira. Faço apenas uma ressalva ao primeiro quando diz que Guido Araújo foi colega de ginásio de José Sérgio Gabrielli. Este deve ser vinte anos mais jovem do que idealizador das jornadas baianas. E Tuna, que sempre desabafa dos mal feitos existentes em furdunços de extração cinematográfica, desabafa, desta vez, e aqui neste blog, sobre o corte injustificado.

Escreveu Noilton Nunes: "Entrando no blog criado pela Petrobrás, pergunto: e a política cultural como vai? Voces são uma das mais importantes plataformas de sustentabilidade das artes e da cultura no país. Mas, cometem ainda muitos erros operacionais por falta de visão mais apurada sobre as nossas riquezas artísticas e culturais. Senão vejamos: a Jornada Internacional de Cinema da Bahia, tradicionalmente evento convidado pela Petrobrás para receber apoio, foi cortada. Ganhou um não da Petrobrás justamente em 2009 Ano Nacional Euclides da Cunha, engenheiro, militar, poeta, escritor, jornalista, ecologista e pacifista que é o tema da 36a. Jornada. Cegueira total. Visibilidade zero. E o Presidente Sergio foi colega do Guido no ginásio em Salvador. Pode???

Resta agora, para que o estrago seja menor, que o Juca abra os olhos rápido. Que o Silvio estenda logo sua mão e confirme o apoio da Secretaria do Audiovisual. Que o Gustavo esclareça ao grande público o que representa para a nação, para o povo brasileiro a Jornada Baiana de Cinema, que esse ano acontecerá no atual point mais chique de Salvador, no cineminha do Ademar, Espaço Unibanco Cinema Glauber Rocha. Quem viver verá. Abraços Noilton"

Sob o título Falseta da Petrobras, escreveu Tuna Espinheira: "A maior empresa do “meu Brasil brasileiro”, nascida e edificada pela luta épica do “Petróleo é Nosso”, através da movimentação, então, flagrantemente “subversiva”, do povo brasileiro espalhado nos quatro cantos do nosso continente tropical.

A PETROBRÁS, orgulho e glória da nação. Sem perder de vista os tempos agônicos a que foram submetidos muitos que defenderam a utopia do acesso ao “ouro negro”, tão falado por Monteiro Lobato, este legitimo patriotismo que deu muita cadeia, tortura, até mortes, sob a chancela das forças retrogadas, obedientes ao imperialismo, daquela época, e que até hoje ecoam nos que insistem na privatização desta nossa estatal, símbolo da nossa economia.

Agora chega a notícia, já confirmada, dando conta que, esta mesma Petrobrás, excluiu a Jornada Internacional de Cinema da Bahia, o segundo mais antigo evento cinematográfico do país, cuja característica principal é o seu resistente trabalho com o filme cultural. Ao contrário da maioria dos Festivais de Cinema, a Jornada não é palco para desfiles de astros televisivos e reuniões de “doutores em anedotas e de champanhotas”, como bem define os versos da canção popular, certos acontecimentos ditos culturais muito festejados por certo segmento da mídia.

Por tradição de longa data o cinema brasileiro sempre foi ajudado por esta Empresa e reconhece a contribuição. O que espanta, em relação a Jornada, é falta de uma explicação devidamente eivada de razões para justificar a estranha recusa do apoio. A Jornada não merece este descabido destrato. Só podemos ver esta (des) medida como uma falseta contra a Jornada, um ato que fere, de forma cruel, por extensão, a cultura baiana já tão combalida. Orai Pro Nobis..."

Visitem o site da Jornada: http://www.jornadabahia.com/2009/pt/index.html

07 junho 2009

Relembrando o grande Michelangelo Antonioni


Geômetra cartesiano dos sentimentos humanos, Michelangelo Antonioni é um realizador que, com seus filmes, principalmente a trilogia A aventura, A noite, e O eclipse, renovou a linguagem cinematográfica, e introduziu, nela, o domínio da antinarrativa, o silêncio como elemento de produção de sentidos, os tempos mortos como estabelecimentos rítmicos da mise-en-scène. O cinema moderno tem em Michelangelo Antonioni o seu grande impulsionador, principalmente porque instaurou a desdramatização. Se o cinema americano pasteurizou, por assim dizer, a linguagem do filme, privilegiando, na narrativa, somente os tempos fortes, Antonioni introduziu, como peça de estilo, mas, também, de significação, os tempos mortos, quando as expectativas do espectador são frustradas, porque sempre espera que, dada uma determinada situação, aconteça alguma coisa no processo narrativo. Mas o grande realizador, que saiu da cena da vida com idade provecta, 94 anos, deixou uma fortuna crítica considerável e sua influência foi imensa, bastando dizer que todo o Wim Wenders dos anos 70 é puro Antonioni, além das influências exercidas em cineastas de diversos países, a exemplo, no Brasil, de Walter Hugo Khoury, autor do definitivo Noite vazia (1964). Antonioni soube, como poucos, captar o mal-estar do mundo, e se revelou um tratadista da incomunicabilidade entre os homens.
Egresso do neo-realismo italiano, na década de 50, assim como Fellini, abandonou a tônica social do movimento para focalizar a angústia do homem do pós guerra, principalmente daquele pertencente à sociedade burguesa italiana. Há, portanto, em Michelangelo Antonioni, uma importância dupla para o cinema, a do ponto de vista do elo sintático (da linguagem), e aquela do elo semântico (do tema). Inovou na sintaxe e inovou, também, na maneira de fazer emergir seus temas recorrentes: a análise perfuratriz da incomunicabilidade na burguesia italiana, o silêncio que se estabelece nas relações humanas, o vazio, e a ausência de perspectivas.
Nasceu em Ferrara (Itália), em 1912. Adolescente, viveu em Bolonha, onde começou seus estudos de economia e letras, que depois seriam substituídos pela arquitetura. Nesta época, já se inicia na crítica cinematográfica, escrevendo alguns ensaios sobre a arte do filme para o jornal IL Corrière Padano. Aficionado pelo tênis, competiu em vários torneios dessa categoria, e, na juventude, ganhou muitos troféus, que, até morrer, guardava-os com especial apreço. O desabrochar do futuro realizador, porém, precisaria esperar a sua transferência para a capital da Itália, Roma, que se deu quando tinha 27 anos, em 1939. Nesta cidade, centro cultural, ainda que sob regime fascista e às vésperas da eclosão da Segunda Guerra Mundial, fez parte da entourage da revista Cinema, publicação oficial que congregava os nomes do futuro neo-realismo: Luchino Visconti, Giuseppe De Sanctis, Vittorio De Sica, Pietro Germi, entre outros. Passou por um período de dificuldades financeiras, mas conseguiu se matricular no Centro Sperimentale di Cinematografia, abrindo-se, então, a oportunidade de escrever vários roteiros e, entre eles, uma colaboração com aquele que viria a detonar o neo-realismo italiano com Roma, cidade aberta: Roberto Rossellini. O jovem Michelangelo se estabelece com maior desenvoltura no meio cinematográfico, colaborando com traduções e críticas para Itália Libera, Film d’Oggi e Film Revista. Trabalhou, nesta ocasião, como assistente de um ícone do cinema clássico francês: Marcel Carné e, por isso, foi enviado à França como representante de Os visitantes da noite (Les visiteurs du soir), deste diretor.
Na volta, vê-se considerado a experimentar a realização de alguns documentários, sendo que, o primeiro deles, Gente Del Pó, tem suas locações nos mesmos lugares aos quais voltaria quando fez, muitos anos mais tarde, O grito. Logo no seu primeiro longa metragem, Cronaca di um amore (1950), já se pode encontrar os temas que seriam característicos deste que é um dos mais importantes e pessoais realizadores do cinema moderno, as suas constantes temáticas, como a do vazio que se estabelece na relação humana. Dois anos depois, 1952, um filme em três episódios, um na Inglaterra, um na França, e um na Itália, abordando, nestes países, o problema da juventude que privilegia o crime como forma de sobrevivência: Os vencidos/I vinti. A seguir, La signora senza camelie, em que se preocupa de novo por estudar um personagem feminino, outra das características de seu cinema.
Autor de filmes, nunca um mero estilística, ou um artesão, Michelangelo Antonioni já revela sua marca e seu estilo inconfundível nos filmes que se seguem: As amigas (Le amiche, 1955), O grito (Il grido, 1957). Mas é com A aventura (L’aventura, 1959), filme que dá início à sua famosa trilogia da incomunicabilidade, que se consagra, definitivamente, entre a crítica internacional, constituindo-se uma síntese de sua obra anterior e uma espécie de prelúdio dos outros filmes que viriam a seguir, como A noite (1960) e O eclipse (L’eclisse, 1961). A idéia de ficção que, mediante um processo de descascamento narrativo, vai desaguar na água documental, foi uma das grandes constantes do cinema de Antonioni. As imagens finais de O eclipse, por exemplo, já eram documentário. José Lino Grünewald, inclusive, constatou que Antonioni terminava por onde Alain Resnais começava. Ele se referia, sem dúvida, ao processo de descascamento narrativo que, uma vez concluído, só poderia dar lugar ao espetáculo puro – ou seja, O ano passado em Marienbad.

A primeira experiência de Antonioni em cores se deu em O dilema de uma vida (Il deserto rosso, 1964), a retomar, aqui, o tema da incomunicabilidade, que se estabelece dentro de uma mise-en-scène na qual a cor exerce função dramática e de produção de sentidos. A pesquisa da cor no tecido dramático seria exacerbada no filme que fez, em seguida, na Inglaterra: Blow up, que no Brasil tomou o título de Depois daquele beijo. Antonioni exigiu que alguns quarteirões de Londres fossem todos pintados com cores berrantes. Blow up traumatizou duramente os devotos (que não se chame aqui de cinéfilos) do bom cinema nos anos 60. Um filme que expressa o niilismo da juventude de sua época através do personagem de David Hemmings, fotógrafo da moda e de moda, que, bem nutrido, com vida confortável, sente, porém, profundo vazio em sua existência até que, fotografando, por acaso, um casal que se beija num parque, descobre, com a ampliação das fotografias, um crime. Antonioni deixa, porém, a resposta vaga, e a significação que pode de tudo advir é aquela da seqüência final, quando pessoas jogam tênis sem a bola. A influência de Janela indiscreta (Rear window), de Alfred Hitchcock, é evidente, mas, aqui, relida em outro ângulo e em outro prisma.

Não se pode falar em Michelangelo Antonioni sem ressaltar a sequência derradeira de O passageiro: profissão repórter (The passenger, 1975) e do seu emblemático plano-sequência no qual a câmera sai do quarto onde está deitado Jack Nicholson, atravessa a janela, circula pelo pátio e volta ao quarto. Quando ela, a câmera, está fora, é que se ouve um tiro com o qual é morto o personagem. Até hoje não se sabe como Antonioni conseguiu realizar este plano, tal o seu virtuosismo, tal a sua habilidade. E em O mistério de Oberwald, como numa premonição, antecipa a estética do vídeo.

Num ensaio escrito para a extinta revista Filme/Cultura (setembro de 1967, número 6), o crítico Jaime Rodrigues, discípulo de Moniz Vianna, estabeleceu com rara felicidade as características do cinema de Michelangelo Antonioni. Um estilo que se define mais por determinadas linhas de ação que por variações em torno de um mesmo tema. Cineasta amargo, mas que procura reencontrar uma linguagem comum aos seres humanos. Em seus filmes, patente, a integração do indivíduo e ambiente: os objetos, as coisas – o mundo industrializado, enfim, fazendo parte do millieu humano. Antonioni constata a caducidade dos valores do nosso tempo numa pesquisa intensa para chegar a novas formas de compreensão. Rodrigues vê nos filmes de Antonioni o último eco do expressionismo pelas construções, com os objetos dominando o ambiente. E, neste particular, vale lembrar que, sendo Antonioni um arquiteto, seus enquadramentos são estudados, perfeitos, primorosos, E, no frigir dos ovos, é o neo-realismo passado a limpo: as implicações dos desajustes sociais sobre a estrutura psicológica do homem. E a certeza de que os problemas da consciência são, sobretudo, problemas de reflexão diante do mundo.