Mais um que se vai: Karl Malden (1912/2009)
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02 julho 2009
01 julho 2009
Telha sobre telha

O texto que vai abaixo é de autoria de um connaisseur da arte do filme, o meu amigo Ronaldo Barreto Leite Filho. Bom divertimento!
"Assistir a um filme contemporâneo é muito mais do que apreciar uma obra cinematográfica específica. Como acontece em praticamente toda arte, uma obra carrega muito do que foi feito antes, dentro da mesma forma de expressão. Pelo menos assim diria Mikhail Bakhtin, o pensador russo do Dialogismo, segundo o qual uma obra – se referindo principalmente à literatura – sempre dialoga com outras; as diversas obras interagem, havendo sempre mais de uma voz (polifonia) num texto, a despeito das intenções do autor ou mesmo de operações mais explícitas de dialogismo, como a paródia ou a paráfrase. O fato é que no cinema isso também acontece com frequência, não obstante o fenômeno seja muito mais claro em certas obras, mais sofisticadas, do que outras.
Este preâmbulo serviu pra falar justamente de como o espectador pode se surpreender – e se divertir – vendo certos filmes depois de ter visto certos outros filmes. Outro dia este escrevinhador reviu Sangue Negro (There Will Be Blood, 2007), obra maiúscula do – já muito mais do que um jovem promissor – cineasta contemporâneo Paul Thomas Anderson. Autor de Magnólia (1999) e Embriagado de Amor (Punch-Drunk Love, 2002), o norte-americano realizou um filme vigoroso, destacável que seria em qualquer época da história do cinema. O caso é que revendo este filme, que já considerava grande, percebi que o era não só pelo talento e criatividade do autor, já mostrada em filmes anteriores, mas também por andar de mãos dadas com os grandes do passado. Qual não foi a boa surpresa que tive ao sentir nele eflúvios de Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), de Orson Welles? Sim, aquele mesmo tal filme que aparece invariavelmente nas listas pelo mundo como o maior filme de todos os tempos. A começar pela moral do filme, cuja história mostra o lado humano e o lado negro de homens capitalistas e ambiciosos. O Plainview de Daniel Day-Lewis (em atuação inexcedível) se aproxima bastante do Kane de Welles (diretor-protagonista): ambos, após um passado sofrido, se tornam máquinas que vão atrás de um objetivo sem que nada lhes faça parar, nem o bom senso nem os entes queridos. Parecem sempre estar tentando provar algo e alternam entre atos de bondade e ternura com atos de pura mesquinharia e ganância, mostrando-se no fim das contas serem verdadeiros solitários: de self-made men a lonely men. Personagens confusos e controversos, que no caso de Kane, a narrativa em puzzle, por meio de flashbacks, só explicita este caráter nebuloso. Após o fim de ambos os filmes achamos os protagonistas ao mesmo tempo tão familiares e tão distantes. Isso, sem contar aspectos não semelhantes, porém análogos, como fotografias e trilhas sonoras expressivas, grandes atuações e ritmos (timing) perfeitos, sem um segundo a sobrar ou faltar.
E qual seria a cara de Cidadão Kane se não houvesse acontecido antes o Expressionismo Alemão, com seus cenários distorcidos e sua fotografia em fortes contrastes de claro e escuro? Estilo de fotografia este que, embora pouco usado hoje em dia, foi característica forte do cinema americano dos anos 40, principalmente nos filmes noir, aqueles filmes de trama policial, femme fatale, clima de decadência e cinismo, e mistério a ser solucionado ao final.
Então, rever Sangue Negro e reencontrar Kane me levou a associações aparentemente desencadeadas, mas não fora desse espírito. Quem, mesmo sem conhecer bem o filme, nunca escutou a trilha sonora de Tubarão (Jaws, 1975) do Midas Steven Spielberg? O autor desta trilha, Mr. John Super-Indiana-ET-Nas_estrelas Williams, que tinha o inigualável Bernard Herrmann como referência, inspirou-se no conceito da igualmente famosa trilha sonora de Psicose (Psycho, 1960), de Alfred Hitchcock, para dar aquele clima de tensão e violência iminente no filme – em que o tubarão propriamente dito demora bastante a aparecer e, no fim das contas, mata poucas pessoas. Falando no mestre gordo inglês, no mesmo Tubarão, Spielberg teve como referência outra grande obra hitchcockiana, Os Pássaros (The Birds, 1963). Hitchcock praticamente inaugurou o filme-catástrofe com Os Pássaros, mas sem cair no ridículo da maioria que foi feita posteriormente: filme em que a natureza se volta inexplicavelmente contra o homem, que pouco pode fazer além de tentar sobreviver. Assim também é Tubarão, em que um exemplar da espécie se torna misteriosamente sádico e sanguinário. Nenhum dos dois filmes se preocupa em dar explicações pseudo-científicas para o fenômeno – Hitchcock faz é piada com isso na cena do café, com a velha ornitóloga – e ambos são aulas de suspense, de como saber elevar a tensão ao ápice, alternando com momentos de relaxamento e até humor.
Alfred Hitchcock, por sinal, foi um dos cineastas mais influentes da história do cinema. Assim como Orson Welles – e cada um ao seu modo – soube assimilar o que de mais importante já havia sido feito até sua época, construiu um estilo próprio e rico, marcando para sempre o cinema, e influenciando cineastas mesmo os que não pensam conscientemente no autor de Janela Indiscreta. Aliás, a consciência do autor de ter como referência algo do passado talvez seja o que menos importa, pois quem se expressa é a obra, ela que dialoga com outra, e as influências estão no ar, na época, no conhecimento de mundo, no estudo, na vivência e na bagagem cultural do artista, é algo muito mais difuso e espontâneo do que o caso mais óbvio de uma referência como a que faz Brian De Palma em Os Intocáveis (Untouchables, 1987), na cena da estação de trem, que parafraseia a antológica seqüência das escadarias de Odessa, de O Encouraçado Potenkim (Bronenosets Potyokim, 1927), do pioneiro da montagem Sergei Eisentein. Este, outro cineasta de influência crucial para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica, que marcou profundamente, por exemplo, a obra de Alfred Hitchcock. Realmente muito pequeno este mundo... E já que citei De Palma, este é o cineasta ainda na ativa de maior e mais assumida influência de Hitchcock, notadamente em filmes como Dublê de Corpo (Body Double, 1984), Vestida para Matar (Dressed to Kill, 1980) e Um tiro na noite (Blow Out, 1981) – o primeiro, uma espécie de mistura entre Um Corpo que cai (Vertigo, 1958) e Janela Indiscreta (Rear Window, 1955), e o segundo, uma referência clara a Psicose.
E o que teria sido do cinema senão uma mera forma de fotografar o movimento ou no máximo uma diversão circense não fosse por D.W. Griffith, que mostrou de uma vez por todas que o cinema se prestava à narratividade? Ele que encaixou no filme o hoje óbvios início-desenvolvimento-clímax e a narrativa paralela? Forma de narrar clássica, linear, essencialmente americana, que figuras como John Ford e William Wyler levaram à quintessência, algum tempo depois, há que se lembrar.
Assim foi. A partir da descoberta da narrativa o cinema foi aprendendo gradativamente coisas novas, aprendeu muito mais do que narrar. Imbricar é o verbo. Assim é construída a estética do cinema, como um telhado."
Clique na imagem para vê-la maior e mais bela.
28 junho 2009
Quando James Stewart veio ao Rio de Janeiro
O fato é que Janela Indiscreta, Um Corpo que Cai (considerado pela Cahiers du Cinema um dos mais belos filmes de todos os tempos), O Terceiro Tiro, O Homem que Sabia Demais e Festim Diabólico, obras imprescindíveis de Hitch, relançadas em cópias novas, duas décadas depois, estavam livres, afinal, para serem reavaliadas e vistas pela primeira vez por toda uma geração de cinéfilos.
Para prestigiar o lançamento do pacote, James Stewart esteve no Rio de Janeiro reunido com jornalistas das principais capitais do Brasil. O gerente regional da CIC, em Salvador, resolveu me convidar como o crítico representante da Bahia - tinha, para quem não sabe, uma coluna diária e enorme na Tribuna da Bahia.
Fiquei entusiasmadíssimo, alvoroçado, pela oportunidade que teria de passar, um dia inteiro, com um veterano e mitológico intérprete, uma legenda do cinema americano. A empresa me reservou uma passagem de ida e volta - SSA-Rio-SSA, hotel de cinco estrelas - o mesmo onde ficaria hospedado o homem que matou o facínora, e a promessa de reembolso imediato nos gastos de locomoção e alimentação.
Lembro-me bem do dia: 21 de outubro de 1984. Estava chovendo. Vento leste. Medo de voar naquelas condições que se foi vencendo com várias tulipas de chope no barzinho do aeroporto. Para um amante do cinema, um presente de Zeus. Apertando o cinto, feita a aterrissagem, cheguei ao Galeão, descortinando, antes de pousar, a bela paisagem da Cidade Maravilhosa.
O Rio de Janeiro é de uma beleza indescritível. Mas a chuva continuava. Pensava em James Stewart, relembrava seus filmes enquanto sorvia mais algumas tulipas desta vez no bar do aeroporto do Rio. Telefonei para a CIC e me mandaram pegar um táxi, pois a reserva já se encontrava feita. Num hotel luxuoso em Copacabana - diria mesmo: seis estrelas. Quem sou eu, pobre comentarista de cinema, para gozar de tais mordomias! Gozei-as, entretanto. E como!
Cheguei num domingo. Dia livre, segundo a assessora de imprensa da CIC. Aproveitei para ver, no cinema Veneza, Janela Indiscreta (Rear Window). A sala estava lotada e, antes de entrar, fiquei observando as pessoas que saiam circunspectas, caladas ou comentando. Via pelas suas fisionomias que tinham acabado de assistir a um grande filme.
Já na sala escura, as imagens de Janela Indiscreta me provocaram forte emoção - já o tinha visto nos anos 60 antes de sua retirada de circulação. Apesar de uma matinée num domingo, havia silêncio na sala, respeito pelo que se estava a ver. Há vinte e cinco anos passados. A patuléia, porque ainda não nascida, ainda não comandava o espetáculo!
Saindo do cinema, fui andando até o hotel no posto seis de Copacabana. Uma caminhada e tanto. Ia pensando no encontro da segunda, o Dia D, cujas atividades se estenderiam pelo dia todo: de manhã, de tarde e de noite. Atravessei o comprido túnel, e, adentrando a Av. Atlântida, a pé, andei pelas suas calçadas cheias de bares com aquele chopinho único e especial que só se encontra no Rio de Janeiro (na Bahia não há chopp que preste, porque, na maioria das vezes, as pessoas não possuem o savoir-faire para tirá-lo). Há uma cultura do chopp entre os cariocas inexistente, por exemplo, em Salvador. Difícil - ou impossível - se encontrar, aqui, um chopp que possa ser bebido com tanto prazer como em relação ao carioca.
Assim, não resisti, cervejeiro que sou - e que, naquele tempo, jovem e disposto, era mais ainda, e sentei-me, lembro-me bem, no Cabral 1500. Impossível se ficar em apenas um chopinho. Este desce com uma leveza impressionante e, por isso, as tulipas se multiplicaram. Quando me levantei, a noite, ainda uma criança, dava sinais de que precisava parar e ir para o hotel descansar para o grande dia.
Acordei com o dia e por causa de um telefonema da assessora, Hannah de não-sei-o quê. Ela me disse que ficasse esperando uma caminhonete no saguão do hotel. Para ir ao centro da cidade à cabine da Paramount. Quando desci, encontrei um monte de gente também esperando: os críticos de outros estados que, a julgar pelos seus gestos e palavras, estavam eufóricos. Um, de Manaus, estava com vários colares e cocares indígenas para presentear James Stewart.
Chegando à cabine, uma sala de projeção com poltronas de veludo, James Stewart estava lá ao lado da assessora de imprensa que nos apresentou, um a um, explicando a ele o que as pessoas faziam e de onde vinham. Entramos na cabine onde ia ser exibido Um Corpo que Cai (Vertigo). O filme se iniciou com a fabulosa perseguição pelos telhados e, em seguida, a apresentação dos créditos feita por Saul Bass, uma novidade.
De repente, minha atenção se perturbou, pois James Stewart se sentou, por acaso, a meu lado. Enquanto o via na tela, sentia a sua presença. Não assistiu ao filme até o fim, retirando-se no primeiro terço e, na hora de sair, bateu em meu ombro e disse: "I see you later" ("Eu vejo você mais tarde").
Referia-se à grande entrevista coletiva que ia acontecer no salão do hotel no horário vespertino. A tarde chegou cedo, e o meu tempo, o psicológico, por fugaz, fez com que, mal terminada a projeção, já estivesse a postos no grande salão onde se realizaria a entrevista. Os lugares, todos marcados com os nomes dos jornalistas e, em cada cadeira, uma pasta contendo dados sobre os filmes e sobre Stewart, além de muitas fotografias.
Lembro-me de Ruy Castro, que, naquele tempo, era free lance da Folha de S. Paulo. Cada jornalista tinha de esperar a sua vez. Quando chegou a minha, perguntei a Stewart qual o seu filme preferido de Hitch. Olhando-me com aqueles dois olhos azuis resplandecentes, respondeu-me que Janela Indiscreta, fazendo longas considerações pelo motivo de sua preferência.
À noite, um jantar no hotel. Conversei um pouco com Stewart, que, nessa ocasião, me apresentou à sua esposa, Gloria, de longa data. Fiquei de olho em Stewart e nas bandejas circulantes dos garçons, que continham um delicioso scotch. Depois da quarta dose, aproximei-me dele, que estava em pé, disponível, ao lado da intérprete.
Foi então que conversamos mais. Ele me falou de sua infância difícil, da conquista, nos anos 40 (por A Mulher Faz o Homem/Mr.Smith goes to Washington, 1939, de Frank Capra) do Oscar de melhor ator, que o enviou ao pai, dono de uma loja comercial, que colocou a estatueta na vitrine. Falou-me de Hitch, de Capra, de John Ford (tinha medo de trabalhar com Ford e só entrou no cast de O Homem que Matou o Facínora por insistência de John Wayne, mas Ford gostou dele, e o convidou para mais filmes).
Dentro do avião de volta, peguei a Folha de S.Paulo para ler. Fui direto à Ilustrada, que estampava: "O melhor filme de Hitch para Jimmy é Janela Indiscreta". Minha pergunta fora roubada, pensei com meus aflitos botões. Mas já era tarde demais.
Naquela época não havia internet e a matéria que fiz para o jornal, que tomou toda a capa do segundo caderno, foi batida à máquina, quando já de volta ao lar.
27 junho 2009
Da bela Sophia Loren
Na minha adolescência, entre as musas Brigitte Bardot e Marilyn Monroe, existiam várias atrizes encantadoras, divas, como gostava de chamá-las o escritor Octávio de Faria (Uma tragédia burguesa, livro importante e pouco citado da literatura brasileira). E uma delas era Sophia Loren, esplendorosa, magnífica, deslumbrante. Vim a verificar que em setembro próximo a bela Sophia completa 75 primaveras. Acompanhei passo a passo a carreira dela, excetuando-se os filmes da primeira metade dos anos 50, que os vi depois, a exemplo de Ouro de Nápoles (L'oro di Napoli, de Vittorio De Sica), A mulher do rio (La donne di fiume, de Mario Soldati), ambos de 1954, Pão, amor e fantasia (Pane, amore e...de Dino Risi, 1955), entre outras deliciosas comédias à la italiana.25 junho 2009
Do Filme-Carroça e do Filme-Trem
François Truffaut divide os filmes em duas categorias: os filmes de personagens e os filmes de situações. E diz que a grande diferença entre os filmes europeus e os filmes de Hollywood (da boa Hollywood, digo eu, não esta do lixo cultural que aí está) é que os filmes realizados na Europa são, em primeiro lugar, filmes de personagens, ao passo que as produções americanas são filmes de situações.Copio um trecho de seu livro Os filmes de minha vida, editado aqui no Brasil pela Nova Fronteira lá pelos idos dos 90: "Na França, respeitamos muito a verossimilhança, a psicologia, que os americanos apenas roçam, preferindo tratar a situação com vigor, sem desviar-se do ponto de partida. Como, afinal de contas, um filme não passa de uma fita de celulóide de dois mil metros desfilando diante de nossos olhos, é permitido compará-lo a um percurso. Diria então que o filme francês avança como uma carroça ao longo de um caminho tortuoso enquanto o filme americano rola como um trem sobre trilhos." Filme-carroça e filme-trem, portanto.
A julgar pela velocidade estúpida dos filmes contemporâneos, nos quais as tomadas são cada vez mais curtas, os filmes atuais são filmes-trem-bala. O cinema da indústria cultural está inassistível. Reinam, absolutos, os filmes-lixo.
Comprei, há alguns anos, o DVD de Gigi, mas qual não foi minha surpresa ao constatar que se encontrava no abominável formato full screen (tela cheia), quando o original é em cinemascope. Irritado, não cheguei a vê-lo, tirei-o do aparelho e, com um martelo, dei-o ao lixo, não sem antes estilhaçá-lo em mil pedacinhos. A Coleção Folha anuncia o lançamento de Gigi, mas é preciso saber se o formato está em cinemascope, porque caso contrário não valeria a pena adquiri-lo, apesar da beleza desse canto de cisne do filmusical clássico americano.
A Coleção da Veja é muito boa, os filmes são excelentes, embora alguns descartáveis, mas tem um inconveniente: o envelope que guarda o disquinho é meio apertado e estraga o conteúdo, como bem me alertou o cinéfilo e publicitário Jonga Olivieri, que teve o seu Quanto mais quente melhor danificado.
E Gigi, afinal de contas, seria um filme-carroça ou um filme-trem?
24 junho 2009
"Todas as mulheres do mundo", de Domingos Oliveira

21 junho 2009
"Teorema", de Pier Paolo Pasolini
Cartaz japonês (ou será que é chinês) de Teorema, de Pier Paolo Pasolini, que mostra a esplendorosa diva do cinema italiano Silvana Mangano. Este filme, quando lançado na segunda metade da década de 60, provou frisson, a despertar, aqui e ali, polêmicas. A família burguesa de um industrial (Massimo Girotti) recebe o comunicado da chegada de um anjo (Terence Stamp). Estabelecido este no seio familiar, tem início, então, a um processo de desintegração. O anjo tem relações carnais com todos os elementos da casa, inclusive com a empregada (Laura Betti). A estrutura narrativa obedece ao arquétipo do elemento deflagrador, quando um personagem desconhecido chega a determinado lugar e provoca transformações, a causar uma espécie de desintegração de certos preceitos estabelecidos. Vê-se isso, e para ficar em poucos exemplos, em filmes dos mais variados gêneros e dos mais diferentes autores. Em Os brutos também amam (Shane, 1953), de George Stevens, clássico do western, o pistoleiro interpretado por Alan Ladd surge, de repente, e sua presença vem como um justiciamento para uma terra sem lei. William Holden em Férias de amor (Picnic, 1956) também abala preconceitos arraigados com a sua chegada e a sua presença viril. Geralmente esses personagens chegam e vão embora a deixar, com suas presenças, uma marca para nunca mais ser esquecida. Vê-se também o elemento deflagrador, como mola propulsora do processo de esfacelamento, em filmes baianos, como é o caso de O anjo negro (1973), de José Umberto, quando um negro (Mário Gusmão), tal qual o anjo pasoliniano, chega não se sabe de onde e provoca uma aguda crise de identidade numa família colonial e barroca.20 junho 2009
Morre Perry Salles
Morreu, há dias atrás, o ator e diretor Perry Salles, 70 anos, de câncer, cujo corpo foi cremado no cemitério do Cajú, Rio de Janeiro, mas, antes de seu último suspiro, pediu que suas cinzas fossem jogadas no mar bravio de Trancoso (localidade perto de Porto Seguro, Bahia). Salles, nos anos 90, arrendou o Teatro Gamboa em Salvador e veio morar na Bahia, indo sempre passar longas temporadas em Trancoso. Pessoa anárquica (no bom sentido), demolidor, de visão irônica exemplar, era uma figura sui generis. Uma vez, estando o cineasta José Umberto a fazer um documentário para televisão em Monte Santo, Salles apareceu por lá a espantar as beatas e a dizer que Deus tinha morrido e substituído pela ciência. Monte Santo, como se sabe, é a cidade que serviu para algumas locações de Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha - sequência da subida da colina por Geraldo D'El Rey com uma pesadíssima pedra na cabeça, a matança dos beatos por Antonio das Mortes, etc.18 junho 2009
Tuna Espinheira à guisa de esclarecimento

Acabo de receber um comunicado participando a negativa do Fundo de Cultura, ao projeto Produção do DVD do Filme Longa Metragem Cascalho, de Tuna Espinheira. O que causa estranheza é a ausência de explicações do nível baixo de cada votante desta Comissão. Ora, formada por pessoas de alto nível de conhecimento dos assuntos ligados ao cinema, como seria de esperar, seus membros não teriam nenhuma dificuldade em apontar as razões para a não aprovação, sobretudo em caráter de “pré-seleção”, como está dito no comunicado. Temos convicção de que apresentamos um projeto honesto, bem fundamentado, bem justificado com vistas a festejada inovação de aceitamento intitulado “Natureza Espontânea”.
Um filme genuinamente baiano, longa metragem produzido com a agônica circunstancia do baixo orçamento, ser vetado ao legítimo direito de poder ser distribuído/difundido através da comercialização democrática dos DVDs, é algo cruel, fere a combalida cultura, como um todo, da cinematografia baiana.
Atenciosamente,
Tuna Espinheira
"A missiva acima, dirigida ao Fundo de Cultura, foi elaborada no calor da hora, pelo sim e pelo não, não desdigo nada, não movo uma vírgula do lugar. Mas, hoje, um dia depois, resolvi clarear os porquês das minhas dúvidas levantadas (postas na referida missiva) quanto ao julgamento sumário, uma espécie de guerra sem quartel, do meu projeto. Para evitar suspense, também vou sentenciar ( à moda do Fundo...) sumariamente: Meu nome é que foi julgado, não o meu projeto.
O “causo” eu conto, como o “causo” foi. Algum tempo atrás, na labuta agônica do lançamento do meu filme, genuinamente baiano, CASCALHO, o gerente do Complexo UNIBANCO-GLAUBER ROCHA, fazendo ouvido de mercador às tentativas dos produtores para uma negociação para que o filme tivesse sua hora e sua vêz no sagrado espaço que leva o nome do cineasta maior do Brasil. A resposta obtida foi o veto silencioso, com cheiro de desprezo.
Este relato espantoso, que poderia ser cordelizado se assemelha aquela máxima do Governador Mangabeira: “Pense no maior o absurdo... Pois na bahia já aconteceu”. A bajulice congênita dos mais realistas do que o Rei, levou meu nome, já na categoria de morfético, Pela incúria, engano, e má fé) a julgamento, o projeto ficou de fora. A morte anunciada do projeto só não do meu conhecimento. “Triste Bahia”.
Em tempo: Para não dizer que não falei de flores, o nome do “coronelete” (gênese deste furdunço) é Claudio Marques, nenhum parentesco com o genial autor de O Capital, muito menos com os irmãos Marx"
16 junho 2009
Imagens históricas

A foto superior mostra Marlon Brando a fumar - num tempo em que não havia, ainda, a psicose antitabagista, decorrente de uma obsessão politicamente correta que está a ameaçar a liberdade do homem, e, na de baixo, Rock Hudson, Cary Grant, Brando e Gregory Peck. Atores que fizeram o imaginário de uma geração de cinéfilos que frequentou as salas exibidoras nos anos 50 e 60. Quando jovem, via em Rock Hudson a imagem perfeita do homem viril - e, vejam só, queria ser como ele. Qual não foi a minha surpresa ao vim a saber, décadas depois, que era uma bicha (com todo o respeito por elas) das mais escandalosas. Realizava verdadeiras orgias em sua casa, fantasiado de grego, e, nas horas vagas, seu hobby preferido era fazer tricô para dar de presente aos namorados (o que está dito consta de sua biografia publicada em torno de 1985). Quando esteve no Rio, Assis Chateaubriand, persuadido pela Universal, montou uma farsa para aparecer em O Cruzeiro, com Rock a ser flagrado numa praia deserta com uma mulher belíssima, porque, naquela época, seus fãs não poderiam saber de sua condição de homossexual. Nada contra. Apenas constato fatos. 14 junho 2009
"Viva o palhaço!", de Michael Kidd
Há filmes que, vistos uma vez, desaparecem de circulação para não mais voltar, restando, apenas, nos arcanos da memória. Um deles Viva o palhaço! (Merry Andrew, 1958), dirigido pelo grande coreográfo Michael Kidd (Hello Dolly!, 7 noivas para 7 irmãos...), que vi em tenra idade, mas nunca mais me esqueci. Nunca passou na televisão (nem dublado) e não há cópias em VHS ou DVD. Há números musicais extraordinariamente coreogrados e uma história singela sobre um professor-escola (Danny Kaye) que, em viagem arqueológica, descobre a alegria do amor e da vida circense com uma acrobata (Pier Angeli) pela qual se apaixona. Trata-se de uma deliciosa comédia musical produzida por Sol C. Siegel. Mas, quem se lembra ainda de Danny Kaye (1913/1987)? Recebeu dois Globos de Ouro e um Oscar honorário em 1955 da Academia de Artes e Ciências de Hollywood. Participou de alguns filmes que foram sucessos em sua época, como este, Merry Andrew, A lágrima que faltou, O Inspetor Geral, O homem do Dinner's Club (The Man from the Diners' Club, 1963), de Frank Tashlin, Escândalo na Riviera, entre outros.Basta chover no molhado e/ou Assinar nosso fracasso

VALÉRIO BEMFICA
Vendo o título acima, talvez o leitor ache que estejamos sendo pessimistas. Recentemente uma película, rodada no Brasil, com elenco e diretor brasileiros, rompeu a marca dos seis milhões de espectadores. Pode parecer uma notícia alvissareira, mas não é. É apenas uma exceção, com muitas particularidades, em um cenário trágico. E note-se bem que não dissemos "um filme brasileiro": trata-se, na verdade, daquilo que os modernosos costumam chamar de "produto" ou "conteúdo audiovisual", não um filme. Uma associação escancarada entre os integrantes do cartel da indústria cultural, destinada a fechar um pouco mais o espaço para uma cinematografia nacional, autônoma e criativa. Nosso objetivo não é aqui fazer uma crítica estética ao filme, mas descrever o ponto em que está o cinema brasileiro, prestes a receber o golpe de misericórdia. No final o leitor compreenderá não apenas o título, mas também como o último produto global colabora para o processo de aniquilamento de nosso cinema. Vamos aos atos.
PRIMEIRO ATO - A Redução da Cota de Tela(Ou: a parte que nos cabe no latifúndio)Em qualquer país do mundo são comuns medidas de estímulo à produção local -em todos os setores da economia. E elas são particularmente necessárias em setores estratégicos e nas áreas onde o poder econômico dos concorrentes estrangeiros é muito forte. O cinema se enquadra nos dois casos. É estratégico - como todo o campo cultural - por tratar com o imaginário das pessoas, por ajudar a configurar a identidade nacional. E o poderio econômico da indústria cultural estadunidense é gigantesco. Por conseguinte,inúmeros países adotam medidas para garantir a existência de uma cinematografia nacional. A principal delas é a chamada cota de tela, ou seja, a reserva de um número determinado de dias para a exibição da produção local.No Brasil esse mecanismo começou a ser adotado da década de 30 do século passado. Obviamente surtiu efeito e o cinema brasileiro começou a se desenvolver, revelar novos talentos, ganhar espaço no gosto popular. Nos anos 50 a cota chegou a 42 dias de exibição anual. Na década de 60 alcançou os 112 dias por ano e, no auge da atuação da Embrafilme, na década de 70, atingiu a marca de 140 dias/ano. Se alguém achar exagerado, é nesse patamar(aproximadamente 40% do espaço de exibição) que estão, hoje em dia, países como a França. Mas no Brasil a história foi diferente. A política de arrasa quarteirão de Collor fechou a Embrafilme e deixou à míngua os realizadores do país, que não mais contavam com uma estrutura de distribuição que lhes permitisse concorrer com o produto estrangeiro. Ainda assim, chegamos ao final do século passado com uma cota de tela de 49 dias, ou 13,5% do espaço para exibição de filmes. Era pouco, mas a produção brasileira também estava pequena (28 filmes em 1999). E também seria vã esperança achar que nos anos de ouro do neo-liberalismo o cinema nacional fosse ganhar alguma proteção. O século XXI inicia com a redução da cota para 28 dias, número que permaneceu inalterado até o final do mandato de FH. A chegada de Lula ao poder coincide com a maior bilheteria do cinema nacional nos últimos 15 anos: em 2003 foram 21,5 milhões de espectadores, para uma cota de tela de 35 dias e 29 filmes lançados. Seria de se esperarque a partir de então o governo popular, escolhido para enterrar o entreguismo vigente, tratasse de ampliar o espaço para o nosso cinema,aumentando o tempo de exibição obrigatório e enfrentando os mecanismos dedominação do mercado impostos pelo cartel estrangeiro. Mas, infelizmente, a direção dos órgãos de cultura do país - Ministério da Cultura e Agência Nacional do Cinema em particular - foram entregues a cidadãos que tem mais identidade com a indústria cultural do que com a nação. O monopólio da exibição-distribuição foi tratado como aliado preferencial. Os incentivos àprodução - que em sete anos triplicaram o volume de filmes lançados -revelaram-se uma mera estratégia para acalmar a classe. E a cota de tela, depois de algumas variações, voltou ao patamar da época tucana: 28 dias. Só que, se antes eram produzidos menos de 30 filmes por ano no Brasil, atualmente são produzidos mais de 80. Após seis anos de postura agachada do Minc e da Ancine perante as majors do "entertainment" continuamos confinadosa 10% de nosso próprio mercado.
SEGUNDO ATO: O Artigo Terceiro (Ou: Entregando o ouro ao bandido)
Se a direção dos órgãos de cultura no Brasil permaneceu com a cabeça (e, às vezes chegamos a imaginar, com os bolsos) na época do neoliberalismo e se os apetites dos oligopólios do cinema são insaciáveis, era de se esperar que a coisa piorasse. E piorou mesmo. Eles não podem se conformar nem com uma cota de tela ridícula como a que temos hoje. Como acabar com ela é difícil -seria a confissão cabal da subserviência das autoridades aos seus interesses- resolveram também dominá-la.O caminho para isso tem um nome bastante burocrático: "artigo 3º da lei 8.685/93". É hoje o principal instrumento de dominação da indústriacinematográfica nacional por empresas estrangeiras. Mas vamos a um exemplo concreto, para que o leitor possa ter a dimensão exata do estrago. O filme"Batman - O Cavaleiro das Trevas" arrecadou, em 2008, cerca de 33 milhões dereais no Brasil. Do valor, cerca de 50%, ou R$ 16,5 milhões, são destinados ao distribuidor e ao produtor (a Warner, em ambos os casos). Digamos que tenham sido gastos, com divulgação, cópias, lançamento e manutenção da filial brasileira, R$ 6,5 milhões. O resto - R$ 10 milhões - será remetido para a matriz. Sobre esse valor, a Warner deverá pagar 25% de imposto de renda, a bagatela de R$ 2,5 milhões. Mas, segundo o referido artigo da lei do audiovisual, a empresa pode optar por abater 70% do imposto (no caso, R$1,75 milhões) para investir em produções e co-produções nacionais. Ou seja, usar o dinheiro que seria pago ao governo brasileiro na forma de impostos para se tornarem sócias de filmes nacionais. Algum ingênuo - como estão sendo muitos dos realizadores nacionais - poderá pensar: "Que mal há nisso? É mais dinheiro para o cinema!". O mal é: aassociação entre majors de produção e distribuição estrangeiras detém 80% domercado brasileiro. As cadeias estrangeiras de exibição possuem mais de um quarto de todas as salas de cinema do país. Juntas, determinam o que será visto ou não pelos brasileiros. A única coisa que lhes escapava era a cota de tela, por ser uma obrigação legal. Com o artigo terceiro, passam a poder escolher o que será produzido ou não pelos cineastas brasileiros, passam a determinar quem ocupará a cota de tela - dentre aqueles que se associaram com eles. Veja bem, caro leitor, a completa inversão da lógica capitalista tradicional, em benefício dos setores monopolistas. Em qualquer país domundo, taxa-se o estrangeiro como forma de impedir que ele faça o que quiser com o mercado interno. Aqui estamos isentando o estrangeiro para que ele possa moldar o mercado à sua imagem e semelhança. Vamos a alguns números que comprovam a nossa tese.Entre 2005 e 2007 (últimos dados que a Ancine disponibiliza), foram lançados 192 filmes nacionais. O público desses filmes foi de cerca de 30 milhões de espectadores. Apenas 36 deles levaram mais de 100 mil pessoas ao cinema. Só3 deles não receberam dinheiro via artigo terceiro. Dois são da Globo Filmes que, quando realiza a produção é impedida de captar incentivos fiscais. A única exceção verdadeira (O Cheiro do Ralo, com 172 mil espectadores), só serve para confirmar a regra. São 36 filmes (18,75% do total) que concentram 90% do público. Ou seja, ocupam toda a cota de tela reservada ao cinema brasileiro, apesar de serem filmes produzidos por estrangeiros. Mas façamos a conta de outro modo. Das 9 maiores bilheterias de filmes brasileiros em 2007, 8 foram bancadas pelo artigo terceiro. A única exceção foi um filme da Globo (A GrandeFamília). Concentram 83,36% dos espectadores, enquanto os demais se contentam com o resto. Em 2006 o quadro é o mesmo. A única diferença é que a concentração é ainda maior: 87,75% para os 10 maiores e o resto para os demais 60 filmes lançados. Em 2005 todos os 10 filmes de maior bilheteriasão filhos do artigo terceiro, detendo 93,11% do público. E nem é preciso dizer que, em 27 das 30 maiores bilheterias desses três anos, a distribuidora era uma empresa multinacional. Em resumo: às majors norte-americanas, que antes eram obrigadas a tolerarcerca de 10% de filmes que não eram delas nos cinemas do país, foi dado o direito de utilizar o nosso dinheiro para ficarem sócias de filmes brasileiros. Passaram a ter o direito de decidir quais filmes ocuparão a cota de tela. A pré-condição para isso, claro, é dar-lhes sociedade e serem distribuídos por elas. O resultado é que o espaço para a cinematografia realmente independente reduziu-se ainda mais. Os cineastas nacionais só podem sonhar em chegar de verdade às telas caso se submetam - sabe-se lá aque custo - a um casamento forçado com seu principal inimigo. Se durante muitos anos o cinema nacional careceu de uma estratégia de desenvolvimento, não teve uma verdadeira política, agora tem. O único problema é que ela éestabelecida nos EUA, pela Sony, Fox, Warner, Buena Vista, Paramount eUniversal, em benefício delas mesmas e em detrimento da cultura nacional.
TERCEIRO ATO: O Mercado é que decide (Ou: o tiro de misericórdia)
A vida já estava bastante boa para o cartel do "entertainment": dominavam, sem contestação das autoridades competentes, 90% do mercado cinematográfico.Os restantes 10% também eram ocupados principalmente por eles, co-produzindo filmes com o dinheiro dos outros (ou seja, com o dinheiro do povo brasileiro). O que mais eles poderiam querer? Eliminar os intermediários. Esse pessoal do Minc e da Ancine, apesar de seu capachismo à toda prova, gosta de posar de defensor do cinema nacional. Assim sendo, acaba deixando que se façam filmes sem o aval das majors. É bem verdade que não vão passarem lugar nenhum, que ninguém vai vê-los. Mas depois os diretores ficam reclamando, mendigando uma telinha, fazendo escândalo na imprensa. O jeito seria transferir ao cartel o direito de decidir diretamente o filme que será feito ou não. Inclusive decidindo onde o governo vai colocar o seu próprio dinheiro.O leitor irá concordar que isso já seria demais. Pena que o pessoal do Minc e da Ancine não achou. Gostou da idéia e já começou a colocá-la em prática(em nome, é claro, da transparência e da democracia). Desde 2008 a Ancine passou a contar com o Fundo Setorial do Audiovisual, criado para ser oprincipal mecanismo de financiamento da indústria cinematográfica brasileira. Mas como decidir para onde vai a grana? Vamos a mais um exemplo concreto, para que o leitor não ache que nossa imaginação é fértil demais. No primeiro concurso aberto pelo FSA, inscreveram-se 217 incautos. Desses, 102 foram desclassificados, perdidos nos meandros da burocracia cultural. Sobraram 115, que concorrerão a 30 vagas e R$ 15 milhões. Os felizardos serão escolhidos após uma análise, que determinará o número de pontos do projeto. Vejamos alguns dos critérios. "Interesse e adequação da proposta ao público": ou seja, não interessa se o artista tem algo de interessante a dizer, interessa é se o público quer ouvir. Mas como saber de antemão o que o público quer? "Desempenho comercial das obras produzidas": isto é, já fez sucesso antes? "Valores auferidos em negociações internacionais" /"experiência da distribuidora": quer dizer, já tem contrato de distribuição com alguma multi? "Capacidade dos integrantes da equipe principal e do elenco principal": em outras palavras, tem gente da Globo no meio? É fácilpara o leitor dar-se conta de quem são os maiores interessados em estabelecer critérios bizarros como esses: filmes fáceis, que não façam pensar, com nomes consagrados e contratos de distribuição com as majors. É óbvio que são elas mesmas. Mas, para o monopólio ainda não basta. Desta forma, resolveram também entrar na comissão de seleção. Foram contratados pela Ancine 18 consultores. Uma comissão formada por um consultor da Ancine, um funcionário da Finep(gestora do FSA) e dois consultores decidirá a pontuação dos filmes. Dos 18, sete são exibidores e dois são diretamente ligados às distribuidoras. Só não há distribuidores porque eles não poderiam julgar os filmes dos quais são sócios. O Presidente da Ancine, todo pimpão, afirma que tais mecanismos visam "reintroduzir o compromisso com o risco na atividade". Risco de quê,Mané? Só se for risco de ver o cinema brasileiro afundar de vez, de ter acota de tela invadida por baboseiras, de encher ainda mais as burras do cartel da indústria cultural norte-americana (deixando algumas migalhas para seus asseclas locais). Para as múltis acabou o risco de ter um filme que não seja de seu agrado nas salas brasileiras. Resumo da ópera: não satisfeitos em usar livremente o que deveriam pagar de impostos para ocupar o que restava de mercado ao cinema nacional, ainda garantem que os outros filmes não chegarão nem a ser feitos. Só falta agora ocuparem as comissões de seleção de projetos da Petrobras, da Eletrobrás, doBNDES, pois no Minc e na Ancine já estão mandando.
EPÍLOGO: O sucesso deles é o nosso fracasso(Ou: com o dinheiro dos outros é mais gostoso...)
Bem, perguntará o leitor, ficou comprovado que quem está mandando no cinema brasileiro fala inglês. Mas o que tem a ver com isso o simpático filme de Daniel Filho? Tudo. Dissemos antes que as produções da Globo Filmes eram exceções no uso do artigo terceiro. Mas a turma já deu um jeitinho da se arrumar com o pessoal do Jardim Botânico. O filme não é produção da Globo, apesar de elenco, diretor e equipe trazerem o símbolo da emissora tatuado na testa, mas da Total Entertainment e da empresa do diretor. Assim pode entregar tranqüilamente sua distribuição à Fox Filmes do Brasil e pegar uma graninha do artigo terceiro. A Globo também tira sua casquinha, como co-produtora, fazendo a divulgação e o merchandising. E, para ninguém ter de meter a mão no seu próprio bolso, o filme conta com o generoso patrocínio (público) do BNDES. No final o diretor leva a fama de competente, que leva muita gente ao cinema, os demais são considerados apoiadores do cinema brasileiro, e todos enchem o bolso com o nosso dinheiro. Nessa brincadeira, como a bilheteria do filme já ultrapassouos R$ 50 milhões, a Fox deve ter embolsado mais ou menos R$ 10 milhões, sobre os quais deveria pagar R$ 2,5 milhões de impostos, mas generosamente destinará R$ 1,75 milhões ao cinema nacional... e começa tudo de novo.
10 junho 2009
Petrobras corta o patrocínio para a Jornada Baiana

A Petrobras cortou, nos seus gastos, o patrocínio à Jornada Internacional de Cinema da Bahia. Há muitos anos, patrocionadora do evento, neste, e sem nenhuma justificativa, cancelou os recursos que lhe eram destinados. Transcrevo aqui a indignação de dois cineastas: Noilton Nunes e Tuna Espinheira. Faço apenas uma ressalva ao primeiro quando diz que Guido Araújo foi colega de ginásio de José Sérgio Gabrielli. Este deve ser vinte anos mais jovem do que idealizador das jornadas baianas. E Tuna, que sempre desabafa dos mal feitos existentes em furdunços de extração cinematográfica, desabafa, desta vez, e aqui neste blog, sobre o corte injustificado.
Escreveu Noilton Nunes: "Entrando no blog criado pela Petrobrás, pergunto: e a política cultural como vai? Voces são uma das mais importantes plataformas de sustentabilidade das artes e da cultura no país. Mas, cometem ainda muitos erros operacionais por falta de visão mais apurada sobre as nossas riquezas artísticas e culturais. Senão vejamos: a Jornada Internacional de Cinema da Bahia, tradicionalmente evento convidado pela Petrobrás para receber apoio, foi cortada. Ganhou um não da Petrobrás justamente em 2009 Ano Nacional Euclides da Cunha, engenheiro, militar, poeta, escritor, jornalista, ecologista e pacifista que é o tema da 36a. Jornada. Cegueira total. Visibilidade zero. E o Presidente Sergio foi colega do Guido no ginásio em Salvador. Pode???
Resta agora, para que o estrago seja menor, que o Juca abra os olhos rápido. Que o Silvio estenda logo sua mão e confirme o apoio da Secretaria do Audiovisual. Que o Gustavo esclareça ao grande público o que representa para a nação, para o povo brasileiro a Jornada Baiana de Cinema, que esse ano acontecerá no atual point mais chique de Salvador, no cineminha do Ademar, Espaço Unibanco Cinema Glauber Rocha. Quem viver verá. Abraços Noilton"
Sob o título Falseta da Petrobras, escreveu Tuna Espinheira: "A maior empresa do “meu Brasil brasileiro”, nascida e edificada pela luta épica do “Petróleo é Nosso”, através da movimentação, então, flagrantemente “subversiva”, do povo brasileiro espalhado nos quatro cantos do nosso continente tropical.
A PETROBRÁS, orgulho e glória da nação. Sem perder de vista os tempos agônicos a que foram submetidos muitos que defenderam a utopia do acesso ao “ouro negro”, tão falado por Monteiro Lobato, este legitimo patriotismo que deu muita cadeia, tortura, até mortes, sob a chancela das forças retrogadas, obedientes ao imperialismo, daquela época, e que até hoje ecoam nos que insistem na privatização desta nossa estatal, símbolo da nossa economia.
Agora chega a notícia, já confirmada, dando conta que, esta mesma Petrobrás, excluiu a Jornada Internacional de Cinema da Bahia, o segundo mais antigo evento cinematográfico do país, cuja característica principal é o seu resistente trabalho com o filme cultural. Ao contrário da maioria dos Festivais de Cinema, a Jornada não é palco para desfiles de astros televisivos e reuniões de “doutores em anedotas e de champanhotas”, como bem define os versos da canção popular, certos acontecimentos ditos culturais muito festejados por certo segmento da mídia.
Por tradição de longa data o cinema brasileiro sempre foi ajudado por esta Empresa e reconhece a contribuição. O que espanta, em relação a Jornada, é falta de uma explicação devidamente eivada de razões para justificar a estranha recusa do apoio. A Jornada não merece este descabido destrato. Só podemos ver esta (des) medida como uma falseta contra a Jornada, um ato que fere, de forma cruel, por extensão, a cultura baiana já tão combalida. Orai Pro Nobis..."
Visitem o site da Jornada: http://www.jornadabahia.com/2009/pt/index.html
07 junho 2009
Relembrando o grande Michelangelo Antonioni
A primeira experiência de Antonioni em cores se deu em O dilema de uma vida (Il deserto rosso, 1964), a retomar, aqui, o tema da incomunicabilidade, que se estabelece dentro de uma mise-en-scène na qual a cor exerce função dramática e de produção de sentidos. A pesquisa da cor no tecido dramático seria exacerbada no filme que fez, em seguida, na Inglaterra: Blow up, que no Brasil tomou o título de Depois daquele beijo. Antonioni exigiu que alguns quarteirões de Londres fossem todos pintados com cores berrantes. Blow up traumatizou duramente os devotos (que não se chame aqui de cinéfilos) do bom cinema nos anos 60. Um filme que expressa o niilismo da juventude de sua época através do personagem de David Hemmings, fotógrafo da moda e de moda, que, bem nutrido, com vida confortável, sente, porém, profundo vazio em sua existência até que, fotografando, por acaso, um casal que se beija num parque, descobre, com a ampliação das fotografias, um crime. Antonioni deixa, porém, a resposta vaga, e a significação que pode de tudo advir é aquela da seqüência final, quando pessoas jogam tênis sem a bola. A influência de Janela indiscreta (Rear window), de Alfred Hitchcock, é evidente, mas, aqui, relida em outro ângulo e em outro prisma.
Não se pode falar em Michelangelo Antonioni sem ressaltar a sequência derradeira de O passageiro: profissão repórter (The passenger, 1975) e do seu emblemático plano-sequência no qual a câmera sai do quarto onde está deitado Jack Nicholson, atravessa a janela, circula pelo pátio e volta ao quarto. Quando ela, a câmera, está fora, é que se ouve um tiro com o qual é morto o personagem. Até hoje não se sabe como Antonioni conseguiu realizar este plano, tal o seu virtuosismo, tal a sua habilidade. E em O mistério de Oberwald, como numa premonição, antecipa a estética do vídeo.
Num ensaio escrito para a extinta revista Filme/Cultura (setembro de 1967, número 6), o crítico Jaime Rodrigues, discípulo de Moniz Vianna, estabeleceu com rara felicidade as características do cinema de Michelangelo Antonioni. Um estilo que se define mais por determinadas linhas de ação que por variações em torno de um mesmo tema. Cineasta amargo, mas que procura reencontrar uma linguagem comum aos seres humanos. Em seus filmes, patente, a integração do indivíduo e ambiente: os objetos, as coisas – o mundo industrializado, enfim, fazendo parte do millieu humano. Antonioni constata a caducidade dos valores do nosso tempo numa pesquisa intensa para chegar a novas formas de compreensão. Rodrigues vê nos filmes de Antonioni o último eco do expressionismo pelas construções, com os objetos dominando o ambiente. E, neste particular, vale lembrar que, sendo Antonioni um arquiteto, seus enquadramentos são estudados, perfeitos, primorosos, E, no frigir dos ovos, é o neo-realismo passado a limpo: as implicações dos desajustes sociais sobre a estrutura psicológica do homem. E a certeza de que os problemas da consciência são, sobretudo, problemas de reflexão diante do mundo.

