
, numa da salas do Multiplex Iguatemi a partir da próxima sexta, dia 31. Hoje, uma sessão especial para convidados, no mesmo local, às 21 horas.
Considero Spartacus (1960), de Stanley Kubrick, o melhor épico da história do cinema, ainda que o diretor não tenha tido a oportunidade de concebê-lo na sua integridade, pois, tratando-se de uma produção da companhia de Kirk Douglas, a Byrna (nome em homenagem à sua mãe), o autor de A laranja mecânica somente foi convidado após a desistência de Anthony Mann, que entrou em conflito com o poderoso producer. Douglas, que já tinha trabalhado com Kubrick em Glória feita de sangue (Paths of glory, 1958), e admirado muito o seu trabalho, com a saída de Mann o convidou para assumir a direção, apesar dos protestos de alguns acionistas de sua empresa produtora, que consideravam Kubrick um imberbe para uma empreitada caríssima como Spartacus. O fato é que o filme, monumental, possui características kubrickianas na maneira de encenar, na composição do enquadramento (a câmera no chão com os gladiadores de corpo inteiro,etc), no sentido peculiar do ritmo, do timing, e da concepção de montagem (Laurence Olivier, como Craso, enquanto fala para sua tropa, tem, intercalando-a, Spartacus a falar para seus comandados em montagem paralela extremamente funcional). O melhor de tudo, porém, é a seqüência da batalha final, que somente poderia ter sido dirigida mesmo por um mestre como Kubrick, pois se assemelha, pelo impacto, pela força expressiva, à seqüência da batalha do gelo de Alexandre Nevsky (1938), de Serguei Eisenstein. Se, nesta, a partitura é de Prokofiev, a de Spartacus é de Alex North, músico especializado em grandes temas para cinema e que tem neste filme um de seus momentos de glória.
Domingo passado, dando início à série Como nasce o cinema baiano, prometi para o próximo capítulo (este) falar sobre a diferença entre o Ciclo Baiano de Cinema e a Escola Bahiana de Cinema. É muito simples. Nesta, enquadram-se aquele filmes idealizados pelo grupo de Rex Schindler, que tinha Glauber Rocha como mentor intelectual, Roberto Pires, Braga Neto, David Singer, entre muitos outros. O grupo queria estabelecer, em Salvador, uma infra-estrutura capaz de dotar a Bahia de uma produção cinematográfica constante, com continuidade de produção. São filmes da Escola Bahiana de Cinema: Barravento, A grande feira, Tocaia no asfalto, além de alguns curtas. Mas a idéia que norteou Schindler e seus colegas não deu certo, porque o capital investido não retornou por boicote dos próprios brasileiros, como alguns distribuidores do sul do país. O êxito cinematográfico, que se sustenta no tripé produção/distribuição/exibição, depende muito da circulação do filme para que possa se pagar. O lucro obtido seria, na opinião dos idealizadores da Escola Bahiana de Cinema (que estabelecia, inclusive, um esquema de rodízio para os diretores), investido no filme seguinte.
Fora da Escola Bahiana de Cinema, vários outros produtores, que não Schindler, se aventuraram na produção de filmes genuinamente baianos (O caipora, de Oscar Santana, O grito da terra, de Olney São Paulo, Sol sobre a lama, de Alex Viany/Palma Neto...).
Ja o Ciclo Baiano de Cinema reúne todos os filmes que, entre 1959 e 1964, durante a efervescência que se verificou na Bahia, foram aqui filmados, quer sulinos, quer estrangeiros. Para ficar em poucos exemplos, O tropeiro, de Aécio Andrade, A montanha dos sete ecos, do português Armando Miranda, Três cabras de Lampião, de Aurélio Teixeira, Mandacarú vermelho, de Nelson Pereira dos Santos, Bahia de Todos os Santos, de Trigueirinho Neto, entre outros.
Mas hoje, domingo, dia de eleição, vamos falar de Sol sobre a lama.
João Palma Neto, antigo feirante da Água de Meninos, sindicalista, marinheiro de longo curso, quando vê A grande feira (1961), de Roberto Pires, não gosta da maneira pela qual o filme aborda a questão da gigantesca feira e decide bancar um outro filme como resposta ou réplica. Com o dinheiro de sua poupança (naquela época não há a famigerada captação de recursos), alia-se a Walter Fernandes e Álvaro Queiroz para a produção de Sol sobre a lama. Com eles, funda a Guapira Filmes (Schindller se associa a Iglú, empresa que também faz um cine-jornal, A Bahia na Tela, para poder realizar os filmes da Escola Bahiana de Cinema e há o surgimento, nesta época, de outras empresas - mas assunto para outro tópico). Corre o ano de 1962 e a idéia de Palma é que a fita seja colorida, e com recursos mais sofisticados. Escreve a história, baseada em suas experiências (diz-se que o personagem Valente, interpretado por Geraldo D’El Rey é ele próprio), e confia o roteiro ao carioca Alinor Azevedo (que tem a assinatura nos roteiros de alguns excelentes filmes como Assalto ao trem pagador, e Cidade ameaçada, ambos de Roberto Farias, Um ramo para Luísa, de J.B.Tanko, entre outros. Alinor faz o screenplay de Sol sobre a lama com outro talentoso roteirista, Miguel Torres, que o cinema brasileiro perde, pois morre num desastre automobilístico. Ambicioso, pretensioso, João Palma Neto quer fazer o filme definitivo sobre a Feira de Água de Meninos (que, como numa premonição, é incendiada, um verdadeiro inferno na baixada, em 1964, e seus feirantes se mudam para a Feira de São Joaquim, acanhada, embora hoje imensa, se comparada à de Meninos). Não vê, Palma Neto, nenhum diretor em Salvador capaz de desenvolver as imagens em movimento pré-visualizadas no roteiro de Alinor e Miguel. Também, neste ano, Roberto Pires está a lançar Tocaia no asfalto, e Glauber Rocha está já no Rio, a lançar o Cinema Novo e a preparar a produção de Deus e o diabo na terra do sol.
Palma chama o conceituado crítico carioca, e também cineasta (Rua sem sol, Agulha no palheiro) mediano, Alex Viany, que é, nos anos 40, correspondente da revista O Cruzeiro em Hollywood. De volta ao Brasil, adere de corpo e alma ao cinema nacional, a fazer filmes e a escrever nas páginas dos jornais. Um crítico, inclusive, chega a taxá-lo de "inimigo número 1 do cinema made in Hollywood", apesar de, nesta meca, ter permanecido por muito tempo a gozar de suas delícias.
A maior obra de Alex Viany é, sem dúvida, a sua extenuante pesquisa que se transforma, em 1959, no livro Introdução ao Cinema Brasileiro, editado pelo Instituto Nacional do Livro (várias vezes reeditada, uma delas pela Alhambra). Mas como cineasta, apesar de Rua sem sol e Agulha no palheiro estejam sob a influência do neo-realismo italiano, possuindo um certo pioneirismo na abordagem da problemática social brasileira, é fraco, não sustenta bem uma narrativa. O fiasco total, e canto de cisne desesperado, está, muitos anos depois, em A noiva da cidade, cujo roteiro original é de autoria de Humberto Mauro. O filme, no entanto, um anti-musical, é indefensável.
Palma vê Rua sem sol e Agulha no palheiro e acha que Alex Viany é o realizador ideal para o desenvolvimento imagético de Sol sobre a lama. Quando chega a Salvador, Viany, homem genioso, está fascinado pelo cinema japonês, e tenta, no comando direcional, dar um tom nipônico do ponto de vista cinematográfico à baianidade que se requer de Sol sobre a lama. Realizado em 1963, mas somente lançado (em noite de festa) em novembro de 1964 no cine Guarany, o resultado final, contudo, não agrada Palma. A briga com Viany acaba na Justiça. Assim, há duas versões de Sol sobre a lama. A versão do diretor e a versão do produtor.
O argumento gira em torno da tentativa feita por burgueses gananciosos para acabar com a Feira de Água de Meninos. A complicar a situação, e, com isso, apressar o fim da feira, uma draga fecha o seu ancoradouro, a impedir qualquer abastecimento. Os feirantes, desesperados, lutam pela abertura do ancoradouro para fazer voltar o abastecimento. Dois líderes se apresentam para solucionar o problema. Um açougueiro (Roberto Ferreira/Zé Coió, em grande interpretação) propõe a ação violenta (uma espécie de Chico Diabo de A grande feira) dos feirantes para que invadam, na raça, o ancoradouro, reabrindo-o. Outro líder, no entanto, Valente (Geraldo D'El Rey, Rony, o marinheiro sueco de A grande feira, e o Manoel de Deus e o diabo na terra do sol), que vende material de construção, é a favor de acertos conciliatórios com poderosos políticos e a uma campanha na imprensa local em favor da volta à normalidade. Uma ação, portanto, junto aos poderes constituídos para a resolução do conflito.
Jean-Claude Bernardet, em seu clássico estudo sociológico sobre cinema brasileiro intitulado Brasil em tempo de cinema, ensaio que procura entender a sociedade através de alguns filmes nacionais representativos, dá importância na sua análise a Sol sobre a lama e escreve: “Em vez de malhado superficialmente, o filme deveria ter sido discutido mais abertamente, pois condensa toda uma tática errada, premissas sociológicas falsas e idealistas que caracterizam um longo período da vida da sociedade brasileira. Sol sobre a lama pode ser considerado como um dos mais significativos testemunhos de toda uma política que fracassou.”
A fotografia é de Ruy Santos (que dois anos depois viria filmar, em Buraquinho, praia perto de Itapoã, Onde a terra começa, baseado em conto de Máximo Gorki, com Irmã Alvarez). No cast, Othon Bastos, Geraldo D’El Rey, Roberto Ferreira, Dilma Cunha, Milton Gaúcho, Gessy Gesse, Maria Lígia, Alair Liguori, Carlos Lima, Garibaldo Matos, Doris Monteiro (a cantora que trabalha com Viany em Agulha no palheira e, na certa, chamada por ele), Jurema Penna, Carlos Petrovich, Antonio Pitanga, Tereza Racquel, Glauce Rocha, Lídio Silva. Com música de Pixinguina e Vinicius de Morais. O teatrólogo João Augusto funciona como diretor da segunda unidade.
Depois que revi, agora, O amigo americano(Der amerikanische freund, 1977), de Wim Wenders, vejo que este é o seu melhor filme no qual conseguiu estabelecer uma mise-en-scène mais aprimorada. Há, talvez, pelo fator poético, uma certa tendência a se considerar Paris, Texas (1984), ou Asas do desejo (Der himmel über Berlin, 1987), como seus trabalhos mais festejados, porém, no fator posta-em-cena, e, inclusive, com fortes acentos do melhor thriller americano (Hitchcock inclusive), Der amerikanische freund ganha, ainda que aprecie muito seus trabalhos iniciais como Alice nas cidades, Movimento errado e, principalmente, Com o passar do tempo (Im Lauf der Zeit, 1976), Tokyo-Ga, entre outros. Wenders, no entanto, repetiu-se muito depois de Asas do desejo, e há filmes dele que são completamente descartáveis como Até o fim do mundo ou O hotel de um bilhão de dólares. Mas Der amerikanische freud é filme de primeira, filme de grande cineasta mesmo. Na foto ao lado o gigante Samuel Fuller (Paixões que alucinam, O beijo amargo).
Afinal, e não era sem tempo, Cascalho, o longa metragem do velho Tuna Espinheira, vai ser lançado no dia 31 de outubro em bom circuito e em cópia com som Dolby. Antes, porém, uma avant-première para convidados acontece terça que vem, 28, às 21 horas, na Sala 9 do complexo Multiplex Iguatemi. Vi o filme há quatro anos na Sala Walter da Silveira, mas sem o Dolby e numa projeção que ficou a desejar. Agora vou ter a oportunidade de contemplá-lo na sua majestade. Transcrevo aqui um artigo assinado pelo próprio Tuna, que saiu há algum tempo no Suplemento Cultura de A Tarde a respeito de Herberto Sales, o autor do romance homônimo no qual o filme é baseado. Herberto Sales nasceu em 1917 e se foi desta para melhor em 1999. A foto que ilustra este post mostra a então Prefeita de Salvador, Lídice da Matta, a condecorar o escritor e acadêmico, vendo-se, ao fundo, logo à esquerda, com seu indefectível boné, Tuna Espinheira de carne e osso (os óculos escuros estão devidamente pendurados na camisa). Mas vamos deixar de delongas e ver o que ele escreveu sobre Sales:"Exatamente há dez anos, juntamente com meu saudoso amigo Irving São Paulo, avistei-me, pela derradeira vez, em encontro pessoal, com Herberto Sales. Era uma data emblemática, naquele 21 de setembro ele completaria 80 anos. Já em São Pedro da Aldeia, na paradisíaca Região dos Lagos, á porta da belíssima casa, construída, homeopaticamente, ao longo de mais de uma dezena de anos, nos deparamos com o indefectível aviso: "deixar jornais e revistas do lado de fora." Era estranho para um homem que viveu intensamente os meios da imprensa escrita, principalmente, com fortes ligações com os Diários Associados,com a revista Cruzeiro, tendo sido Diretor da Revista A Cigarra,etc.etc. Para os desavisados, aquela advertência poderia indicar que naquela casa morava um ermitão, um Dom Casmurro, para os que o conheciam, aquilo não tinha a menor importância.Era apenas mais uma das suas legitimas esquisitices, ou simplesmente um "calundú". A bem da verdade ele vivia indignado com o ostracismo dos bons escritores, com os livros esgotados e sem novas edições, enquanto outros, estranhos no ninho, pertencentes a mídia massiva, publicavam e vendiam desbragadamente. Esta dura realidade, refletida em todas as linguagens artísticas, retrata o momento de pobreza cultural em que penamos. Para Herberto esta coisa feria, o fazia triste, deprimido. Adentramos e no misturamos à comemoração que transcorria em ritual de alegria, brindamos várias vezes, embora, já então, problemas ligados com a saúde, já deixava bastante avexado o dono da festa. Sem mexer no humor, na cordialidade, no hedonismo prazeroso de bater um papo.
Minha aproximação com Herberto deu-se por conta e obra do seu romance CASCALHO. Quando de uma das suas passagens pela terrinha, tive a oportunidade de conversar com ele, falei da minha vontade de levar seu romance às telas. Ele topou laconicamente: "faça o roteiro". Dito e feito. Adaptado, roteirizado, e, devidamente, aprovado pelo autor, partimos para o pega-prá-capar, atrás dos meios necessários para realizar a produção. Foram anos para remover a pedra no meio do caminho. Tempo agônico. Herberto já não estava entre nos quando seus personagens se encarnaram em Wilson Mello, Othon Bastos, Gildásio Leite, Lúcio Tranchesi, Irving São Paulo, Arildo Deda, Agnaldo Lopes, Emanuel Cavalcanti, Caco Monteiro, Rosa Espinheira, Jorge Coutinho, Bertho Filho, Julio Gois e povoaram a cidade de Andaraí, na Chapada Diamantina, onde se passa a estória, nos anos trinta.
As filmagens mexeram com o imaginário da população, de um modo geral, acreditava-se que nenhum dos personagens era propriamente de ficção, os mais velhos diziam haver conhecido muitos, outros tantos eram parentes e aderentes. Por aí afora. Para eles Herberto apenas mudara os nomes, as pessoas tinham tido uma existência real e pronto. A empatia foi total, o clima foi de conivência e cumplicidade entre a equipe e a população local, permitindo formar-se um estúdio ao natural. Pedia-se silencio e todos colaboravam, o filme foi rodado, inteiramente, em som-direto, no sistema digital. Duas são as provas deste abençoado relacionamento, a primeira foi o aproveitamento integral das gravações que não tiveram necessidade de dublagens, a outra, um verdadeiro alumbramento: uma das mais alentadas Pousadas que já tinha outro nome escolhido, antes da inauguração, passou a se chamar: Pousada CASCALHO. E lá está, imponente e, sem dúvida alguma, a mais importante homenagem, até então, prestada ao autor do romance pela sua cidade natal.
Conhecer Herberto foi uma passagem enriquecedora na minha estrada, porque não dizer: motivo de orgulho! Afinal não é todo dia que se convive, mesmo por curto tempo, com um escritor que, no meu entender, e de tantos outros, escreveu, pelo menos três obras-primas: CASCALHO, "Dados Biográficos do Finado Marcolino"e "Os Pareceres do Tempo". Com certeza, deixou a marca do Zorro na literatura. O tempo, crítico soberano, sábio dos sábios, já confirmou, assinou e deu fé."
Saudades de Herberto,
Tuna Espinheira (tunaespinheira@terra.com.br)
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Quinta passada, dia 16, aconteceu a exibição de uma raridade durante o V Festival Sala de Arte de Cinema: a projeção, em cópia excelente e som perfeito, de A grande feira, filme baiano de Roberto Pires realizado em 1961 e que é um das obras mais emblemáticas do que se convencionou chamar de Ciclo Baiano de Cinema, que se localiza, em Salvador, entre os anos de 1959 e 1964, com uma concentração maior em 1960, 1961 e 1962. Finda a projeção, realizada na sala do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM), houve um bate-papo com este bloguista, Petrus Pires (filho de Roberto e que se encontra a restaurar a memória do pai), Braga Neto (produtor de alguns filmes do ciclo), e Paulo Hermida. Antes de A grande feira, o documentário Artesão de sonhos, deste último e Petrus, que focaliza Roberto Pires, como um pioneiro do cinema baiano (é responsável pelo primeiro longa feito na soterópolis: Redenção, 1959), inventor de uma lente anamórfica (como o cinemascope), e um dos maiores artesãos do cinema brasileiro (como bem acentua Orlando Senna em seu depoimento).Outro filme genuinamente baiano é Sol sobre a lama (1964), uma produção de João Palma Neto, que, antigo feirante e sindicalista, considera que A grande feira trata superficialmente a questão do drama da feira de Água de Meninos. Decide, então, com dinheiro do próprio bolso, dar uma espécie de resposta a A grande feira. O filme tem roteiro escrito por Miguel Torres (que falece em acidente logo depois), e, para dirigi-lo, Palma chama Alex Viany. O resultado final não agrada ao produtor e a questão acaba na justiça. Há, desse filme, uma versão de Viany, a que passa no lançamento no Guarany, e uma versão de Palma Neto. Sol sobre a lama, na versão do crítico carioca Viany, é muito influenciado pelo cinema japonês pelo qual o cineasta está apaixonado e contraria o sentido de timing querido pelo produtor. Mas se constitui um sucesso, uma produção mais ambiciosa. A fotografia (em deslumbrante colorido) é do consagrado Ruy Santos. Vinicius de Morais coloca a letra no Lamento de Pixinguinha especialmente para este filme, que tem no elenco Othon Bastos, Geraldo D'El Rey, Jurema Penna, Dilma Cunha, Roberto Ferreira, Milton Gaúch, Gessy Gesse (que se tornaria a sexta ou sétima mulher do poetinha), Maria Lígia, Garibaldo Matos, Glauce Rocha, Lídio Silva, Carlos Petrovich, Antonio Pitanga, Doris Monteiro...
Em Feira de Santana, Olney São Paulo deseja filmar a novela Caatinga, do fazendeiro Cyro de Carvalho Leite, e encontra neste o apoio para realizar O grito da terra (1964), canto de cisne do Ciclo Baiano de Cinema. Filme sobre o drama de homens e mulheres que vivem a violência e a fome do sertão agreste, O grito da terra tem, no seu cast, Helena Ignês, João Di Sordi, Eládio de Freitas, Augusta São Paulo, Lídio Silva, Orlando Senna, entre outros. Fotografia de Leonardo Bartucci. E partitura musical do maestro Remo Usai, que faz também a música de A grande feira e Tocaia no asfalto. Aluno de Miklos Rosza, Usai é um partiturista de alto nível que vem a valorizar muito os filmes baianos.
Quem se lembra de O tropeiro, de Aécio F. Andrade, que parece ser oriundo de Vitória da Conquista? Realizado em 1964, conta com Mozart Cintra, Elizabeth Imperial, Carlos Aquino, Jurema Penna (grande atriz baiana da Escola de Teatro de Martim Gonçalves), Mozael Silveira. Vale observar que a direção de arte deste filme vem assinada por Agnaldo Siri Azevedo, que mais tarde é o diretor de produção preferido de Glauber Rocha. E a música do grande Remo Usai. A fotografia de Waldemar Lima, o mesmo iluminador de Deus e o diabo na terra do sol. Filme raro e desaparecido, portanto, que está apenas na memória daqueles que participam de sua elaboração muitos dos quais já mortos. Curioso é constatar que a montagem é de Calazans Neto, artista plástico de renome.
Outra obra cinematográfica que o vento leva é Sob o céu da Bahia, mas não se trata de filme baiano. É uma produção de fora dirigida por Ernesto Remani em 1956, com o ator paulistano Sérgio Hingst, Maria Moreno, Ricardo Campos, Enoque Torres, e com música de outro maestro respeitado: Francisco Mignone. Rodado na praia de Buraquinho (a mesma onde Glauber filma Barravento), Sob o céu da Bahia conta a história de um jovem jangadeiro que deseja abandonar a aldeia por conta da filha de um fazendeiro que domina a região. O amor submisso da filha de um pescador, cobiçada pelo dono de uma barraca de peixes, procura salvar o jangadeiro da vida corrupta da cidade grande. Entretanto, para resolver os problemas de sua aldeia, a jovem decide entregar-se ao furor do dono da barraca. O filme recebe prêmios: Grande Prêmio da Comissão Superior Técnica no Festival de Cannes.. Prêmio Saci, 1959 de Melhor Composição para Mignone, Francisco. Prêmio Governador do Estado de São Paulo, 1959 de Melhor Composição para Mignone, Francisco.
Sobre a diferença entre Escola Bahiana de Cinema e Ciclo Baiano de Cinema, aguardem o próximo capítulo, assim como a vinda de realizadores sulinos para fazer filmes na Bahia, a exemplo de Anselmo Duarte, que filma O pagador de promessas nas escadarias da Igreja do Paço, Nelson Pereira dos Santos, que faz Mandacarú vermelho, porque, indo realizar Vidas secas nas Alagoas, acontece chover torrencialmente, impossibilitando o projeto, e, para não perder a viagem, vem a Bahia e realiza este nordestern meio improvisado que o tem como mocinho. Mas tudo isso mais adiante. Domingo que vem.
Interessante observar que embora alguns filmes baianos atuais tenham recebido prêmios em festivais, a exemplo de Eu me lembro, de Edgard Navarro, Samba Riachão, de Jorge Alfredo, estes filmes são vistos por uma elite e não alcançam o grande público, apesar de estreados em salas dos complexos. A explicação é simples e repetida: atualmente, o povo não vai mais ao cinema como nos idos dos anos 60.
Ainda hoje, a julgar pelo compasso de meu contador Bravenet, o blog deve chegar à marca nada desprezível de 50.000 visitantes, um estádio de futebol de razoáveis proporções, quase cheio. Estalebecido em fevereiro de 2004, a princípio no Blogger da Globo, somente em agosto de 2005 é que houve a transferência para o Blogspot - e agora tomei um susto quando fui acessá-lo para colocar aqui o link: a Globo não me dá mais acesso, porque, segundo diz ao tentar entrar, o antigo blog não era atualizado há mais de 90 dias. Fiz o back up deste Setaro's Blog, mas esqueci do outro. Pena. Desapareceu. Em todo caso, deixo aqui o seu endereço, pois quem tem conta na Globo talvez possa vê-lo: http://www.setaro.blogger.com.br/index.html).
O cinema Guarany deixou uma grande saudade para aqueles que o conheceram, que se formaram cinematograficamente vendo os filmes exibidos nesta sala. Em 1981, com a morte do cineasta baiano de Deus e o diabo na terra do sol, passou a se chamar Cine Glauber Rocha. Mas o que quero chamar a atenção de vocês é para a possibilidade de ver O Guarany, documentário de Cláudio Marques e Marília Hughes, que tem imagens raríssimas como a da noite de gala da inauguração do cinema, trechos de Redenção (1956/59), primeiro filme baiano de longa metragem dirigido por Roberto Pires, além do depoimento deste bloguista, Orlando Senna, Hamilton Correia, entre outros, que falam daquela boa época em que o cinema Guarany era uma referência marcante para a esfuziante província da Bahia. Para vê-lo, basta um clique neste link. É algo precioso.

Há certos críticos que, com poucas palavras, sabem sintetizar o que falta a um determinado filme para que possa atingir um valor poético mais aguçado. Entre eles, Inácio Araújo (da Folha de S. Paulo), cujo poder de síntese é extraordinário. Suas indicações diárias sobre os filmes que passam na televisão constituem no maior exemplo desse poder sintético, dessa arte, poder-se-ia dizer, de criticar/comentar em poucas linhas. Sabe, como poucos, jogar a palavra, efetuar uma sintaxe perfeita em função de uma idéia que ele tem sobre uma obra cinematográfica. Mas, Inácio à parte, cito outro crítico que também tem um rigor escritural na apreciação da arte do filme, que é Carlos Alberto de Mattos (do site Críticos.Com). Sua apreciação de Ensaio sobre a cegueira, de Fernando Meirelles, toca na ferida. A tal ponto que não resisto à transcrição dos dois primeiros parágrafos de sua crítica:
"O romance de José Saramago exerce seu fascínio em parte por causa da trama, em parte pela singular dicção do escritor, especialmente para quem o lê em português. Seria despropositado esperar que uma adaptação cinematográfica, ainda mais uma produção eminentemente internacional como Blindness, conseguisse reproduzir esse segundo elemento. Não se trata aqui de comparar livro e filme, erro tão recorrente na prática da crítica. Mas é preciso examinar o que resta ao projeto de um filme que tem em comum com o livro original apenas a sua trama.Fernando Meirelles procura suprir essa inevitável lacuna com um estilo visual agressivo, baseado na idéia do “mal branco”, nome atribuído à epidemia de cegueira que devasta um país inteiro a partir de um único motorista subitamente acometido (na verdade, não se pode afirmar que o “primeiro cego” do livro é de fato a origem da epidemia). Assim, a supressão da cor como um todo e a invasão do branco formam a “dicção” do filme. Some-se a isso um arsenal de procedimentos óticos relativos a foco, reflexos duplicadores e formas que replicam a órbita ocular. E ainda uma montagem nervosa, que procura exprimir a tensão em torno dos acontecimentos"
Mas, já que estou aqui falando de críticos e de uma adaptação literária, como é o caso de Ensaio sobre a cegueira, vi, recentemente, no Canal Brasil, um verdadeiro massacre praticado por Paulo César Saraceni (que é um diretor a respeitar, mas menos aqui) em cima de uma obra-prima: Dom Casmurro, de Machado de Assis, que em sua versão criminosa e cinematográfica se chamou Capitu. O filme é um desastre completo e acabado e uma lição permanente de como não se deve adaptar uma obra literária para o cinema. E pensar que o roteiro foi escrito por Lygia Fagundes Telles e seu marido Paulo Emílio Salles Gomes!!!!!
Os quatro volumes fundamentais do pensamento cinematográfico de Walter da Silveira já foram lançados há quase dois anos. Patrocinado pelo Governo do Estado, O eterno e o efêmero, título do livro que se inspirou no seu discurso de posse na Academia Baiana de Letras em 1968, foi apenas distribuído e enviado para entidades ligadas ao cinema e a personalidades da área. Difícil adquiri-lo nas livrarias, porém. Obra de tal porte e importância deveria ter sido bem distribuído para estar acessível a todos os interessados. A organização, primorosa, um trabalho árduo de pesquisa do cineasta e escritor José Umberto Dias, autor de Revoada. Mas vamos, aqui, traçar um panorama sobre Walter da Silveira e falar um pouco de um seu outro livro de ensaios sobre a arte do filme: Fronteiras do cinema.